Publicado originalmente no site da revista ISTOÉ, em 27/04/2018
Entrevista Richard Nisbett, psicólogo
"A inteligência não depende só dos genes"
Por André Sollitto (Edição 27/04/2018 - nº 2523)
Diretor do departamento de Cultura e Cognição da
Universidade de Michigan, nos EUA, o americano Richard Eugene Nisbett, de 76
anos, produziu ao longo das últimas quatro décadas alguns dos trabalhos mais
influentes da psicologia social. Ele chamou a atenção do mundo acadêmico ainda
em 1977, ao afirmar que muitos dos processos envolvendo escolhas, gostos e
emoções são inacessíveis ao pensamento consciente. Depois de estudar as altas
taxas de violência no sul dos Estados Unidos, ele lançou em 2003 o surpreendente
livro “Geografia do Pensamento”, no qual afirma que a cognição humana não é a
mesma em todos os lugares, o que é evidenciado por diferenças entre o
pensamento dos ocidentais e dos orientais. Em seu livro mais recente, “Mindware
— Ferramentas Para Um Pensamento Mais Eficaz” (Objetiva), Nisbett usa conceitos
científicos para mostrar como podemos mudar a maneira de resolver dilemas do
cotidiano. Na entrevista a seguir, o autor fala sobre o que é preciso para nos
protegermos das fake news e afirma que o excesso de autoconfiança perpetua
crenças equivocadas.
Temos ideias equivocadas sobre nossa inteligência?
A principal crença errada diz que nossa inteligência é
determinada principalmente por nossos genes. Sua inteligência é determinada por
aquilo que você aprende. Os genes de qualquer pessoa normal são suficientes
para torná-la razoavelmente inteligente de todas as maneiras exigidas por sua
cultura. Diferenças individuais em inteligência são, de fato, determinados
pelos genes. Mas genes interagem com o ambiente em que aquela pessoa vive para
produzir um nível específico de inteligência. Estamos descobrindo que pessoas
com genes muito bons para a inteligência falharão em aproveitar ao máximo esse
potencial se forem criadas em ambientes caóticos ou indiferentes.
É possível aprender a usar a mente de maneira mais eficaz?
Com certeza. Nós fazemos isso todos os dias. Bebês ficam
deitados em seus berços analisando o mundo e tirando conclusões sobre ele. Seus
familiares deixam você mais esperto todas as vezes em que falam sobre o mundo e
mostram como fazer determinadas coisas. Da mesma forma, o convívio com seus vizinhos
e colegas traz novas informações que o obrigam a refletir — e isso ajuda a
desenvolver sua cognição. Você simplesmente não pode ser inteligente sem
frequentar a escola. E quanto mais você frequenta a escola, mais pensante você
se torna. Porém, os psicólogos descobriram como fazer com que as pessoas pensem
de maneiras diferentes daquelas que a escola ensina. Por exemplo: de que forma
podemos usar regras básicas de estatística e probabilidade em problemas
cotidianos, ou como realizar pequenos experimentos e com eles maximizar a
qualidade das escolhas do dia a dia.
Até que ponto ter mais informação ajuda a fazer as melhores
escolhas?
Todo mundo concorda que é melhor ter mais informação do que
menos informação. Mas as pessoas não têm ideia de quanto é necessário para cada
tipo específico de problema. Elas conseguem dizer com facilidade se uma criança
é uma boa jogadora de basquete ou se sabe soletrar bem. Mas não sabem como
dizer se a criança é gentil, agressiva ou honesta. Isso também é importante para
fazer um julgamento com maior confiança.
Alguns dos princípios discutidos em seu livro, mesmo quando
ensinados em escolas, acabam não sendo aplicados pelas pessoas na vida
cotidiana. Por quê?
Na escola, os princípios são ensinados em relação a dados
abstratos, sejam resultados de testes de QI ou a taxa de produtividade de um
determinado lote agrícola. Esses princípios podem até ser ensinados de maneira
satisfatória, mas os professores não mostram como codificar os eventos
cotidianos da vida de maneira a aplicar esses princípios. Muito do que escrevi
em “Mindware” é sobre codificar eventos. Tenho esperança de que os professores
possam usar mais problemas cotidianos para explicar conceitos estatísticos,
lógicos e científicos nas salas de aula. Infelizmente, os professores tendem a
considerar esses exemplos como material “adicional”. Minha experiência
ensinando técnicas para pensar de maneira mais eficaz mostra que as pessoas
aprendem melhor com exemplos cotidianos do que com abstrações. Esses exemplos
deveriam fazer parte de todo currículo escolar.
Tenho esperança de que os professores possam usar mais
problemas cotidianos para explicar conceitos estatísticos, lógicos e
científicos nas salas de aula
Apesar de tantos avanços nas ciências, ainda pensamos como
nossos ancestrais?
Esse é um ponto extremamente importante. Os caminhos do
pensamento que evoluíram nos últimos 100 mil anos são perfeitamente adequados
para a vida de caçadores e coletores, e são suficientes para a maior parte das
inferências necessárias para o início dos tempos da agricultura. Mas a moderna
sociedade industrial, e especialmente a nova Era da Informação, requer
ferramentas de pensamento que vão muito além dessas tarefas básicas.
Quais são as principais falhas em nosso atual modelo de
pensamento?
Algumas das principais falhas têm a ver com excesso de
confiança. Temos muita confiança em coisas mesmo sem ter evidência suficiente
para justificar esse comportamento. Por exemplo, se soubermos que uma pessoa
foi honesta em uma ou duas ocasiões, tendemos a assumir que ela será honesta em
outras ocasiões diferentes. Mas psicólogos sabem que isso não é verdade.
Afirmar que uma pessoa é honesta, ou agressiva, ou extrovertida, requer muita informação.
Empregadores acreditam que têm evidência suficiente sobre a competência de um
candidato para uma determinada vaga após uma entrevista de meia hora com aquela
pessoa. Na verdade, eles não têm nem remotamente evidência suficiente, e às
vezes nem o tipo de evidência necessária, para julgar a competência daquele
candidato. Relatórios de empregos anteriores, conquistas acadêmicas e cartas de
recomendação são mais eficazes porque se baseiam em muito mais informação do
que uma entrevista de emprego.
Por que é difícil perceber as relações entre eventos
distintos? Isso não deveria ser algo intuitivo?
Nós superestimamos nossa capacidade de detectar correlações.
Isso significa que temos ideias erradas sobre o que tem relação com o quê, e
quais são as causas de certos eventos. Achamos que as pessoas ficam mais
deprimidas às segundas-feiras, que as pessoas do signo de capricórnio são mais
teimosas e que as ações na bolsa de valores tendem a subir mais no final da
semana do que no começo. E podemos manter essas crenças incorretas com grande
confiança.
Estatísticas podem ser muito importantes nas decisões que
tomamos todos os dias. Mesmo assim, muitas pessoas têm dificuldade de lidar com
números. É possível superar essa aversão?
Pensamento estatístico é fundamental na nossa Era da
Informação. Felizmente, a estatística que precisamos no cotidiano não requer
nenhum conhecimento matemático além da habilidade de multiplicar e dividir. A
lei dos grandes números é um princípio estatístico que diz que quanto maior o
número, mais perto das probabilidades reais estará uma determinada pesquisa.
Mas quão grande um número precisa ser depende de quanta variação existe para o
evento em questão. Uma única medida de altura é necessária para saber o tamanho
exato de uma pessoa. Já a habilidade no basquete é variável em cada ocasião,
então é preciso uma grande quantidade de informação, como a observação de um
jogador em múltiplas partidas, para fazer um julgamento razoável. Para julgar a
honestidade, a extroversão ou a agressividade de uma pessoa, uma quantidade
enorme de informação é necessária, observada em ocasiões bastante diferentes,
porque esses são atributos variáveis. O que eu faço é mostrar como analisar uma
variedade de eventos para que as pessoas compreendam quanta evidência é
necessária em cada um desses eventos.
Para se proteger das fake news é preciso saber julgar com
discernimento as evidências e os argumentos que se encontram na mídia
Você diz que psicólogos e economistas aprendem muito uns com
os outros. O que os economistas têm a ensinar às pessoas em geral?
A economia inventou regras sobre escolhas: como maximizar
ganhos e minimizar perdas. Os psicólogos mostraram como aplicar essas regras
nas escolhas que fazemos todos os dias. Dessa maneira, os psicólogos mostraram
que as pessoas fazem escolhas de maneira diferente do que os economistas
assumiram. O prêmio Nobel de economia foi oferecido a um psicólogo que mostrou
que as pessoas não tomam decisões de acordo com a teoria do custo-benefício. Os
economistas tomaram emprestado dos psicólogos o conceito de arquitetura da
escolha (ou “nudge”), em que as escolhas são estruturadas de maneira a
encorajar as pessoas a tomar decisões benéficas a elas e à sociedade. Países
onde é necessário marcar um “x” em um papel dizendo que você não quer que seus
órgãos sejam doados após sua morte têm uma taxa muito maior de doadores do que
países em que você precisa marcar um “x” se quiser doar órgãos. Economistas são
brilhantes em criar essas escolhas que nos tornam mais saudáveis, ricos e
sábios, e psicólogos têm aprendido muito com eles.
Em uma era de notícias falsas, os princípios que você
demonstra podem oferecer ferramentas para identificar o que é verdadeiro e o
que é falso?
Grande parte de “Mindware” é direcionada a ajudar as pessoas
a julgar com discernimento as evidências e argumentos que elas encontram na
mídia. Portanto, acho que elas ajudarão as pessoas a se proteger das fake news
– sejam essas notícias intencionalmente falsas, o que acho que é relativamente
raro, ou acidentalmente falsas, o que é bastante comum.
Seu livro pode ser visto como uma história concisa da
psicologia no século 21. Esse foi um dos seus objetivos ao escrevê-lo?
Na verdade, eu não sentei para escrever com essa missão de
revisar a história da psicologia do século 21. Mas ele acabou oferecendo essa
leitura, sim.
Texto e imagem reproduzidos do site: istoe.com.br
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