Publicado originalmente no site do jornal EL PAÍS BRASIL, em 22 de agosto de 2019
Sapiosexuais: quando você só se excita com a inteligência
Estima-se que 8% dos adultos são sapiosexuais, ou seja, o
fator que mais os excita sexualmente são os neurônios
Quem prefere e escolhe pessoas inteligentes para um
relacionamento amoroso não deveria ser encarado como novidade nem tema para
artigos. Que assim seja, além de provocar certa inquietação, pode ser
indicativo de que a inteligência é um bem cada vez mais escasso, menos
abundante do que a beleza, o carisma ou a personalidade e, precisamente por
isso, é mais valioso.
No entanto, diante da pergunta, "com quem você
preferiria dormir uma noite: com alguém de alto QI ou com alguém com corpo e
físico invejáveis?" Não temos muita certeza de que a maioria escolheria os
neurônios. É provável que muitos ficassem com os hormônios ou feromônios. Na
melhor das hipóteses, haverá tempo no dia seguinte para ler Byung-Chul Han.
Os sapiosexuais, porém, não só admiram a inteligência, mas
essa qualidade é a que mais os excita sexualmente em um potencial parceiro,
acima das já tradicionais e clássicas questões estéticas, monetárias, sociais
de status social ou poder.
Essa atração sempre aconteceu, mas que não havia sido
batizada com nome tão pomposo. Quando muito, recebia o rótulo de que era
excêntrico ou gostava dos bizarros, e em um segundo a questão estava
solucionada. Hoje, no entanto, há vários tipos de teorias para explicar esse
fenômeno "raro". Há testes do Buzzfeed para detectar se você é
sapiosexual e até um portal de encontros, o Sapio, para que os inteligentes, ou
os que erotizam essa qualidade, encontrem a sua cara metade.
O psicólogo e sexólogo neozelandês John Money (1921-2006)
procurou explicar por que algumas pessoas se sentem atraídas por um certo tipo
de qualidade e não por outras, com sua teoria sobre o "mapa do amor".
Este condiciona nossa atração sexual e não se trata de um mapa comum, mas um
que se desenha em nossa mente e que constitui uma representação complexa de
nosso amante idealizado, do que consideramos como erótico e das práticas mais
estimulantes para nós. Algo como a personalidade erótica. Este mapa é projetado
no imaginário mental e se expressa em sonhos, fantasias e atos, e cada mapa é
único, embora compartilhe características comuns com o de outros indivíduos.
Segundo Money, os mapas do amor começam a se formar desde
que nascemos, com todas as informações, experiências e estímulos que recebemos.
As experiências da infância deixam uma marca no nosso mapa do amor e as
negativas têm a capacidade de imprimir uma mancha que pode impedir no futuro a
formação de vínculos afetivos e eróticos harmoniosos.
A história nos deixou famosos sapiosexuais, como Marilyn
Monroe (talvez o papel em que Hollywood a colocou, o de loira burra, tenha
feito com que ela fugisse do padrão de beleza para se refugiar na massa
cinzenta). A atriz uma vez reconheceu que Albert Einstein era o homem mais
sedutor que já havia sido apresentado a ela e que não hesitou em lhe propor:
"Deveríamos ter um filho juntos para que tivesse meu físico e a sua
inteligência". John Waters aconselhava: "Se você for à casa de alguém
e não houver um único livro, não durma com ele"; e o personagem de Eusebio
Poncela, Dante, no filme Martín (Hache) (1997), defendia que “é preciso foder
as mentes”.
A inteligência, a segunda qualidade mais erótica
Na verdade, somos todos um pouco sapiosexuais. Foi o que revelou
um estudo realizado por Gilles E. Gignac, professor titular da Universidade da
Austrália Ocidental. Foram entrevistados 383 adultos para se conhecer as
características que mais valorizavam em seus parceiros e os resultados
mostraram que a inteligência foi a segunda mais citada —depois da gentileza e
compreensão—, desde que não fosse muito elevada. Assim, descobriram que a
relação entre o quociente intelectual e a atratividade é curvilínea. Ou seja,
atinge o seu pico quando alcança um QI de 120, mas diminui se já é de 135.
Alguns também apontam que os sapiosexuais podem relacionar
de modo inconsciente a intelectualidade do outro a uma relação mais segura e
estável. De alguma forma, associam a inteligência a uma boa tomada de decisões
e a uma espécie de "seguro" para o relacionamento.
Como explica Lora Adair, professora de psicologia
evolucionista da Universidade de Lyon, na revista Vice, “homens e mulheres
sempre desejaram a inteligência em seus companheiros, quer se identifiquem como
sapiosexuais ou não. Isso acontece em todas as espécies, embora em animais não
humanos a inteligência ou a capacidade cognitiva seja medida morfologicamente”.
Lyon dá como exemplo o macho do pássaro-cetim, que constrói
ninhos intrincados adornando-os com objetos brilhantes que encontra em seu
entorno para atrair as fêmeas mais seletivas. "A capacidade de encontrar
esses objetos excepcionais e de protegê-los de roubo ou sabotagem de outros
machos pode servir como um indicador de capacidade cognitiva e de adequação genética."
Se a inteligência ajudou nossos ancestrais a resolver
problemas e a evoluir, não é estranho que continuemos a considerá-la uma
qualidade que pode nos trazer uma vida mais tranquila, uma situação econômica
melhor e até mesmo um parceiro mais saudável. Além disso, há outro estudo,
realizado pelo psicólogo evolucionista Geoffrey Miller, da Universidade do Novo
México, que relaciona um alto QI com uma boa qualidade de sêmen, feito entre
400 veteranos da Guerra do Vietnã que foram submetidos a esses dois testes.
“Tradicionalmente, a ideia é que a atração sexual tem muito
a ver com o físico, com o corporal, com o mental. Mas a atração é algo mais
heterogêneo e que integra muitas coisas: senso de humor, capacidade de
compreensão ou a maneira de expressar o sentimento, e todas essas qualidades
têm muito a ver com inteligência”, diz a psicóloga e sexóloga Gloria Arancibia
Clavel.
Por isso, os sapiosexuais não costumam ser pessoas de amor à
primeira vista nem de flechadas, já que descobrir se alguém é inteligente ou
não leva tempo e, geralmente, seus relacionamentos começam como uma amizade
para desembocar na atração sexual, à medida que o cérebro se despe. Para este
grupo, a sedução entra mais pela palavra e o ouvido, por meio de conversas ou
pontos de vista interessantes, do que pela visão. Por isso se costuma dizer que
as mulheres são mais sapiosexuais que os homens. "Na verdade, esta é uma
afirmação que se conecta com as questões de gênero e os clichês que ainda
definem homens e mulheres, as dificuldades de alguns homens em reconhecer uma
mulher mais inteligente que eles ou a ideia, de algumas mulheres, de que para
seduzir têm que se fazer um pouco de bobas ou, pelo menos, não parecer
inteligentes demais”, diz Aranciba.
Mas, o que é inteligência?
Claro que hoje muitos tendem a confundir a inteligência com
o acúmulo de dados (como a capacidade de um disco rígido), a habilidade para se
vender (e, assim, os tímidos passam por tolos) e até a arrogância. Por muitos
anos essa qualidade foi relacionada com a capacidade numérica, mais do que com
outras, o que me fez tocar o limite entre uma pessoa normal e uma borderline
por tirar uma nota baixa em um teste que fizeram na escola para determinar o
meu coeficiente intelectual.
Felizmente, não lhe dei muita importância, ao contrário de
outros que se deixaram influenciar quando os resultados os rotularam de
superdotados, para sua desgraça. Hoje em dia, esses testes não são mais feitos,
pois se sabe que existem muitos tipos de inteligência: a emocional, a social e
até a erótica; embora todas compartilhem características comuns: o senso de
humor, a empatia e, acima de tudo, a capacidade de resolver problemas em novas
situações.
A atração pela inteligência também pode acarretar certos
perigos, observa Gloria Arancibia. “Muita coisa acontece na observação.
Passa-se da admiração à idealização da pessoa, e daí à dependência. E isso
reforça ainda mais a falta de autoestima em pessoas pouco seguras de si mesmas
e pode resultar no domínio daquele que se supõe mais inteligente sobre o
outro.”
A erotização do neurônio desemboca também em todo um
imaginário de protótipos para os sapiosexuais, em que se destacam o
professor/a, os escritores, os cientistas e, sobretudo, as bibliotecárias,
segundo Bix Warden em seu livro The Sexy Librarian’s Big Book of Erótica. O bom
de se sentir seduzido eroticamente pela inteligência é que esse tipo de atração
não é afetado pela passagem do tempo, nem pelas rugas ou a flacidez. Pelo
contrário, ganha ao longo dos anos. Platão já dizia que "o amor é como uma
escola de graduação que começa com a beleza do corpo e depois passa para as
ideias e para as pessoas que mostram uma inteligência privilegiada".
Texto e imagem reproduzidos do site: brasil.elpais.com
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