Publicado originalmente no site EL PAÍS BRASIL, em 28 de
dezembro de 2019
“O ecocídio nos
mostrará que estávamos errados. E chegará o apocalipse”
Paul Kingsnorth se entregou ao ecologismo até perceber que
era em vão. Nada freará a destruição do planeta causada pelo ser humano, diz.
Entraremos em extinção, mas a Terra prevalecerá
Por Carmen Pérez-Lanzac
Escutar Paul Kingsnorth (Worcester, Inglaterra, 1972) é
devastador. Ele dedicou seus primeiros 20 anos de atividade à causa ecológica
até que, por volta de 2007, percebeu que era tudo em vão: caminhamos rumo ao
nosso ecocídio. Em Confessions of a Recovering Environmentalist (confissões de
um ecologista sob reabilitação), ele diz que de nada adianta abraçar o
ecologismo, pois este foi absorvido pelo capitalismo. A mudança climática está
em marcha, a extinção das espécies avança inexoravelmente, e nós não desejamos
conter esses processos. A espécie humana será extinta, afirma, e a Terra, com o
passar dos anos, se regenerará. Kingsnorth se mudou há pouco para a zona rural
irlandesa. Lá pôde se permitir um terreno baldio que repovoou com freixos e
bétulas e onde mora com a mulher e os dois filhos. Agora está imerso num novo
livro, no qual imagina como será nossa vida dentro de mil anos: muito menos
gente, que — fabula Kingsnorth — viverá selvagemente. O encontro é numa
franquia global no centro de Dublin, embora ele logo se desculpe: “Não conheço
bem a cidade.” Nos dirigimos então a um frio estabelecimento de comida
ecológica. Ele leva consigo um presente para os filhos.
Algo de madeira? Não. Lego.
PERGUNTA. De onde veio o seu desencanto com o movimento
ecologista?
RESPOSTA: Um dia, percebi que o que estávamos tentando em
escala global era impossível. Nunca conseguiríamos mudar o sistema. A maioria
das pessoas não quer fazer isso. O conceito de sustentabilidade foi abraçado
pelo sistema industrial e pelo consumismo. O debate sobre como deveríamos viver
em harmonia com a natureza, que é uma pergunta social, cultural e espiritual,
foi reduzido à pergunta de como podemos diminuir nossas emissões. Agora estamos
começando a assumir que não podemos frear a mudança climática e a falar de
sofrimento. Estamos acordando para o fato de que ultrapassamos o ponto de não
retorno.
P. E você continua lutando para reduzir seu impacto ou jogou
a toalha?
R. Como família, tentamos levar uma vida simples. Usamos
pouca eletricidade, plantamos nossos alimentos. Mas, de vez em quando, tomo um
avião e compro Lego para meus filhos.
P. Você escreve que o mundo se divide entre globalistas e
nacionalistas.
R. Politicamente, é uma melhor divisão que entre esquerda e
direita. Mas eu dividiria entre os que pensam globalmente e os que o fazem em
termos locais, mais que nacionais. Veja o caso do Brexit. Parece-me muito mais
adequado pensar nesses termos. Se você olhar o debate, as conversas se
concentram em temas como a nação frente ao sistema global. O que estamos
fazendo há décadas é criar um sistema econômico global e, como você terá
notado, Dublin se parece mais com Londres, que cada vez se parece mais com
Amsterdã... Criamos uma massa capitalista uniforme em todos os lugares, e cada
vez mais as diferentes culturas estão desaparecendo. As pessoas que não gostam
disso vêm de todos os espectros políticos. Cada vez mais se rebelam contra essa
máquina global, frente à qual se sentem indefesos. É um bom resumo do estado do
mundo neste momento.
“Aceitar a mudança climática é como aceitar o final de cada
um de nós individualmente, a nossa própria morte”
P. Permita-me que lhe pergunte sobre o Brexit. Você votou a
favor da saída da União Europeia. Por quê?
R. A vida inteira defendi que o poder deveria ser tão local
quanto fosse possível. O conceito de que o pequeno é bonito, de levar o poder
ao mínimo e que as comunidades decidam como querem ser... Por esse motivo,
sempre serei a favor de que os Governos nacionais tenham todo o poder sobre
estruturas distantes como a UE, que, na minha concepção, não tem nenhuma
legitimidade porque não foi eleita por ninguém. Não que eu ache que o Governo
inglês seja superdemocrático, mas preferiria que a política agrária e seu
efeito em nossos ecossistemas fossem ditados por meu país, não por um organismo
que decide sobre 28 países.
P. E acredita que Johnson ajudará a chegar ao modelo local
que defende?
R. Acredito que existam mais opções para que leve o Reino
Unido a um mundo de estruturas locais, sim.
P. Não acha que, quanto mais acordos os países assinarem uns
com os outros, mais opções teremos para seguir pelo bom caminho?
R. Sim, mas na UE há cada vez mais eleitores de
extrema-direita. Algo falha nesse modelo, e isso faz com que muita gente se
volte para o nacionalismo. As pessoas estão perdendo tanto poder sobre sua
economia e seu destino que não se identificam com a UE. A globalização
desempodera as pessoas.
P. Como pensa que deveríamos nos conectar com a natureza?
R. A partir do amor e da conexão com ela. O problema não
está em nossas emissões de carbono. Vai do sentimento de vinculação que
tenhamos até uma floresta que conheçamos ou um rio. Da sensação de apreciar e
amar um lugar e querer protegê-lo contra a destruição que seria provocada por
um moinho de vento. Como dizia Wendell Berry, as pessoas que realmente sintam
uma conexão com o chão serão as que sujarão as mãos para protegê-lo. E isso é o
oposto do nacionalismo, que é antiecológico. Não entendo que, além da
identidade cultural, não se cultive o amor por nosso entorno.
P. E se conseguíssemos esse localismo, o que deveríamos
fazer então?
R. Não sei. Não tenho respostas. O que faço é avisar sobre o
que vi: o coração das pessoas das sociedades industrializadas, como nós, está
completamente desconectado dos lugares onde elas vivem. Não é culpa de ninguém,
simplesmente é assim. Estamos diante de um dilema porque fizemos as coisas de
uma certa maneira. O ecocídio nos mostrará que estamos errados. E chegará o apocalipse.
A mãe natureza sempre nos ensina. Muitas vezes, penso que aceitar a mudança
climática é como aceitar o final de cada um de nós individualmente, a nossa
própria morte.

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