Facebook: Hora de compartilhar ou desgrudar?
A onipresente rede social de Mark Zuckerberg tornou-se um
problema político, econômico e existencial – e já há quem defenda um êxodo em
massa
Por Alexandre Matias | Ilustrações Lucas Levitan
O SENADOR NORTE-AMERICANO Dick Durbin olhava para o criador
do Facebook, Mark Zuckerberg, por cima dos óculos, durante o interrogatório que
o dono da maior rede social do planeta atravessou no início de abril. “Você
ficaria à vontade em compartilhar conosco o nome do hotel em que ficou na noite
passada?”, perguntou. “Ahn…”, balbuciou o cacique de uma tribo digital com mais
de dois bilhões de pessoas, para responder em seguida, com um sorriso
constrangido, “não”. A resposta foi recebida com uma explosão de gargalhadas
dos presentes na sessão do senado americano, em Washington.
O inquérito respondido por Zuckerberg dizia respeito ao
escândalo envolvendo a maior rede social do mundo, que fora usada pela
consultoria política inglesa Cambridge Analytica como plataforma digital para
sugar dados de quase 90 milhões de pessoas e depois manipular suas escolhas
online para que elas fossem refletidas em votos. A Cambridge gaba-se de ter
sido decisiva em recentes terremotos políticos modernos, como a eleição de
Donald Trump nos EUA e o Brexit, referendo que desconectou o Reino Unido do Mercado
Comum Europeu.
A bomba explodiu quando um ex-funcionário da empresa, o
programador Christopher Wylie, veio a público para revelar que a Cambridge
Analytica havia usado um inocente teste de personalidade postado na rede para
drenar informações dos usuários do Facebook e influenciar suas escolhas a
partir de anúncios e posts patrocinados direcionados para diferentes tipos de
eleitores. A crise foi tamanha que a Cambridge anunciou em maio que fechará
suas portas.
O teste vinha dentro de um aplicativo que pedia para que o
público entregasse todo o tipo de informação sobre si mesmo armazenada pelo
Facebook: agenda de contatos, quantidade de likes, links clicados, histórico de
buscas. A minúcia chegava ao extremo de colher dados sobre pessoas que nem sequer
estão na rede social, através de contatos digitais diferentes, como a agenda de
telefones no celular ou o histórico de e-mails daqueles que aceitaram usar o
app clicando inocentemente na caixinha de permissões do teste de personalidade.
Embora o próprio Zuckerberg lave as mãos e diga que foram as
pessoas que aceitaram os termos de uso tanto do aplicativo quanto do Facebook,
o fato é que a empresa controla uma quantidade de informações pessoais cada vez
maior e tem se tornado central na maioria das conexões entre pessoas
atualmente. Mesmo fora de seu domínio azul, Zuckerberg ainda rastreia as
pessoas pelo Instagram e pelo WhatsApp, duas ferramentas independentes que
tiveram saltos de popularidade e foram compradas pelo Facebook.
A era digital fez nascer um novo tipo de oligopólio: o dos
dados pessoais. Aproveitando-se da ingenuidade do público e de uma nova
legislação norte-americana que permitia a vigilância online após os atentados
de 11 de setembro de 2001, novas empresas passaram a oferecer produtos online
aparentemente gratuitos – sejam redes sociais, e-mails online, aplicativos de
comunicação e de relacionamento, serviços na nuvem e mapas digitalizados – que
coletam informações sobre cada passo dado por seus usuários. Ao aceitar os
termos de uso destes novos serviços, as pessoas aos poucos foram abrindo mão de
sua privacidade e até de sua liberdade, carregando dispositivos de
monitoramento online em seus bolsos.
Corporações como Google, Amazon, Facebook, Apple e Microsoft
começaram a desdobrar suas atividades para além de suas funções originais,
aumentando o nível de consentida invasão de privacidade de seus usuários.
Conhecendo melhor seus clientes como nenhum outro tipo de empresa na história,
eles começaram a vender estas informações em forma de publicidade,
personalizando os anúncios de acordo com os hábitos digitais de seus
“consumidores” – que são, na realidade, o verdadeiro produto oferecido aos
anunciantes pela rede social.
Empresas menores como Twitter, Spotify, Uber e Netflix,
entre inúmeras outras, também coletam seus dados para “melhorar seus serviços”,
embora todos almejem ter a influência e o tamanho dos dois maiores gigantes
digitais: Google e Facebook. Se o primeiro não tem uma grande rede social para
conectar as pessoas, é simplesmente dono do maior site de buscas do mundo, do
principal serviço de streaming do planeta (o YouTube), do principal sistema
operacional para celulares (o Android) e do principal serviço de mapas online
do mundo (o Google Maps).
Já o Facebook parece ter uma influência maior do que a
simples inteligência artificial bradada pela empresa. Ele bane a nudez
(incluindo mães que amamentam), mas não tira do ar cenas violentas, por alegada
“liberdade de expressão”. No mesmo inquérito realizado nos EUA, Zuckerberg
assegurou que grupos de ódio são proibidos no Facebook, quando qualquer usuário
percebe a tendência belicosa por trás de comentários, likes e
compartilhamentos.
A crescente polarização ideológica da sociedade no mundo
todo parece ter sido reforçada pela distribuição eletrônica de publicações da
rede, com a criação de bolhas de interesse que não conversam entre si. Problema
que o indiano Chamath Palihapitiya, que chegou a ser vice-presidente de
crescimento de usuários da rede entre 2007 e 2011, apontou no fim do ano, em
uma palestra na Escola de Negócios de Stanford sobre o vício em redes sociais.
Para o ex-diretor da empresa, o Facebook está destruindo o funcionamento da
sociedade e rasgando o tecido social ao fazer as pessoas se tornarem
compulsivas no uso e na recompensa mental que seu uso traz. Na mesma época, o
primeiro presidente do Facebook, Sean Parker, admitiu em um evento na
Filadélfia que a rede foi desenhada para ser viciante: “Só Deus sabe o que
estamos fazendo com o cérebro de nossas crianças.”
Todas essas revelações não alteraram significativamente o
engajamento de seus usuários, embora um movimento de êxodo digital tenha se
intensificado desde então, e o Facebook venha encontrando dificuldades em
atrair usuários mais jovens. Obviamente, a opção de abandonar o Facebook é
complicada, pois a rede se tornou central em uma série de relações sociais e
comerciais – e ainda não encontrou um rival à altura (quadro acima).
O que nos deixa a um clique da tirania, como alertou a
professora Melissa K. Scanlan, da Escola de Direito de Vermont, em um artigo no
jornal britânico The Guardian: “O uso nefasto de nossos dados pessoais está em
toda parte. Se a Cambridge Analytica pode obtê-los, o que impede que um governo
também os tenha?” E prosseguiu: “A maior tirania seria a fusão do monopólio
corporativo e do poder governamental, criando o estado de vigilância mais
invasivo da história.”
Jamais poderíamos imaginar que a distopia do futuro digital
que habitamos hoje fosse mais assustadora que a ficção de George Orwell e
Aldous Huxley, que cogitaram, respectivamente, o estado de vigilância máxima
personificado na figura do Grande Irmão no livro 1984 e o estado de êxtase
alienante em Admirável Mundo Novo. O início do século 21 parece ser uma mistura
destes dois cenários, em que alimentamos um Grande Irmão digital com nossos
êxtases pessoais.
Texto e imagem reproduzidos do site: livrariacultura.com.br
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