Imagem - QUINTATINTA
Publicado originalmente no site do jornal El País Brasil, em
25 de maio de 2019
Por que você curtiu: como funciona o mecanismo para capturar
sua atenção
Somos mais propensos a prestar atenção a fotos com rostos
humanos e conteúdo que desperta emoções intensas. É assim que funcionam os
mecanismos de nossas reações ‘online’
Por Raquel Seco
Uma reação online é um coração, um polegar para cima ou um
comentário. Pode significar "oi", "gosto disto" ou
"gosto de você", ou "você está certo" ou "te mando um
abraço". Também "mais gente deveria ver isto", porque estamos
dando uma espécie de cutucada cúmplice no algoritmo que prioriza conteúdos de
acordo com a nossa resposta: "Ei, tome nota, este tipo de coisa me
interessa".
A obsessão com as métricas da Internet, com o número de
seguidores que dizem curti, nos conduz a um comportamento compulsivo,
competitivo e ansioso, e nos empurra a criar mais e mais conteúdo buscando uma
ideia opaca de sucesso social. Para combater esse desejo louco de curtidas, o
artista Benjamin Grosser oferece um software que oculta todas as cifras nas
redes sociais, com a intenção de conter "os danos à saúde mental, à
privacidade e à democracia", que, segundo ele, o Facebook, o Twitter e o
Instagram provocam.
Assim, "25 pessoas curtiram isto" se converte em
" people like this " (pessoas gostaram disto, mas não sabemos
quantas). O trabalho artístico de Grosser, surgido em 2012, acabou se tornando
visionário. Há um mês o Instagram anunciou que está experimentando ocultar o
número de reações às fotos "para que os seguidores se concentrem no que é
compartilhado”.
Para quem não usa redes sociais, isto pode parecer um fato
irrelevante, mas para milhões de pessoas será uma revolução na forma como
consomem conteúdo na Internet, em que as curtidas, como também os comentários e
a quantidade de vezes em que a mensagem é compartilhada, são uma linguagem em
si mesma.
Nossas curtidas não são inocentes. Têm intenção e
significado, estão ligadas à necessidade humana de obter uma identidade e
pertencer ao grupo. Ao interagir com um conteúdo, procuramos várias coisas. O
mais importante é o reconhecimento social. Isto é, "quero mostrar que sou
uma pessoa informada que acompanha a mídia internacional" ou "quero
que meus amigos e conhecidos saibam que sou feminista". Queremos construir
uma imagem pública que se encaixe nos nossos círculos e que nos proporcione uma
sensação de segurança e certa recompensa: mais seguidores; que alguém que
admiramos saiba de nossa existência; ou um reforço positivo na forma de
curtidas com a consequente descarga de dopamina.
Mas quão generosos nós nos mostramos quando se trata de dar
aplausos? Isso depende, e muito, da ferramenta que usamos, diz Gillian Brooks,
pesquisadora de marketing da Universidade Oxford. No celular, basta um simples
clique preguiçoso do sofá para presentear um curti. A idade e o sexo influem:
no Instagram os millennials economizam mais do que, por exemplo, mulheres de
meia-idade no Facebook, porque "eles estão mais preocupados com seu
capital social" (sua reputação digital) do que os demais grupos
demográficos, afirma Brooks.
Na Internet também interagimos com conteúdo porque queremos
ser úteis. Ao encontrar algo relevante, nos transformamos em "DJs da
informação", diz Matthew Lieberman, pesquisador em neurociência. Não
pensamos apenas no que queremos ouvir, mas temos em mente o público na pista.
Por isso, o que marcamos com um coração ou compartilhamos às vezes não
corresponde com o que consumimos. Isto explica que nem sempre os conteúdos com
mais interações coincidem com os mais lidos. Não lemos 59% dos links que
distribuímos no Twitter, de acordo com um estudo de 2016 da Microsoft Research,
Instituto Nacional de Pesquisas em Informática e Automação da França (INRIA) e
Universidade Colúmbia (EUA).
Nas redes funcionam as emoções, positivas ou negativas, mas
sempre intensas. Melhor euforia ou raiva do que calma
Emoção, emoção, emoção
Qualquer pessoa que tenha trabalhado em redes sociais
enfrentou o temido pedido (ou ordem, nos piores casos): "Isto tem que se
tornar viral". Convém explicar, primeiro, a natureza do viral. A
jornalista Delia Rodríguez o descreve em Memecracia (Editora Planeta, 2013,
Espanha): "Popular não é sinônimo de viral. O popular é como um envenenamento
da água da comunidade: todos são alcançados diretamente, em uma única etapa. O
viral é uma infecção que se espalha de um para outro e outro mais. Embora o
número final de doentes possa ser o mesmo, o processo é muito diferente. Um é a
televisão, o comício, o direto. O outro é o rumor, cadeias de e-mail, o
exponencial".
Explicar a um chefe que não podemos garantir a viralização,
que o sucesso ou o fracasso depende, entre muitos outros fatores, de algoritmos
que mudam (às vezes, sem aviso), em muitas ocasiões é inútil de tão complicado.
E ainda por cima dá a impressão de que você não sabe como fazer o seu trabalho.
Mas há uma pergunta-chave que quase todo mundo entende, e que pode repercutir
em como funciona uma história – se cumpre requisitos como canal, público e momento
apropriado ..., e se os ventos do imprevisível algoritmo sopram favoráveis: que
emoção o que você oferece provoca? Uma jornalista de um órgão de mídia digital
conta como se pedia ao redatores que pensassem especificamente sobre o
sentimento que cada publicação transmitia, antes de lançá-la: esperança,
surpresa, raiva ... O ponto-chave não é que a emoção seja positiva ou negativa,
mas intensa. Melhor euforia ou raiva do que calma. Entra em jogo, claro, a rede
social, porque o Twitter e o Facebook tendem a ser campos férteis para a
indignação, enquanto o Instagram recebe especialmente bem mensagens
inspiradoras ou esperançosas.
Há anos a publicidade está atenta à importância vital da
emoção. Em um mercado interconectado, com muitos produtos similares, é preciso
atrair um consumidor saturado. Tom Meyvis, professor da escola de negócios da
Universidade de Nova York, lembra que antes os banners (anúncios na web)
atraíam com movimento e reprodução automática, mas hoje não funcionam.
Desenvolvemos “cegueira de banners”.
Escultura com um símbolo de 'like' em Milão, em março.
EMANUELE CREMASCHI GETTY IMAGES
É nesse contexto de supersaturação e cegueira que a emoção
funciona. A propaganda já não nos diz que um detergente deixa mais limpo, mas
nos remete à nostalgia pelo cheiro da infância. E as tendências na Internet,
antes direcionadas ao aspiracional e inatingível, retornam ao conteúdo
aparentemente caseiro, à vulnerabilidade e a uma comunicação próxima. Quem dita
tendência –os influencers– é a resposta para a saturação e a perda de interesse
nas marcas, diz Gillian Brooks, de Oxford. Interagir com pessoas parece mais
íntimo e confiável do que fazer isso com uma empresa. Constrói-se uma relação
emocional com elas, embora façam, precisamente, publicidade para uma empresa.
Vigiando nosso cérebro
O neuromarketing ou "neurociência do consumidor" é
uma das técnicas que tentam desvendar os mecanismos pelos quais prestamos
atenção. A multiplicação da oferta online implica uma sobrecarga de informação
para nossos cérebros, cuja capacidade de atenção é limitada, de modo que essas
disciplinas apontam diretamente para a mente, evitando respostas subjetivas e
imprecisas. Usam técnicas como o eyetracking (acompanhamento do movimento dos
olhos na tela); a medição da resposta galvânica da pele (GSR), que detecta o
suor nas mãos para medir a resposta emocional; a eletroencefalografia (EEG),
que mede a atividade cerebral e o nível de atenção; ou o reconhecimento facial
de emoções.
O neuromarketing confirma, entre outras coisas, que na
Internet agimos rapidamente. Nosso olhar se move a toda velocidade do canto
superior esquerdo da tela para baixo e à direita, exatamente como quando lemos
–embora isto varie em culturas que escrevem da direita para a esquerda–, e faz
isso mais rápido do que no papel. Até mesmo os leitores vorazes de livros leem
superficialmente na tela, fixando-se nas manchetes e destaques, diz Ingrit
Moya, coordenadora do mestrado em Neuromarketing da Universidade Complutense de
Madri. Quão rápido reagimos? Podemos clicar em um anúncio em 0,1 segundo, de
acordo com um informativo no Journal of Marketing Research (2012), dependendo
do tempo que levamos para identificar a utilidade do produto e também do que
estamos fazendo (não é o mesmo estar comprando roupas do que lendo notícias).
Há outras técnicas para captar nosso olhar no mostruário
infinito da Internet. Estamos condicionados a prestar atenção em rostos
humanos, especialmente quando nos olham diretamente (estudos de eyetracking
detectaram que os olhos e as bocas, acima de tudo, atraem nosso olhar). Uma
pesquisa de 2014 do Instituto de Tecnologia da Geórgia (EUA) concluiu que as
imagens do Instagram com rostos recebem, em média, 38% a mais de curtidas. Você
pode fazer o teste: qual o êxito de sua foto artística de uma paisagem e o da
sua última selfie? Depende também do quanto você é bonito. Estudos do início
dos anos 2000 concluíram que a maioria de nós se interessa mais por fotos do
sexo oposto, especialmente se forem atraentes para nós.
Somos atraídos por outros elementos por razões evolutivas,
diz Tom Meyvis, da NYU, como as cores –associamos vermelho a emergências– e o
que se movimenta –o vídeo ganha cada vez mais importante. Com o senso de
urgência ao qual reagimos instintivamente opera uma das ferramentas mais
poderosas: as notificações, com frequência em forma de ponto vermelho.
"São baratas, e é difícil desativá-las em muitos aplicativos", diz,
por telefone, Anastasia Dedyukhina, fundadora da empresa que educa em
minimalismo digital Consciously Digital e autora do livro Homo Distractus.
"Você não sabe o que eles contêm e sempre quer que sejam úteis ou
interessantes."
Mas pode haver um limite para essa enxurrada de estímulos.
Nossos cérebros estão se adaptando ao uso constante do celular e às descargas
de dopamina que sentimos com um curti ou com a resposta a uma mensagem, observa
Dedyukhina. Ela decidiu cortar em prol da saúde, trocando seu celular por um
básico, apenas para ligações. Os que pensam em se afastar das telas, em meio a
essa batalha pela atenção e o tempo, hoje são uma legião. Um dos especialistas
mais reconhecidos em atenção na Internet, Nir Eyal, publicou em 2014 o livro
Hooked: How to Build Habit-Forming Products (Fisgado: como construir produtos e
serviços que formam hábitos). Seu novo trabalho, editado este ano, é
Indistractable: How to Control Your Attention and Choose Your Life
(“Indistraível”: como controlar sua atenção e escolher sua vida). Fiquem
atentos à mudança.
Texto e imagens reproduzidos do site: brasil.elpais.com
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