Hans-Paul Bürkner, presidente do conselho de administração do BCG
Foto: Divulgação BCG
Publicado originalmente no site da revista Época Negócios, em 24/05/2018
“No fim, as criptomoedas terão que ser reguladas”, diz
chairman do BCG
Para Hans-Paul Bürkner, do Boston Consulting Group, o
dinheiro digital é hoje um problema sem solução. Mas com o qual os governos
terão que lidar no futuro
Por Dubes Sônego
Hans-Paul Bürkner, presidente do conselho de administração e
ex-CEO Global do The Boston Consulting Group (BCG) – no período de 2004 a 2012
–, é um homem sem muita cerimônia. Na data da presente entrevista,
diferentemente do que é praxe, foi ele, e não um assessor ou secretária, quem
recebeu a reportagem de Época Negócios no hall do escritório da companhia, em
um prédio comercial da Berrini, em São Paulo. De terno e gravata,
apresentou-se, estendendo a mão para um comprimento breve. E mostrou o caminho
até a sala de reunião onde aconteceu a conversa.
Acostumado ao Brasil, país que visita ao menos uma vez por
ano, Bürkner considera importante olhar o momento atual dentro de uma
perspectiva econômica de longo prazo. Os últimos 20 anos, pelo menos. É uma
forma de não se deixar levar pela descrença no liberalismo, gerada pelos
desdobramentos da crise financeira de 2008, e se contrapor à disseminação de
políticas protecionistas e lideranças políticas populistas. Para ele, o mundo
nunca esteve tão bem, em termos econômicos e sociais, e deve isso ao
capitalismo e à globalização. Mas esta não parece ser a percepção generalizada.
O assunto foi tema da palestra que deu na edição latino-americana do Fórum
Econômico Mundial, em São Paulo, em março.
Mesmo preocupado com o espaço que vêm ganhando ideias
protecionistas e o discurso populista no cenário internacional, este executivo
alemão de 66 anos, com passagens pelas universidades de Bochum, Yale e Oxford,
é otimista quanto ao futuro. De modo geral, vê como positiva a transformação
digital pela qual passa o mundo. No bate-papo a seguir, ele trata de
criptomoedas, do impacto da automação sobre diversas indústrias e de propostas
como a renda básica universal, além do cenário econômico.
Como novas tecnologias, como inteligência artificial,
blockchain e big data estão afetando e vão afetar a forma de se fazer negócios?
A digitalização, em suas diversas facetas, vai mudar todas
as companhias, indústrias, setores e a vida de cada indivíduo. Com o smartphone
já é possível usar aplicativos de chamada de carros, como o Uber ou Lyft, ou
comprar produtos na Amazon. As novas gerações dificilmente leem jornais
impressos. Elas consomem informações nas redes sociais, sejam elas verdadeiras
ou falsas. Compram online, talvez a maioria das coisas. A forma como as
informações são usadas para atender os consumidores também está mudando. As
pessoas estão rastreando o que você diz e faz nas redes sociais e podem fazer
ofertas baseadas nisso. Algumas (dessas ofertas) são bastante toscas, mas
outras fazem sentido. O blockchain vai mudar muita coisa também. As fintechs
são uma grande ameaça aos bancos. Mais da metade dos pagamentos na China são
feitos online. Alibaba, Tencent, Baidu são realmente os grandes competidores do
sistema financeiro tradicional. Isso vai acontecer mundo afora. Já há
aplicativos oferecendo pagamentos na Índia. A digitalização, de formas
diferentes, vai mudar completamente o que fazemos e como fazemos as coisas.
Todo mundo terá que se ajustar.
Como essas mudanças vão afetar o ambiente de trabalho?
Elas nos tornarão mais produtivos. Já temos fábricas com
muito poucas pessoas. A operação é toda feita por máquinas que transportam as
partes de uma máquina para a outra. A máquina reconhece cada peça e sabe exatamente
o que fazer com ela e para onde mandá-la na etapa seguinte. No nosso caso,
temos que nos perguntar o que significa ser um consultor. Muito do trabalho de
pesquisa e de análise de dados já pode ser feito por meio de programação. Em
uma auditoria, é possível olhar literalmente todos os contratos, e todas as
faturas, para identificar irregularidades, em vez de fazer o trabalho por
amostragem. Mas isso não nos torna dispensáveis. Vamos nos focar no que fazemos
melhor, que é ajudar os clientes a mudar e fazer as grandes transformações em
processos e culturas. O que, ao menos até agora, não pode ser feito por
máquinas.
Mas há também um lado negativo nessas transformações, não?
Elas criam muitas ansiedades. Em alguns cenários, estima-se
que 85% das pessoas vão se tornar obsoletas. Ou talvez farão apenas serviços
muito simples. Apenas 15% das pessoas, engenheiros de software, designers,
talvez escritores e profissionais de algumas outras áreas, continuarão a ter
bons empregos. Acho tudo isso um grande exagero. Odeio isso, para ser honesto.
Em primeiro lugar, porque não é uma boa perspectiva. Em segundo, porque acho
que é uma estimativa errada. Mas não posso provar ainda. Temos algumas equipes
trabalhando nisso. O futuro do trabalho, o futuro dos empregos. Que categorias
de trabalho serão mais afetadas, como podemos torná-las mais produtivas, como
podemos transformar a educação e o treinamento de pessoas com a digitalização.
Particularmente, acredito que em muitas partes do mundo talvez fiquemos sem mão
de obra antes de ficarmos sem empregos suficientes.
Como?
Se você olhar Europa, Japão, Coreia e Taiwan, a população
está estagnada ou em declínio. Mesmo na China, a população em idade de trabalho
está em declínio, por causa da política do filho único. Já há falta de pessoas
para cuidar de pessoas idosas. Também vamos encontrar diferentes formas de
treinar e engajar as pessoas muito mais rápido, com sistemas automáticos.
Teremos muito mais o que fazer. Podemos construir mais infraestrutura e muito
mais pessoas serão necessárias para isso. Certamente, em mercados emergentes na
América Latina e na África, na Ásia Pacífico.
Você acredita em soluções como a renda básica universal?
Eu sou bastante crítico. Existe uma discussão sobre como
financiar o modelo. Mas a coisa mais importante, e negligenciada, é o fato de
que o trabalho é muito importante para que as pessoas tenham autoestima e
possam estruturar seu dia. Se você não tiver um trabalho, eu lhe der uma
quantia qualquer de dinheiro e você gastar oito horas sentado no sofá, comendo
comida de baixa qualidade e assistindo TV, provavelmente vai desenvolver
problemas de saúde, ficar acima do peso e deprimido. Os promotores da renda
básica universal dizem que as pessoas não vão parar de trabalhar só porque
alguém vai lhes dar mil dólares por mês. E eu não duvido que algumas pessoas
ficariam felizes de ajudar outras pessoas se tivessem uma renda básica. Mas, se
você tirar o trabalho de um mineiro, por exemplo, que só aprendeu a usar uma
máquina no interior de uma mina, a vida dele pode ser tornar bastante
miserável. A maior parte deles não terá muitos outros interesses. Um grande
grupo de pessoas pode terminar não fazendo nada. O que seria realmente
prejudicial para elas e para a sociedade. A questão não é dinheiro. É autoestima,
orgulho. Temos que dar as todas as pessoas a chance de contribuir de alguma
forma.
Qual a sua visão sobre as criptomoedas?
Precisamos separar blockchain, que é bom e permite a criação
de sistemas de contabilidade mais transparentes, das criptomoedas. Nos vendem a
ideia de que as criptomoedas são uma coisa maravilhosa, que vai permitir que
nos livremos das autoridades monetárias, que são positivas para o mundo livre.
Mas elas são usadas, no momento, em grande medida, em atividades ilegais, em
detrimento da sociedade. Pagamento de chantagem, sequestros de sistemas de TI,
drogas, armas e assim por diante.
Mas elas são uma realidade difícil e controlar. Como lidar
com elas?
No fim, terão que ser regulamentadas. Mas, por ora, as
opiniões sobre como fazer isso ainda são amplas e muito diversas. Até agora, as
autoridades tentaram dizer que não vão regular, para não conectar as
criptomoedas ao mundo real. Sem regulação, qualquer pessoas que lide com
criptomoedas fará isso por conta e risco. Por outro lado, se você não regular,
as criptomoedas vão continuar a se espalhar e muita gente vai perder dinheiro.
Há países tentando proibi-las e países que não. Uma vez que se tornem legais em
algum lugar do mundo, vão continuar a se espalhar. Porque esse “dinheiro” não é
nada mais que informação.
Você tem uma larga experiência em serviços financeiros e
disse há pouco que as fintechs são realmente perigosas para os bancos.
Eu não disse as fintechs, mas as companhias de tecnologia. É
uma diferença muito importante. Há um número imenso de fintechs, que cresce mês
a mês. São entre 12 mil e 20 mil. Mas 99,99% delas vão ter impacto muito
pequeno e não vão durar. O que é realmente um desafio para o sistema financeiro
tradicional são as companhias de tecnologia. As chinesas Alibaba, Tencent,
Baidu; as americanas Apple, Google, Facebook e Amazon. Elas não vão só permitir
pagamentos. Vão fornecer seguros, serviços, serviços de gestão de ativos,
depósitos, empréstimos. E não precisarão operar como bancos. Vão apenas usar os
serviços dos bancos. Vão se colocar entre o consumidor e o tradicional provedor
de serviços financeiros. Terão todas as informações sobre os consumidores e
suas necessidades. E o banco vai fornecer apenas a conta e o dinheiro. O
consumidor vai comprar tudo o que precisa de uma plataforma, seja ela qual for,
Apple, Amazon ou outra. Esse é o grande desafio. E não apenas para os bancos,
companhias de seguros ou de gestão de ativos. É uma questão para qualquer
negócio ou serviço.
O poder está com a plataforma.
Sim. São elas que têm a informação, conhecem o cliente, têm
o relacionamento. E o provedor, de fato, não tem nada. Esse é o grande desafio
para muitos serviços. Talvez até para a lojinha da esquina, a pizzaria, a
padaria. Se você tem um serviço de entrega que oferece "a melhor pizza da
cidade", se o cliente conhece a qualidade, o preço e recebe em casa, pouco
importa de onde vem a pizza. O mesmo acontece com o Uber. É claro que a pessoa
tem que ser razoavelmente confiável, o carro razoavelmente limpo, o serviço
deve ser rápido. Fora isso, o cliente não se importa.
Durante uma entrevista em 2011, o sr. parecia muito
preocupado com os resultados do que chamou de “ondas de exagero capitalistas e
seus efeitos colaterais”. Isso faz seis anos. Temos visto agora as guerras
comerciais, o Brexit, o crescimento do populismo e da xenofobia. O senhor acha
que as coisas vão melhorar logo, ou ainda vão piorar antes de melhorar?
Naquela época, muita gente pensava que a crise de 2008 havia
acabado, que voltaríamos aos bons e velhos tempos. Ouvi um dos maiores
banqueiros de um dos maiores bancos no mundo dizer: “parem de bater nos bancos,
a crise acabou”. E eu senti que muitas pessoas não haviam entendido que
deveríamos ao menos parar para refletir. Muitos escândalos no setor bancário só
apareceram depois de 2011. E penalidades foram impostas aos bancos, com razão.
Aconteceram escândalos posteriores também no Japão, nos Estados Unidos, na
Índia, na Alemanha, com a Volkswagen. Vimos fraudes no Brasil. Isso mostra que
muito ainda precisa ser feito para reestabelecer a confiança na comunidade
empresarial e nas elites políticas. A ascensão do que chamamos de extremismo,
ou populismo, à esquerda e à direita, se deve principalmente a essa descrença.
Nessa onda de populismo, há uma tendência de os países se focarem neles mesmos
e para tentar maximizar os benefícios que podem obter. Acham que assim ficarão
bem, que restabelecerão as fábricas impedindo importações. Ou que, sem
imigrantes, os salários subirão. Você vê isso no mundo todo, em mercados
desenvolvidos e em desenvolvimento.
Como lidar com o problema?
Um dos elementos chave é trabalharmos juntos. Nenhum país é
capaz de resolver sozinho os problemas atuais. Porque muitas das transações,
sejam de produtos, serviços ou informações, são feitas através de fronteiras e
geram muito estresse nos sistemas nacionais.
O que o preocupa hoje?
Não importa quanto políticos, economistas, cientistas e homens
de negócio avisem sobre os prejuízos de deixarmos de trabalhar em conjunto.
Porque eles têm hoje menos credibilidade do que no passado. Isso torna o
esforço coletivo muito, muito difícil. As pessoas só vão ver o impacto negativo
do populismo e do protecionismo no médio e no longo prazo. Muitos países têm
esses desafios. A globalização e, agora, a digitalização, aumentam o receio que
as pessoas têm de perder o controle e ser deixadas para trás pelo
desenvolvimento. É uma razão imensa de preocupação. Ainda assim, não podemos
esquecer que o progresso que fizemos na economia mundial nos últimos 20 anos
foi realmente muito bom. Bilhões de pessoas saíram da pobreza e se engajaram na
economia mundial como trabalhadores, consumidores e empreendedores. De modo geral,
a desigualdade ao redor do mundo diminuiu. Com todas as mensagens negativas que
recebemos diariamente, esquecemos que vivemos provavelmente na melhor época de
todas. Isso não significa que devemos ignorar os desafios e que há muito espaço
para melhoria. Mas a tendência, no geral, continua positiva.
O que você estudaria se soubesse o que sabe hoje e tivesse
20 anos?
Há pessoas que dizem que estatística e big data são talvez
os melhores empregos que você pode ter hoje em dia. Não tenho tanta certeza. São
trabalhos interessantes. Mas você pode fazer coisas interessantes em qualquer
área, se tiver a curiosidade e realmente gostar do que faz. Se não gosta do que
faz, mesmo que esteja em uma categoria profissional com alta demanda no
mercado, terá dificuldade.
Texto e imagem reproduzidos do site: epocanegocios.globo.com
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