Publicado originalmente no site da revista TRIP, em 01/03/2018
Somos mal-educados!
Às vezes, penso que vivemos a decadência dos anos finais de
Roma sem ter tido o apogeu da Grécia. Sem uma educação séria, laica e
pluralista, não iremos a lugar algum
Por André Caramuru Aubert
Na antiga Grécia, o propósito de um debate intelectual
geralmente não era ganhar a discussão, mas fazer com que cada participante
saísse da conversa melhor do que havia entrado. Aprender com o oponente era
mais importante do que derrotá-lo. Essa prática se manteve por séculos,
inclusive durante quase toda a existência do Império Romano. Os filósofos entendiam
que as verdades eram provisórias e que o choque das ideias valia mais do que a
imposição de umas sobre outras.
O mundo greco-romano estava longe de ser perfeito, mas tinha
suas qualidades. Entre elas estava a valorização do aprendizado, da razão e da
cultura. Poetas, filósofos e historiadores eram respeitados. A cidade de Roma,
no seu apogeu, chegou a contar com 28 bibliotecas públicas, e um sinal de
respeitabilidade para uma família era manter grandes acervos de livros em casa,
além de hospedar sessões de leitura de poemas e debates filosóficos. Tudo isso
começou a mudar em meados do século 5 d.C., quando a decadência do Império se
mostrou irreversível. Os “bárbaros” varavam seguidamente as cada vez mais
frágeis fronteiras, a economia afundava, imperadores perdiam-se em intrigas
palacianas e nada revertia a situação. Filosofia e poesia já não atraíam tanto
as pessoas e, no campo das ideias, o Cristianismo avançava. A pluralidade dava
lugar à verdade única, aquela que estava escrita no Livro.
O tempo foi passando e, nos séculos seguintes ao
desaparecimento do Império Romano, a cidade de Roma continuou no mesmo lugar,
mas já não possuía nem o brilho nem as bibliotecas de antes. Sede do Papado,
deixou que se perdesse, de propósito ou por desleixo, a maior parte da
gigantesca produção escrita por gregos e romanos, de modo que só uma ínfima
parte chegou até nós. Da extensa produção do filósofo Demócrito, por exemplo,
só restaram fragmentos. Das 123 peças que Sófocles escreveu, apenas sete
sobreviveram. Mesmo de Aristóteles, que teve o pensamento em boa parte
apropriado pelo cristianismo, estima-se que só um terço sobrou (para mais sobre
como os textos antigos desapareceram e foram, em parte, recuperados a partir do
Renascimento, recomendo fortemente a leitura de A virada, de Stephen
Greenblatt).
Decadência histórica
Por mais que os historiadores discutam as causas que levaram
ao desaparecimento do Império Romano, uma coisa é certa: em certo momento,
faltou, aos romanos, educação. Deixar que livros apodrecessem e trocar o
diálogo por uma verdade única pode ter sido parte das causas ou das
consequências, mas são fatos.
E quanto a nós, brasileiros? Às vezes penso que vivemos a
decadência dos anos finais de Roma sem ter tido o apogeu dos anos dourados da
Grécia. Somos mal-educados. Sem uma educação séria, laica e pluralista, não
iremos a lugar algum. Com todo respeito às exceções, acredito que nossas
escolas e faculdades não ensinam a pensar direito, transmitem pouco conteúdo e
fracassam na formação ética. Somos também mal-educados no cotidiano, e isso
independe de renda ou escolaridade: ricos e pobres ocupam assentos (ou vagas)
preferenciais, jogam lixo nas ruas, desrespeitam leis. Finalmente, nossos
políticos, escolhidos por eleitores mal-educados, são também mal-educados,
gerindo mal ou simplesmente afanando os recursos públicos provenientes dos
impostos que todos nós pagamos (os pobres mais que os ricos).
Sei que tem gente séria dando duro para melhorar as coisas.
Sei que não podemos desistir. Mas é difícil ser otimista. Quando vejo que se
pretende levar educação religiosa de volta às escolas públicas (oficialmente
laicas); quando vejo a (falta de) importância que se dá ao salário dos
professores; quando vejo gente à direita e à esquerda desprezando jornais,
livros e diálogo, preferindo informar-se e estapear-se mutuamente em redes
sociais, me lembro de gregos e romanos. E de como, no fim das contas, eles não
deram certo.
Texto e imagem reproduzidos do site: revistatrip.uol.com.br
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