A atriz Gabriela Carneiro da Cunha, em cena de 'Sobre Ontem à Noite',
primeiro episódio de 'Desnude', ao lado de Edu Moscovis.
Reprodução GNT/Conspiração
Carolina Jabor, diretora de 'Desnude', ao lado de Laura Neiva,
uma das atrizes que faz parte do elenco da série.
Anne Pinheiro Guimarães, que dirigiu e criou os roteiros de 'Desnude'
na pré-estreia da série, no Rio de Janeiro.
Fotos Daniel Pinheiro
A atriz Patrícia de Jesus, em uma das cena dos bastidores de 'Desnude'.
A atriz Gabriela Carneiro da Cunha, em cena de 'Sobre Ontem à Noite',
primeiro episódio de 'Desnude' (Fotos: Carolina Vianna)
Publicado originalmente no site Huffpost Brasil, em 06/03/2018
'Desnude' busca o protagonismo das mulheres quando o assunto
é sexo, desejo e prazer feminino
Conversamos com Carolina Jabor e Anne Guimarães, diretoras
de 'Desnude', nova série do GNT que põe o desejo sexual da mulher em primeiro
plano.
By Andréa Martinelli
"Quisera que toda vida humana fosse pura e transparente
liberdade". A frase creditada à filósofa francesa Simone de Beauvoir é o
que abre um dos episódios da série Desnude, nova produção audiovisual do Canal
GNT, em parceria com a Conspiração Filmes, dirigida por Carolina Jabor e Anne
Pinheiro Guimarães, que busca colocar o desejo da mulher em primeiro plano.
Vida e liberdade, na maioria das vezes, não são associadas
ao prazer e a sexo. Ainda mais quando o assunto é fantasia e sexualidade
feminina. Não à toa, uma pesquisa da Universidade de Montreal, em Quebec,
Canadá, em 2014, constatou que "homens têm mais fantasias, conseguem
descrevê-las sem medo e tem uma vontade enorme de realizá-las".
Em contrapartida, a série começou a ser desenhada depois que
o canal promoveu uma pesquisa com mais de mil mulheres anônimas. 76% das
entrevistadas afirmaram gostar de assistir conteúdo e filmes sobre sexo em que
a mulher é a protagonista. O mapeamento também colheu histórias sexuais,
imaginadas ou vividas por essas mulheres que, em alguns momentos, serviram de
inspiração para a série.
"Todo o audiovisual produzido sobre sexo é feito sob
uma ótica masculina. E, culturalmente, o prazer da mulher é meio que
condicionado ao prazer masculino, né?", reitera Carolina Jabor, uma das
diretoras da série, em entrevista ao HuffPost Brasil.
Trazer o verdadeiro desejo da mulher à tona e explorar o
universo das fantasias sexuais é o objetivo da série que estreou dia 5 de
março, no Canal GNT. E isso foi levado muito a sério.
Ao lado da também diretora Anne Pinheiro Guimarães, Carolina
Jabor montou uma equipe majoritariamente feminina para produzir a série. Os 9
episódios foram roteirizados, produzidos, dirigidos e filmados apenas por
mulheres, sempre com o foco no protagonismo que não é comumente visto em
produções que vão desde o pornô até o mais sofisticado erotismo.
"Para todo mundo foi uma primeira vez. Isso eu senti na
pele. Foi criado um frisson, uma sensação de estar fazendo uma coisa muito
empoderada e muito forte. A sensação de todas que estavam ali foi a de que
todas estavam contribuindo para um projeto muito especial para as mulheres,
para o olhar feminino", lembra Anne ao HuffPost Brasil.
A produção é narrada e protagonizada por nove diferentes
atrizes e, entre elas, Patrícia de Jesus, Laura Neiva, Cláudia Ohana, Maria
Luisa Mendonça, Clarice Falcão e Rafaela Mandelli. O décimo e último episódio –
que contém um formato documental – traz um making of com detalhes do trabalho
das artistas e da direção, e o processo criativo realizado pela equipe. Os
episódios serão exibidos em sequência, de segunda a sexta, durante duas
semanas, às 23h30.
Em conversa com o HuffPost Brasil, as diretoras Anne
Pinheiro Guimarães e Carolina Jabor contaram detalhes da produção da série e,
como, até para elas, trabalhar em um projeto como este as ajudou a pensar sobre
a própria condição. "O mais interessante da série foi analisar a nós
mesmas e, ao mesmo tempo, ficar atentas ao protagonismo da mulher na produção
da série", afirma Carolina.
Leia a entrevista completa:
HuffPost Brasil: Como surgiu a ideia do projeto?
Carolina Jabor: A gente começou a pesquisar sobre o assunto
e percebemos, de fato, que as mulheres não são representadas em filmes sexuais
e não se veem nessas produções. Todo o audiovisual produzido sobre sexo é
produzido sob uma ótica masculina. E, culturalmente, o prazer da mulher é meio
que condicionado ao prazer masculino, né? A gente partiu de um desejo de falar
sobre esse tema e o projeto tomou corpo junto com a Conspiração Filmes e o GNT,
que também tinha uma ideia de falar sobre sexo a partir de uma ótica feminina.
E, então, a gente decidiu fazer um recorte das fantasias. Porque falar de sexo
é falar de uma coisa muito ampla. E fantasia é um tema que não é linear. Então
ele facilita a linguagem cinematográfica; a cabeça da gente também fica muito
livre, e então, possibilita a liberdade na hora de criar.
Anne Pinheiro Guimarães: Ao todo, fechamos em 9 histórias,
com 9 protagonistas diferentes, com sua sexualidade manifestada de uma forma
diferente, com idades diferentes e com universos mentais muito diferentes. A
gente quis fazer esse apanhado de fantasias -- desde as que se realizam, de
fato, até às que se realizam só na cabeça. Todo esse universo na série varia
bastante. A gente fez uma rodada de roteiros e trabalhamos com outras três
roteiristas durante dois meses, entendendo melhor quais seriam as histórias que
a gente queria contar. Foi um processo riquíssimo de troca. Por que sexo é um
assunto que a gente não está acostumada a falar, a gente não é ensinada a falar
sobre isso.
Como foi trabalhar em um set de filmagem que só tinham
mulheres envolvidas?
Carol: Esse set majoritariamente feminino era algo que o
projeto também pedia, então, além da novidade de estar trabalhando só com
mulheres, ele ainda tinha o caráter de que aquelas mulheres todas estavam
trabalhando em prol da dramaturgia. Então, essa foi a grande diferença. E o
fato de estar dando oportunidade a mulheres em cargos que normalmente elas não
estão representadas, isso dá uma onda. [risos] No caso dessa série, além de
tudo, tinha a questão das cenas de sexo, então as mulheres ainda ficaram
eventualmente expostas, com seus corpos nus. O fato de a gente ser mulher
tranquilizava muito o elenco. Isso deu um certo conforto a elas. Por que, de
fato, como a maioria do conteúdo mais erótico, sexual, enfim, é mais feito por
homens, você tem mais homens filmando até em cargos de direção, isso incomoda
um pouco. Então, quando você tem um bando de mulher envolta você consegue ter
uma cumplicidade maior e um conforto maior.
Anne: Eu trabalho com cinema há 18 anos. E os sets sempre
foram e continuam sendo majoritariamente masculinos. E, também, existem algumas
funções, por exemplo, que são predominantemente masculinas. Eu nunca tinha
trabalhado com uma contrarregra mulher na minha vida. E não porque as pessoas
não queriam trabalhar com uma contrarregra mulher, mas é porque não tinham
mulheres nesse campo. E existem funções e profissões que foram tradicionalmente
pautadas por um único gênero. Para todo mundo foi uma primeira vez. Isso eu
senti na pele. Foi criado um frisson, uma sensação de estar fazendo uma coisa
muito empoderada e muito forte. A sensação de todas que estavam ali foi a de
que todas estavam contribuindo para um projeto muito especial para as mulheres,
para o olhar feminino. Foi muito potente, muito forte.
É estranho pensar que, em 2018, as mulheres ainda não não
representadas no universo do audiovisual?
Anne: É estranho pensar que, na verdade, cara... Como é
importante fazer isso. É sobre o discurso da Frances McDormand no Oscar, sabe?
Eu não sabia, mas hoje existem atores e atrizes que colocam no seu contrato que
a equipe precisa ser mista, variada. E isso é extraordinário. E quando você tem
essa experiência, ela muda o olhar, ela muda o cuidado, ela muda a postura das
pessoas. Não estou dizendo que todo set precisa ser majoritariamente feminino,
a gente precisa ter homens também. Mas estou dizendo que é importante ter mais
mulheres e que isso traz experiências fortes e únicas.
E vocês se preocuparam, sempre, em colocar a mulher em
primeiro plano no roteiro?
Carol: Com certeza. E o mais interessante da série foi
analisar o tempo inteiro nós mesmas e, ao tempos tempo, tentando ficar atentas
ao protagonismo da mulher na produção da série. Ela no comando das escolhas, do
que ela gosta ou não e aí, a gente, mesmo no roteiro, tendo isso na cabeça,
mesmo no set a gente se deparava com algumas questões conflitantes. E a gente,
aos poucos, foi tentando quebrar um pouco essa lógica milenar.
Anne: Ah, total. No primeiro episódio, que é o Sobre Ontem à
Noite, logo no início, existe uma cena em que a personagem está do lado de fora
da festa, e que ela senta ao lado do "rapaz de olhos claros". Em
seguida, ela oferece um cigarro a ele. Mas o jeito em que essa cena estava
escrita inicialmente era o contrário disso. Ela pedia um cigarro pra ele. E a
gente, "ué, porque é ela que está pedindo o cigarro?". Para a gente,
ele que tinha que pedir a ela. E ela fala pra ele uma hora, "isso te deixa
nervoso?", o jeito que estava escrito no papel, era ele perguntando pra
ela. E a gente optou por mudar. E ao inverter, teve até uma situação com o
ator, que questionou a mudança, justificando que isso poderia fazer parecer que
a personagem não estava interessada no personagem dele. E, então, a gente
acabou quebrando muitos padrões de relacionamento, sabe? Porque eu acho que o
sexo vai além disso. A forma como as pessoas lidam com a sua sexualidade pautam
todas as nossas relações, de poder, de tudo.
Vocês, como diretoras, chegaram a ouvir homens para
construir as histórias?
Carol: Eu vou te falar que eu não fui muito atrás de homens
para falar sobre, não. Eu até vou procurar que eles assistam, acho importante.
Mas as reações me pareceram abertas. Eu acho que eles estão querendo o diálogo.
Os homens que a gente convive, que são homens que não são reacionários,
conservadores e nem tão machistas assim, eles trazem um desejo de querer ser
menos machistas; eles querem ser melhores. Então, todos os que assistiram a
série previamente, gostam muito. Porque eles aprendem também. Quem tem uma
mente um pouco mais aberta e se mostra propício a entender melhor as nossas
fantasias, o que passa pela nossa cabeça, só tem a aprender.
Anne: Cara, é interessantérrimo. Porque existe uma
curiosidade extraordinária neles. E eles falam, eles ficam alvoroçados,
interessadíssimos. Quando eu falo da série eu conto sempre quais são as
premissas que a gente partiu de alguns episódios. E a reação tem sido muito
positiva. Eu não acho que a série é só para mulheres. A série só tem a
particularidade de que a protagonista ela é dona do seu próprio desejo. Ela não
é o objeto do desejo. Ela é o ser desejante. Essa é a grande diferença.
E isso em nenhum momento é ruim para os homens.
Anne: Eu acho que pelo contrário. Eu acho que eles vão achar
isso um tesão.
E quando a gente fala de sexualidade feminina a gente está
falando de muitas nuances.
Anne: O que acontece é que as mulheres elas tem um poço de
fantasias escondidas, né. E elas vão mudando de acordo com o seu momento de
vida, com o tempo que vai passando, então, é ótimo.
Falar sobre sexualidade da mulher e em como ela pode ser
protagonista de diversas formas nesse lugar é necessariamente passar por
questões feministas. Vocês concordam?
Anne: Eu acho que ser feminista hoje em dia é olhar para o
feminino. Quem se coloca para olhar para essas questões faz um movimento em
direção ao feminismo. Você se colocar como mulher hoje em dia... Você olhar
para o feminino, e tentar abranger o olhar feminino já é uma posição feminista.
Agora, o feminismo ele é uma coisa muito ampla, muito complexa, gigante.
Carol: Mas esse nosso trabalho, essa série, ela vem um pouco
do que a gente tem vontade de expor e de mostrar pro mundo. E assume essa
conversa, esse debate.
Anne: A gente quer dar um repertório para as mulheres, né.
Dar referência.
Carol: Nós também temos um olhar sobre isso. Nós também
temos um prazer que é nosso. A partir do nosso prazer, a gente enxerga isso e
quer contar histórias. Então que acho que, nesse sentido, a série agrega nessa
discussão, sim, porque fala sobre o prazer da mulher. E outra, porque somos mulheres
dirigindo, criando. A criação foi 100% de mulher, então isso, por si só, já é
um ato feminista.
Anne: E eu acho que assim, a gente sempre quis colocar o
desejo da mulher protagonista em primeiro lugar. Então, assim, ela é o ser
desejante da história e isso já é uma novidade total.
Foi estranho pensar que, em 2018, é novidade uma mulher ser
o 'ser desejante'?
Anne: Foi. Mas é exatamente isso. As mulheres precisam saber
que podem exercer a sua liberdade sexual. E, sem culpa, né? Se permitindo.
O momento em que a série também está sendo lançado é
significativo. Depois da repercussão do conto Cat Person, da revista
norte-americana New Yorker, explodiu uma discussão sobre sexo ruim; sobre
aquele sexo que não é criminoso, mas é violento, abusivo de qualquer forma.
Anne: É, depois veio o caso do Aziz ansari também, né?
Carol: É, eu ainda preciso ler esse conto.
Parece muito uma ressignificação daquilo que tanto homens,
quanto mulheres entendem por sexo. O que vem da pornografia é um ensinamento
muito violento. E, há tempos atrás essa mesma discussão buscou apontar o
estupro marital, por exemplo.
Anne: Até porque, culturalmente, uma das obrigações da
mulher no casamento é o sexo, né? E tudo é baseado no desejo, né? Se você não
respeita a vontade do outro é predatório, se você não respeita a vontade do
outro é estupro. Se você só quer saber, se você só olha para o seu desejo --
que é o caso de todos esses, na verdade -- é um abuso.
Para vocês, falar sobre sexualidade feminina é falar sobre
liberdade?
Carol: Eu acho que sim. Eu me sinto mais livre em poder
falar sobre isso, também. Esse projeto tem essa característica, sim, de dar uma
certa onda em que todo mundo que participou dele. Porque falar da sua própria
sexualidade é muito guardada, né? Geralmente a gente não fala e a gente não
consome esse tipo de conteúdo. Então, acho que se a série puder proporcionar às
mulheres o fato de poder falar mais, procurar mais, perguntar mais, ir atrás de
qual é o que você mais se permite. Eu acho que sim, é um aspecto de liberdade.
Anne: Em primeiro lugar é falar sobre liberdade. Pelo menos
é o que a gente também buscou: falar sobre o quanto as mulheres podem
manifestar o seu desejo livremente no sexo. A liberdade sexual feminina é algo
que precisa ser vista e exercitada. Eu fui ler um romance no processo de
produção da série, meio bobo, do Ian McEwan, chamado Na Praia. Ele nada mais é
do que a história da noite de núpcias de um casal jovem nos anos 1960 e, a
partir desse fato, existem vários flashbacks para o passado dos dois e,
principalmente, sobre a formação sexual e expectativa sexual de cada um. E foi
extraordinário perceber que a educação feminina é uma educação voltada para o
silêncio, para o tabu, para a desinformação. E a masculina é o oposto, é uma
descoberta, um lugar de expressão masculina. Então, falar de sexualidade
feminina é falar sobre liberdade, sim. E é isso que nos interessa.
'Desnude'
Direção: Carolina Jabor e Anne Pinheiro Guimarães
Exibição: Canal GNT, Globosat
Horário: 23h30
Conteúdo indicado para maiores de 18 anos.
A repórter viajou para o Rio de Janeiro à convite do GNT.
Texto e imagens reproduzidos do site:huffpostbrasil.com
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