Publicado originalmente no site HUFFPOST BRASIL, em 03 de janeiro de 2020
Os 10 anos que mudaram como pensamos a saúde mental
Examinamos os principais eventos de saúde mental ocorridos
na última década e o que mais temos de fazer para acabar com o estigma.
By Lindsay Holmes
Ainda temos muito a fazer antes que possamos nos considerar
uma sociedade positiva e livre dos estigmas no que diz respeito à saúde mental.
Muita gente ainda não entende as doenças mentais como qualquer outra doença,
como câncer ou diabetes. Ainda há barreiras extremas para obter tratamento,
como o custo ou a falta de profissionais especializados. Políticos ainda culpam
a saúde mental por massacres cometidos por atiradores e usam termos
depreciativos para discutir seus adversários.
Quando comecei a escrever sobre o assunto, em 2013, o
cenário era diferente. A saúde mental não era muito coberta pela mídia – ou,
ainda pior, “comportamentos estranhos” de cidadãos eram considerados
“bizarrice” ou “entretenimento”. Suicídios eram relatados sem sensibilidade, ou
então eram glamurizados.
Mas também avançamos muito nos últimos dez anos. Nunca antes
na história as pessoas estiveram tão abertas à ideia de fazer terapia; os
millennials e a geração Z estão muito mais dispostos a falar de saúde mental
que os baby boomers ou a geração X. Lentamente – talvez lentamente demais ―,
mas com certeza, as coisas estão mudando.
Muitas das mudanças podem ser atribuídas a eventos ocorridos
desde 2010. Veja abaixo alguns exemplos. Todos influenciaram como falamos e
pensamos sobre saúde mental:
A morte de Robin Williams e outras celebridades adoradas
Ficamos chocados com o suicídio de Robin Williams, em agosto
de 2014. Sua morte – como a de várias outras pessoas públicas, incluindo
Anthony Bourdain e Kate Spade – talvez tenha sido o evento mais transformador
da última década no que diz respeito à saúde mental.
Suicídios de celebridades abriram o caminho para uma
conversa mais importante sobre saúde mental, diz Gregory Dalack, diretor do
departamento de psiquiatria da Michigan Medicine e tesoureiro da Associação
Psiquiátrica Americana. As tragédias resultaram em “mais conscientização sobre
o estigma em torno da saúde mental e a importância de procurar ajuda”, diz ele
ao HuffPost.
“Essas mortes também servem como lembrete de que as doenças
mentais podem atingir qualquer um, a despeito de idade ou status
socioeconômico”, diz Dalack.
Os eventos certamente mudaram como falamos de saúde mental,
mas infelizmente ainda não houve mudança nas estatísticas de suicídios – eles
ainda são a 10ª maior causa de mortes nos Estados Unidos. Todos os dias, 123
pessoas tiram a própria vida, segundo os Centros de Controle e Prevenção de
Doenças.
Algumas dessas tragédias podem ser até mesmo atribuídas às
mortes de celebridades, graças a um fenômeno chamado de “suicídio por
contágio”. O noticiário e os detalhes sobre a morte de uma pessoa famosa podem
levar outras a tentar o suicídio.
“Apesar dessas mortes trágicas, o número de suicídios vem
aumentando constantemente nos últimos dez anos”, diz Dan Reidenberg, diretor
executivo da Suicide Awareness Voices of Education. “Gostaria de acreditar que,
se isso fosse realmente importante para as pessoas e para o governo, teríamos
feito mais – não só por causa dos suicídios de celebridades, mas também pelas
pessoas conectadas com elas.”
A eleição de 2016 e o estresse com as notícias ruins
Não podemos falar da década que passou sem reconhecer o caos
da política. A eleição presidencial de 2016 nos Estados Unidos, a inundação de
notícias negativas e o constante clima de tensão cultural afetam como pensamos
e o que sentimos.
“Muitos dos nossos pacientes relatam que o noticiário
político contribui para o estresse do dia-a-dia”, diz Dalack.
Um estudo realizado por pesquisadores da Universidade de
Michigan indicou que três eventos da política (incluindo a eleição de 2016 e a
posse de Donald Trump, em 2017) afetaram o humor de estagiários de medicina
tanto quanto as primeiras semanas do treinamento. “A pesquisa reflete uma
tendência geral que indica que a política de fato afeta a vida pessoal e
profissional”, explica Dalack.
Notícias sobre ataques sexuais, massacres, racismo, mudança
climática e outros temas negativos também afetam nossa saúde mental. Mas os
últimos dez anos não trouxeram apenas más notícias, diz Reidenberg.
“A eleição presidencial de 2016 trouxe saúde mental e
suicídio para o primeiro plano, graças a Hillary Clinton, que foi muito mais
direta sobre o assunto que outros candidatos no passado”, afirma ele. “O
programa de saúde de Obama ampliou a cobertura para doenças mentais e abuso de
substâncias. A voz das pessoas que passaram por essas experiências passou a ser
mais ouvida nos últimos anos. Isso tem e terá impacto em pesquisas,
tratamentos, serviços de apoio, educação e treinamento.”
Programas de TV que tratam de saúde mental
Quanto mais sabemos sobre saúde mental, mas o tema aparece
na tela da TV. Vários programas e séries trataram do assunto: dramas como This
Is Us e You’re the Worst mostraram de maneira comovente a realidade complexa de
viver com doenças mentais. Reality shows também deixaram de usar a terapia como
um mero elemento da trama para tratá-la como parte normal da vida das pessoas.
Mas talvez a série mais falada e influente tenha sido 13
Reasons Why, da Netflix. Muita gente elogiou a série por ter começado uma
conversa importante sobre suicídio. Por outro lado, ela recebeu críticas por
mostrar graficamente um suicídio.
Pesquisas indicam que as buscas por suicídio na internet
aumentaram depois do lançamento da série. Uma pesquisa divulgada este ano
também identificou uma associação entre um pequeno aumento nas taxas de
suicídio e a estreia da série.
A ascensão das redes sociais
Apesar de as redes sociais existirem desde muito antes do
começo da década, a influência delas em nossas vidas nunca foi tão grande.
Pesquisas apontam que o uso excessivo desses serviços pode
ter um impacto enorme em nossa saúde mental. O bullying online explodiu. O
clamor por uma vida mais desconectada atingiu seu auge no meio da década. E
muita gente usou as redes sociais para falar de suas experiências com saúde
mental, compartilhar memes e comiserar sobre a tristeza com os seguidores.
O fato é que as redes sociais tiveram efeitos extremamente
positivos e negativos na conversa sobre saúde mental.
“Nos últimos dez anos, a atenção sobre as redes sociais foi
redobrada. Há um número crescente de pesquisas mostrando que há impactos
negativos para algumas pessoas, como isolamento social, comparações e
depressão”, diz Reidenberg.
“Ao mesmo tempo, as redes sociais trazem benefícios
importantes, como o acesso a informações e recursos que não existiam antes.
Elas também representam a oportunidade de se conectar com pessoas que podem
oferecer ajuda, segurança e afeto em épocas de crise”, acrescenta ele.
Celebridades se abriram sobre suas doenças mentais
As celebridades estão mais francas sobre suas experiências
pessoais. Este foi um dos avanços mais positivos da última década em relação à
saúde mental. Pessoas públicas ― da realeza britânica a músicos e atores ―
foram mais abertas do que nunca sobre seus problemas de saúde mental, terapia,
autocuidado e muito mais.
Demi Lovato e o príncipe Harry são parte de grupos que
promovem conscientização. A ex-primeira-dama Michelle Obama falou sobre a
importância da saúde mental, especialmente para veteranos e não-brancos.
Atletas, incluindo o jogador da NBA Kevin Love, chamaram a atenção para a saúde
mental no mundo dos esportes.
Esse tipo de atitude foi o que levou a atriz Chyler Leigh a
discutir sua própria com o transtorno bipolar. A estrela de Supergirl e Grey’s
Anatomy recentemente entrou para a Be Vocal, uma iniciativa que incentiva as
pessoas a falarem sobre saúde mental.
“Muitas celebridades demonstraram coragem para falar de sua
jornada”, afirma Leigh ao HuffPost. “Isso é incrivelmente inspirador para mim.
Pude ver pessoas que estavam dispostas a se expor e ― julgadas ou não –
dispostas a falar de suas dificuldades”.
Quando as celebridades falam de sua própria saúde mental, a
conexão com os fãs também aumenta, diz Leigh.
“Vi a formação de comunidades entre os fãs. Esse efeito
dominó mostra como é importante compartilhar sua história”, diz a atriz.
O que queremos ver na próxima década
Ainda temos muito a fazer, e os especialistas esperam ver
mais progressos nos próximos 10 anos. Para Dalack e Reidenberg, a prioridade é
oferecer às pessoas mais oportunidades de tratamento.
“Na próxima década, adoraria ver mais acesso aos cuidados de
saúde mental”, afirma Dalack. “Isso vai exigir esforço dos planos de saúde, dos
médicos e dos políticos. Aqueles que, como nós, trabalham nesse setor
precisarão continuar inovando nos tratamentos mais baratos, que usam a
tecnologia digital para atender comunidades rurais e remotas. Todos nós temos
responsabilidade.”
Em última análise, isso significa tratar as doenças mentais
como qualquer outra doença.
“Espero que em dez anos as pessoas entendam que os problemas
relacionados à saúde mental não são diferentes de quaisquer outros problemas
relacionados ao corpo ou ao cérebro”, diz Reidenberg. “Se você não está se
sentindo bem, precisa conversar com alguém, independentemente da origem da
doença.”
Quanto a mim, espero que o cenário seja diferente daqui uma
década. Quero um dia poder parar de escrever sobre suicídio e estigma. Não
porque não seja apaixonada pelo meu trabalho, mas porque as coisas melhoraram tanto
que não terei mais assunto. Esse é um desafio pelo qual vale a pena lutar.
Texto e imagem reproduzidos do site: huffpostbrasil.com

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