Arte: Rubén Montenegro
Publicado originalmente no site do jornal El País Brasil, em 6 de maio de 2019
Você é o que você se diz: a ciência do diálogo interno
A forma como você conversa consigo mesmo condiciona sua
capacidade de enfrentar as dificuldades.
E também determina a tomada de decisões
Por Pilar Jericó
Se você quiser variar a percepção que tem sobre você,
precisa alterar seu diálogo interior. A forma como você conversa consigo mesmo
condiciona sua capacidade de enfrentar as dificuldades e determina a tomada de
decisões. A autoafirmação, ou pensar coisas positivas sobre nós mesmos, é uma
ferramenta muito útil para reforçar a autoestima. Entretanto, não vale qualquer
comentário. Já ficou comprovado que frases como “aguento tudo” ou “sou uma
pessoa superagradável” não ajudam muito. Quem as expressa não está realmente
convencido disso, então essas expressões podem ter efeito contrário. A ciência
do diálogo interior nos dá pistas sobre as técnicas que tornam nossas
autoafirmações eficazes: devemos imaginar futuras situações agradáveis e nos
tratar na segunda pessoa. Vejamos em mais detalhe.
Um estudo sobre imagens cerebrais demonstrou o impacto das
autoafirmações. Os pesquisadores solicitaram a 67 participantes, sendo 41
mulheres, que enumerassem diferentes situações da vida em função do valor que
lhe atribuíam. Depois pediram a alguns deles que recordassem algum momento
positivo dessas situações às quais tinham atribuído mais valor. Através das
imagens cerebrais, os pesquisadores descobriram que quando alguém pensa em uma
situação agradável, de algo que realmente lhe importa, ativam-se em seu cérebro
as áreas relacionadas à recompensa (o corpo estriado ventral e o córtex
pré-frontal medial ventral).
A resposta foi diferente entre aqueles que imaginavam
aspectos aos quais não dão tanto valor. O mais revelador da pesquisa ocorreu
quando se solicitou aos voluntários que pensassem em situações futuras. Nesses
casos, ativaram-se as áreas associadas ao pensamento sobre o eu (o córtex
pré-frontal medial e cingulado posterior). Os cientistas chegaram à conclusão
de que pensar em nós mesmos em situações agradáveis futuras, abordando aspectos
que nos importam, nos fornece uma energia extraordinária para tomar decisões.
Ou seja, se estamos atravessando um mau momento e nos emitimos uma
autoafirmação como "quando tudo isso passar, vamos nos divertir com os
amigos", ganharemos forças.
Outra pesquisa curiosa, dirigida por Ethan Kross, da
Universidade de Michigan (EUA), centrou-se na forma como nos falamos. Um dia
Kross ia dirigindo e um sinal ficou vermelho à sua frente. Ao invés de parar,
ele seguiu, e disse a si mesmo: “Ethan, você é um idiota”. Como bom psicólogo,
percebeu que havia se tratado na segunda pessoa. Não pensou: “Sou um idiota”,
como poderia se referir em outras ocasiões. Aquilo o motivou a analisar qual
era o impacto dessa mudança. Para descobrir, fez um experimento: pediu a um
grupo de voluntários que preparassem um discurso complexo em apenas cinco
minutos. Enquanto o escreviam, uma parte do grupo foi informada que esse
diálogo interno tinha que ser em primeira pessoa. Outros foram orientados
durante a preparação a se dirigirem a si mesmos na segunda pessoa, e inclusive
que se chamassem por seus nomes. Depois, analisou suas reações e a forma como
enfrentaram o problema.
Os integrantes do primeiro grupo, aqueles que se dirigiam a
si mesmos com o eu, reconheceram se sentir frustrados. Durante a preparação do
discurso, repetiam a si mesmos: “Como vou conseguir aprender isto em cinco
minutos?”; “como vou ser capaz de memorizar tudo sem anotações?”. Os
voluntários do segundo grupo, entretanto, tinham mais probabilidades de se dar
apoio e até conselhos. Eles diziam a si mesmos: “Vai, João, você pode se
esforçar para fazer um bom trabalho!”; “Maria, você já superou desafios mais
difíceis!”. Deste modo, Kross comprovou que, quando tratamos a nós mesmos na
segunda pessoa perante situações complicadas, tomamos uma maior distância das
emoções e somos mais racionais. De algum modo, e graças a esta fórmula,
melhoramos a capacidade de nos vermos de fora e aprendemos a não nos afogarmos
em um copo d’água diante dos problemas.
Texto e imagem reproduzidos do site: brasil.elpais.com
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