Glauber William Souza está desempregado e já não consegue
pagar a fatura do cartão de crédito.
Publicado originalmente no site El País Brasil, em 6 de maio de 2019
O casal que se afundou em dívidas para tentar aumentar a
renda com a Uber
Número de famílias com dívidas cresce no país e chega ao
maior patamar desde 2015.
Cifra trava retomada do consumo, mais um indicador que
derruba expectativas de melhora na economia
Por Heloísa Mendonça
Desempregado desde o início do ano, Glauber William Souza
tem pressa para achar um novo posto de trabalho. Só no mês de abril calcula ter
entregado, ou enviado por email, mais de cem currículos. "A crise no
Brasil está feia, já não dá para escolher. Sinceramente, a vaga que aparecer,
eu preciso aceitar. Meu último emprego foi como coordenador de uma
hamburgueria", diz Souza após enfrentar uma longa fila em busca de uma
oportunidade em uma rede de supermercado, que anunciou a abertura de 160 vagas,
na zona sul de São Paulo, e reuniu milhares de pessoas. Enquanto continua na
fila do desemprego —que atinge atualmente 13 milhões de brasileiros em um
cenário de economia estagnada— , Souza aceita alguns bicos para conseguir pagar
pelo menos as contas de luz e água e, também, a alimentação da família.
As dívidas do desempregado, no entanto, não param de
crescer. "Pago o extremamente necessário. As outras contas estão atrasadas
e já não pago nem o mínimo da fatura do cartão de crédito", diz. Para
tentar quitar parte das pendências, ele pediu um empréstimo pessoal, mas acabou
criando uma bola de neve de dívidas, que aumentou ainda mais após a mulher
também ser demitida do local em que trabalhava. Além de perder o controle dos
gastos com os quatros filhos e das contas da família, Souza diz estar "com
o nome sujo na praça" por ter entrado na lista dos maus pagadores. "A
questão é que isso também dificulta para eu conseguir um emprego", explica.
Souza faz parte de um grupo crescente de brasileiros que
estão inadimplentes. Segundo dados da Confederação Nacional do Comércio de
Bens, Serviços e Turismo (CNC), 62,4% das famílias tinham dívidas, em atraso ou
não, em março, ante os 61,5% em fevereiro. Esse é o terceiro mês consecutivo de
alta do indicador e o maior patamar desde setembro de 2015, quando o percentual
de famílias brasileiras com dívidas chegou chegou a 63,5%. Os números não são
apenas desanimadores para quem sofre diretamente com eles. A cifra de
endividamento é indicador que mostra quanto dinheiro as famílias tem para
gastar. Se é alta, quer dizer que sobra menos para o consumo, um dos fatores
mais importantes para ajudar na retomada da economia como um todo. O dado se junta
a outro também preocupante: a produção industrial em março caiu 1,3%, em
relação a fevereiro, segundo o IBGE divulgou na sexta-feira. Se a comparação
for em relação ao mesmo mês do ano anterior, o tombo é de 6,1%.
Cartão de crédito é apontado como vilão
Levando em conta apenas as famílias inadimplentes, isto é,
as que deixaram de pagar contas, o índice ficou em 23,4% em março deste ano,
acima dos 23,1% do mês anterior. O percentual de famílias que declararam não
ter condições de pagar suas contas ou dívidas em atraso, como no caso de Souza,
aumentou de 9,2% em fevereiro para 9,4% em março deste ano. Segundo o
levantamento, o cartão de crédito foi apontado como o principal motivo das
dívidas por 78% das famílias, seguido por carnês (14,4%), e, em terceiro, por
financiamento de carro (10%).
Ana Paula da Silva,
de 40 anos, já acumula 4.000 reais
de dívida no cartão de crédito.
No caso da cuidadora Ana Paula Santos da Silva, de 40 anos,
foi justamente o financiamento de um automóvel novo, em 48 parcelas, para que o
marido se tornasse motorista de Uber, que fez com que os dois se afundassem na
areia movediça das dívidas. Depois de Silva perder um emprego sem carteira
assinada em janeiro, o casal não conseguiu mais pagar as prestações do
financiamento. As dívidas do cartão de crédito também já chegam a quatro mil
reais. Por enquanto, o dinheiro que o marido ganha como motorista é o que
sustenta os gastos básicos da casa alugada em que vivem com o filho de 16 anos
no Capão Redondo, na zona sul da capital paulista. "Recebo mensagem do
banco querendo quitar a dívida quase todo dia, mas prefiro não pagar nada por
agora e renegociar tudo quando voltar a ter um emprego, uma fonte de renda. A
questão é que a minha idade já não ajuda, quando se tem 40 anos as
oportunidades são menores", diz a desempregada.
Os números divulgados pelo Banco Central, no fim do mês de
abril, revelam como está cada vez mais caro pegar dinheiro emprestado e,
consequentemente, quitar a dívida. Os juros no rotativo dos cartões de crédito,
que é quando o cliente não paga o total da fatura, subiu 4 pontos porcentuais
de fevereiro para março. Com isso, a taxa passou de 295,5% para 299,5% ao ano.
Já a taxa de juros da modalidade rotativo não regular —quando o pagamento
mínimo não é realizado— passou de 310,9% para 312,4% ao ano. No caso do
parcelado, ainda dentro da modalidade do cartão de crédito, o juro passou de
170,5% para 178,4% ao ano. Desde 2017, começou a valer uma regra que obriga os
bancos a transferir, após um mês, a dívida do rotativo do cartão de crédito
para o parcelado, mas nem isso foi suficiente para tirar as taxas dos rankings
das maiores taxas de juros do mundo.
Com os juros nas alturas, não são poucos os brasileiros que
deixam as dívidas rolarem. Desempregada, Valdirene Pereira dos Santos, de 39
anos, não sabe quando conseguirá quitar as dívidas de diferentes cartões de
crédito que adquiriu em três lojas de roupa. "Todo dia chega uma cartinha
de alguma loja, mas, no momento, não penso em pagar. O salário do meu marido é
que sustenta a minha casa, mas não posso pedir dinheiro emprestado, tenho que
correr atrás. É triste, mas essas minhas dívidas viraram uma bolinha de
neve", lamenta.
Texto e imagens reproduzidos do site: brasil.elpais.com
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