Conexão e influência mútua motivam mais do que ambições
pessoais.
Publicado originalmente no site HUFFPOST BRASIL, em 09/06/2020
Aquilo que nos move
Precisamos de estímulos para persistir em tarefas criativas
e desafiadoras. Mas aqueles focados em ganhos financeiros e materiais são menos
eficazes que recompensas baseadas na compreensão e conexão humana.
Por Michele Müller
Pesquisadora e especialista em neurociência clínica
Ao longo de uma década, pesquisadores da Universidade de
Harvard coletaram dados de um diário eletrônico de profissionais de diversas
empresas. Descobriram, a partir de 12 mil registros diários, que nos dias em
que as pessoas se sentem mais felizes elas também estão mais produtivas e
apresentam as suas melhores ideias. Ao contrário do que se acredita, em dias de
muita pressão, os participantes acabam produzindo menos.
Segundo o estudo, as pessoas sentem-se desmotivadas e
frustradas em um terço dos dias de trabalho – justamente naqueles em que rendem
menos. Há evidências de que nesses dias a produtividade cai consideravelmente.
Em períodos de estresse, nosso desempenho cognitivo é 50% inferior. Temos
problemas de memória, dificuldade para processar a linguagem, raciocínio lógico
mais lento e nos distanciamos de qualquer solução ou ideia criativa.
Portanto, para sermos mais produtivos, precisamos estar bem.
E buscar qualidade de vida não significa apenas ter tempo livre, férias e
momentos de descanso.
Pesquisadores chegaram à conclusão de que a visão daquilo
que nos motiva em geral é pouco producente – como, por exemplo, focar os
estímulos em recompensa material e objetivos apontados especialmente e ganhos
financeiros.
Apesar de serem os primeiros a serem considerados, os
incentivos como remuneração têm influência bem menor no sentimento de
realização pessoal e profissional do que aqueles que se encontram no âmbito da
comunicação humana e conexão social.
Inúmeros estudos nas últimas décadas mostram que caminho
para a realização está dentro de nós e pouco tem relação com aquilo que gera
ambição. Com objetivos tangíveis, voltados para o desenvolvimento pessoal,
transmissão de exemplos e valores, envolvimento em um trabalho significativo,
alcançamos resultados mais gratificantes e criativos.
Essa motivação que vem de dentro não nasce sozinha; ninguém
acorda sentindo-se surpreendentemente motivado. O propulsor dessa energia
criativa é o meio social: tudo o que carrega propósito é feito, direta ou
indiretamente, para os outros, por causa dos outros. Somos dependentes de
reconhecimento e de compreensão e, ao mesmo tempo, responsáveis por agir como
motivadores das pessoas que nos cercam – valorizando, escutando, buscando
conexão e influência mútua.
Agraciados por esse sentimento inquieto vindo de fora,
ganhamos a estrutura emocional necessária para construir a bomba interna que
passa a pulsar a cada tarefa que passamos a considerar como gratificante por
ela mesma e não pelo impacto que irá gerar. É num movimento de fora para dentro
que alcançamos a motivação intrínseca, essencial para persistimos na busca de
qualquer objetivo.
Além da motivação gerada pelos valores que nós trazemos para
nossas ações, uma importante via para a realização está no exercício da
gratidão. Não se trata de um sentimento que surge sem ser convocado e sim uma
ação, uma decisão, um hábito conscientemente formado, que pode envolver
reflexão, meditação, escrita, comunicação e outras ações.
Somos programados para dar muito mais importância aos
sentimentos negativos por uma questão de sobrevivência. Nossa natureza favorece
o constante estado de alerta como uma forma de nos proteger. E assim, as
preocupações que nem se concretizam nos consomem tanta energia que raramente
paramos para enxergar o que está certo, o que merece admiração e contemplação.
Portanto, ocupar a mente com problemas, mesmo que sejam
apenas possibilidades, é, de uma forma geral, nosso modo operante. Nossa mente
é uma máquina de resolver problemas e, quando não há nenhum concreto, ela cria.
Mudar a perspectiva e passar a buscar o que deve ser valorizado exige um certo
esforço – como qualquer prática que trazemos para a a vida diária.
Enxergar valor naquilo que temos no lugar de nos preocupar
com o que não temos desperta outros sentimentos positivos, que levam a uma
postura proativa e influenciam atitudes movidas por ela. Desde a Antiguidade,
pensadores salientam a importância da gratidão para uma transformação nas
nossas vidas, que começa de dentro, mas pode influenciar de forma poderosa os
relacionamentos e os acontecimentos que compõem nossos dias.
Em uma reflexão sobre essa prática, o monge David
Steindl-Rast coloca a gratidão no centro não apenas do nosso próprio bem-estar,
mas do funcionamento harmônico da sociedade:
“Se você é grato, você age com um senso de suficiência e não
um senso de escassez e você está disposto a compartilhar. Se você é grato, você
aprecia as diferenças entre as pessoas, e você respeita a todos e isso altera a
pirâmide do poder sob a qual vivemos. Um mundo grato é um mundo de pessoas
alegres.”
Texto e imagem reproduzidos do site: huffpostbrasil.com
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