Cate Blanchett na cerimônia de encerramento do Festival de Cannes de 2018.
Foto: Vittorio Zunino Celotto Getty
Publicado originalmente no site El País Brasil, em París 30 MAI 2018
Cate Blanchett, a mulher que é quase perfeita
Atriz e mãe de família numerosa, se destacou por sua
participação no debate feminista que agita Hollywood
Por Álex Vicente
Para onde quer que se olhe lá está Cate Blanchett. Há algum
tempo a atriz australiana se tornou onipresente. Acaba de exercer o cargo de
presidenta do júri no Festival de Cannes, onde conquistou o impossível ao
anunciar uma premiação aplaudida até pelos críticos mais difíceis de se
contentar. Incluía até mesmo um prêmio especial a Jean-Luc Godard, algo inédito
nos 71 anos de história do evento, de modo que precisou “infringir o
protocolo”, como confessou, e que lhe custou várias brigas com os responsáveis
pelo festival.
Seus gostos cinéfilos são ecléticos, como mostram suas
escolhas na telona. Acaba de estrear Manifesto, um filme experimental inspirado
nos ismos do século XX, às ordens do artista Julian Rosefeldt, e está prestes a
lançar Oito Mulheres e um Segredo, o spin-off feminino da saga de ladrões de
colarinho branco, que chegará aos cinemas brasileiros em junho.
Como se não bastasse, tem quatro filmes em pós-produção,
incluindo o novo de Richard Linklater e a última adaptação de O Livro da Selva,
onde dá voz à serpente Kaa. Além disso, acaba de assinar como nova porta-voz
dos produtos de beleza Armani, após ser imagem de dois de seus perfumes desde
2013, e tem quatro filhos com o diretor teatral Andrew Upton, com quem vive em
uma mansão do condado britânico de Sussex desde 2016. A primeira coisa que
costumam perguntar a ela nas entrevistas é como consegue. “Não consigo, mas
tento, como tantas mulheres...”, respondeu à revista Madame Figaro no começo de
maio. “Não sei fazer pausas. Sou hiperativa que sempre pensa: O que tenho para
amanhã?”. Em outra entrevista à revista Variety, se definiu como “intensamente
curiosa”. “Estou constantemente interessada em abrir portas invisíveis que
antes não havia visto”, acrescentou.
Nos últimos meses, Blanchett se destacou por sua
participação no debate feminista que agita Hollywood (e o mundo). Pouco antes
do festival, revelou que também foi vítima do produtor Harvey Weinstein, com
quem trabalhou em diversos filmes. “Atacava principalmente os vulneráveis, como
a maioria dos predadores”, disse Blanchett. A atriz afirmou que Weinstein
costumava lembrá-la que “não eram amigos” por ela não fazer “o que ele pedia”.
Manifesto
Durante sua passagem por Cannes, Blanchett também liderou o
grupo de 82 mulheres da indústria cinematográfica que desfilaram pelo carpete
vermelho exigindo uma igualdade real e perceptível antes de 2020. Leu um
manifesto, como esses que seu último filme reivindica, que talvez voltem a ser
necessários nesses tempos revoltos.
“Nós mulheres não somos uma minoria no mundo, mas o estado
atual da indústria parece indicá-lo”, disse Blanchett na escadaria do carpete
vermelho. Em sua entrevista à Madame Figaro já havia se referido ao mesmo tema:
“A sub-representação é flagrante. Mas uma mudança profunda está ocorrendo: as
mulheres já não se calam tanto. Já não esperam que alguém venha salvá-las”. Ao
ganhar o Oscar por Blue Jasmine – há cinco anos, quanto estava muito menos na
moda pronunciar a palavra “empoderamento” –, Blanchett também encontrou a
ocasião para falar sobre o tema, dedicando a estatueta aos “que acreditam que
os filmes com mulheres como protagonistas são nichos de mercado”. “Não são. As
pessoas querem vê-los e conseguem arrecadar dinheiro”, denunciou no palco.
Blanchett sempre se definiu como feminista, mesmo nos tempos
em que a palavra era marcada por um inexplicável estigma. “Nunca me defini de
outra forma. Nunca entendi esse estigma, porque é só um avanço rumo à
igualdade. Não se trata de construir um matriarcado. Ainda que depois dos
intermináveis milênios em que trabalhamos sob o patriarcado, não me importaria
de receber uma pequena dose de matriarcado em algum lugar...”, disse à Variety.
A primeira vez que pisou em Cannes foi há 20 anos, quando
tinha 28. Chegou ao festival com uma pequena comédia romântica filmada na
Austrália, Ainda Bem Que Ele Conheceu Lizzie. Percorreu os corredores do
mercado procurando distribuição. Lembra que, como um desses anônimos que
perambulam pela sede do festival tentando conseguir uma entrada presenteada por
uma alma caridosa, conseguiu um convite para ver Tempestade de Gelo, de Ang
Lee. Poucos meses depois ela seria alçada ao estrelato com seu papel em
Elizabeth, que lhe valeu sua primeira indicação ao Oscar de um total de sete (e
duas estatuetas). Vinte e uma edições depois, Blanchett saiu desse mesmo
festival transformada em rainha do cinema contemporâneo.
Texto e imagem reproduzidos do site: brasil.elpais.com
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