Henri Cartier Bresson, mestre da fotografia centrada na atenção,
contempla um quadro de Goya em 1993.
Publicado originalmente no site do jornal El País Brasil, em 25 de junho de 2017
Smartphone, uma arma de distração em massa
Capacidade de concentração fica prejudicada com tantos
aplicativos que cobram atenção
É difícil manter o foco. O celular cria vício. Domesticá-lo
não é simples
Por Joseba Elola
Levamos a vida com uma arma de distração em massa no bolso.
Com um dispositivo maravilhoso que põe o mundo ao alcance das nossas mãos, sim,
com um aparelho que é a porta do conhecimento, ou pelo menos da informação.
Mas, nesse objeto que transformou nossa forma de viver abrigam-se, agachados,
uma série de aplicativos que cobram nossa atenção com homologáveis graus de
urgência. E se eu perder algo? O medo de perder alguma coisa –em inglês, fomo
(fear of missing out)– receio, às vezes angústia, que se multiplica nesses
novos tempos.
Bem-vindos à era das mentes dispersas, dos cérebros que têm
dificuldades em se concentrar no foco, das microconversas e da microatenção, de
pessoas que em alguns momentos têm a sensação de operar como uma barata tonta
no ecossistema digital (quando não, também, na vida real).
Inciso: Dispersar, segundo a Real Acadêmia Espanhola:
dividir o esforço, a atenção ou a atividade, aplicando-os desordenadamente em
múltiplas direções.
É isso.
Estudo aponta que quando estamos trabalhando em frente a um
computador mudamos de tela, de foco de atenção, a cada 47 segundos
Domesticar essa arma de distração em massa que cobra nossa
atenção tocando, apitando, vibrando, piscando não é tarefa fácil. De um lado,
estamos nós, dotados de um cérebro que é um autêntico devorador de informação,
um órgão que busca constantemente novidades, estímulos, com nossa necessidade
de nos sentirmos conectados. Do outro, as telas, cheias de aplicativos
desenhados com todo tipo de truques para captar nossa atenção.
Foi por volta do ano de 2004 quando a professora Gloria
Mark, titular do Departamento de Informática da Universidade da Califórnia
Irvine, comparou nossa tendência a checar de modo compulsivo o e-mail e as
redes sociais com nosso comportamento ante uma máquina caça-níqueis. Olhamos o
celular porque buscamos uma gratificação. E a mera expectativa de poder obtê-la
é suficiente para fazer com que voltemos o tempo todo em busca dela –
recorremos ao telefone entre 80 e 110 vezes por dia, segundo estudos separados.
Esse comportamento se mantém graças ao chamado reforço aleatório (Randomly Reinforced
Behaviour).
Essas pílulas de informação que consumimos através do
celular geram descargas de dopamina como as que o cérebro de um fumante recebe
no momento em que ele acende um cigarro. Por isso voltamos com obstinação em
busca de novos caramelos digitais.
“Nos centramos demais na gestão do nosso tempo e pouco na
gestão da nossa atenção”, diz a especialista Linda Stone
As pesquisas realizadas por Mark, doutora em Psicologia pela
Universidade de Columbia, especializada desde 2003 em estudar como as tecnologias
da informação afetam a multitarefa, a atenção, o humor e o estresse, são
reveladoras. Seu método consiste em estudar minuciosamente o comportamento de
pequenos grupos escolhidos de pessoas para inferir nosso modus operandi.
Utiliza ferramentas de precisão: sensores, contadores que medem as interações
frente à tela, biossensores que medem, por exemplo, dados do ritmo cardíaco.
Com seu estudo Os neuróticos não podem se concentrar: Um
estudo in situ sobre a multitarefa online no trabalho (2016), que assina ao
lado de especialistas da Microsoft e do prestigiado Media Lab do Massachusetts
Institute of Technology, observou que quando trabalhamos em frente ao
computador mudamos de tela (ou seja, o foco de atenção) a cada 47 segundos. Foi
a medida que obteve do acompanhamento a que submeteu 40 trabalhadores de
grandes empresas norte-americanas. Os resultados mostraram que as pessoas muito
inclinadas à multitarefa, os denominados heavy multitaskers, se demonstravam
mais propensos à distração. Descobriu que quanto mais neurótica e compulsiva é
uma pessoa (e quanto pior tenha dormido), menor é sua capacidade de se
concentrar.
CÉREBROS CENTRADOS
Mentes errantes, mentes infelizes. Dizia um artigo
científico da revista Science, publicado em novembro de 2010 (A wandering mind
is an unhappy mind, Uma mente errante é uma mente infeliz), de Matthew A.
Killingworth e David T. Gilbert. Conclusão a que se chegou após inserir um app
nos celulares de 5.000 pessoas de 83 países diferentes para que respondessem
perguntas sobre seus pensamentos, sentimentos e sensações em tempo real. Somos
mais felizes se concentramos a atenção.
Há solução para a dispersão. Essa dificuldade de concentrar
a atenção qualificada como monkey mind é reversível. O cérebro é um órgão que
se adapta constantemente, que pode ser reeducado. A capacidade de se concentrar
é algo que se recupera com treinamento. Existem executivos que recorrem a
técnicas de desconexão digital e pagam coaches para que se encarreguem de
redirecionar seus processos de atenção.
Estratégias de defesa. Colocar o celular no modo silencioso.
Desativar as notificações que aparecem na tela para que os alertas não
interrompam o tempo todo a tarefa que estamos fazendo. Não dormir junto com o
telefone para não deitar e levantar com ele. Desligá-lo um pouco durante o fim
de semana e também nas férias. São apenas algumas das medidas propostas pelos
neuropsicólogos e estudiosos da atenção consultados para esta reportagem, e que
eles mesmos usam para não prejudicar sua capacidade de concentração.
Em outro estudo Concentrados, despertos, mas tão distraídos:
uma perspectiva temporal da multitarefa e das comunicações, realizado em 2015
mediante o acompanhamento detalhado de 32 trabalhadores, revelou que
consultavam o e-mail 74 vezes por dia (em média) e entravam no Facebook uma
média de 21 vezes (com um máximo de 264 visitas diárias).
"A multitarefa sempre existiu", diz Mark em
conversa por telefone a partir da Costa Oeste norte-americana. "Mas a
capacidade de atenção das pessoas diminuiu. Na minha opinião, é algo que não é
positivo. Sabemos que mudar o foco de atenção aumenta o estresse, e que pode
ter um impacto em aspectos como a inovação e a produtividade".
O ser-humano está desenhado para mudar sua atenção com
facilidade. É algo que garante sua sobrevivência desde os primeiros dias da
espécie. Houve um tempo em que os estímulos partiam da natureza, e tendiam a
ser lentos. A folha que caía da árvore. O voo da mosca. Na era moderna, tudo
começou a acontecer mais depressa. Na digital, tudo se acelerou.
Mas a atenção, que funciona graças à interação entre o
lóbulo frontal, o parietal e o cérebro emocional, é algo dificilmente
divisível. Quando parece que estamos fazendo duas coisas ao mesmo tempo é
porque uma das tarefas pode ser automatizada (como, por exemplo, caminhar).
Fazer duas coisas que impliquem um esforço cognitivo (como falar e escrever uma
mensagem de texto) ao mesmo tempo não é possível. Na realidade, o que fazemos é
mudar rapidamente o foco de uma tarefa para a outra. Assim explica o
neuropsicólogo Marcos Ríos Lago, cuja pesquisa se concentra na área da atenção,
das funções executivas e da velocidade de processamento.
Linda Stone, una executiva da Apple e da Microsoft,
integrante do conselho do MIT Media Lab, desenvolveu no final do século passado
um conceito de atenção parcial contínua. Para ela, a multitarefa consiste em
fazer várias coisas ao mesmo tempo porque exigem pouca capacidade cognitiva
(ordenar papeis e falar no telefone enquanto comemos um sanduíche). Atenção
parcial contínua (APC), no entanto, é prestar atenção a várias fontes de
informação de maneira superficial.
Stone afirma que essa conexão permanente para não perdermos
nada, esse estar permanentemente conectado e em alerta, acaba cobrando a conta
quando se transforma em um modo de vida. Gera estresse e compromete a
capacidade de tomar decisões, de ser criativo.
A proliferação de dispositivos eletrônicos parece ter
multiplicado nossa capacidade de lidar com distintos fluxos de informação em
paralelo, algo para o qual parecem particularmente dotados os chamados
millennials, que mamaram desde o berço do novo paradigma tecnológico. É a
hiperatenção. Assim batizou Katherine Hayles em 2007. Com esse termo, a
professora de literatura da Universidade de Duke, autora de Hiperatenção e
Atenção Profunda: A Divisão Geracional nos Modos Cognitivos, denominava uma
nova maneira de absorver o conhecimento que, afirma, obriga uma reavaliação dos
métodos educativos.
Hayles se preocupa com o fato de alguns colégios
norte-americanos estarem introduzindo iPads nas classes de primeiro ano do
ensino fundamental, com crianças que têm apenas seis anos. "Os cérebros
são muito maleáveis e isso pode afetar suas neuroestruturas", afirma em
conversa por telefone a partir de Los Angeles, na Califórnia. "Acho que o
melhor é ser conservador nessas questões até que tenhamos um maior conhecimento
das implicações da introdução desses sistemas, e limitar o tempo que as
crianças passam na frente das telas".
O novo cenário tecnológico está nos levando ao que o
neuropsicólogo Álvaro Bilbao denomina de estilo de atenção monkey mind —o termo
procede do budismo—, uma mente que pula de uma coisa para a outra, que vai e
volta, que faz com que cada vez mais nos interrompamos uns aos outros pela
incapacidade de manter a atenção no que o outro está nos dizendo.
"Tendemos a perder a capacidade de atenção sustentada,
de concentração", diz Bilbao, autor de Cuide do Seu Cérebro. E a atenção
sustentada, a profunda, é a que dá origem a ideias inovadoras, à criatividade,
como afirma Ríos Lagos. Hayles incide nessa linha de argumento: "Todas as
conquistas intelectuais do século XX requereram uma atenção profunda".
O debate em torno do impacto das novas ferramentas
tecnológicas no nosso cérebro e na produtividade, não obstante, está aberto. Há
especialistas, como Enrique Dans, professor de Inovação na IE Business School e
autor de Tudo Vai Mudar, que nos lembram que essa hiperatenção é algo que nos
torna mais eficientes. Ele nunca tem menos de 10 janelas abertas em seu
computador, explica. E se considera bastante produtivo. "É uma capacidade
que se desenvolve e que se treina", afirma. Para ele, nessa história há
"ganhadores e perdedores", pessoas que se adaptam às interrupções,
que se distraem mas voltam de maneira rápida ao que estavam fazendo, e pessoas
que não.
Dans afirma que as notas não baixaram de nível nas engenharias,
que o nível de compreensão de leitura melhorou e que os jovens que crescem com
os novos dispositivos processam uma quantidade maior de informação e são mais
eficientes.
Essa é a mesma longitude onde se posiciona Anna Cox,
psicóloga e estudiosa da interação entre humanos e computadores que realiza
estudos sobre interrupções e multitarefas. Afirma que as pessoas têm aprendido
a distinguir rapidamente qual e-mail precisam responder de modo urgente e qual
pode esperar. Essa professora da Universidade College of London Interactive
Center (UCLIC) afirma que as distrações nem sempre são ruins.
Às vezes nós mesmos nos interrompemos porque a tarefa se
tornou muito complicada e já não estamos sendo produtivos. Então passamos a
algo mais fácil, que nos garanta uma recompensa mais rápida (como checar as
redes sociais). Ao retornar à tarefa principal, em certas ocasiões, afirma Cox,
temos mais claro o que procurávamos ou queríamos fazer. "O
importante", afirma em conversa por telefone de Londres, "é que a
pessoa tome o controle da tecnologia e que não se converta em escrava
dela".
Não cair nas armadilhas que alguns aplicativos nos colocam
pelo caminho não é tarefa fácil. As grandes corporações tecnológicas, seus
desenvolvedores e programadores, sabem como mexer as peças para dirigir ou
cobrar a nossa atenção. "É claro que usam todos os tipos de truques",
diz Gloria Mark. "São usados desde que existe a publicidade e agora se faz
o mesmo na internet". O neuropsicólogo Ríos Lago aprofunda a questão:
"Conseguiram que cada interação exija pouco esforço e seja um
reforço". Por isso as curtidas do Facebook, por exemplo.
Proteger e cultivar a atenção dos seres humanos, preservar o
direito das pessoas a se concentrar, é um dos desafios que agora estão sobre a
mesa. O Manifesto Onlife, encarregado a um painel de especialistas pela
Comissão Europeia, cobra que a atenção não seja considerada como uma
mercadoria.
"Acho que no futuro aqueles de nós que saibam cultivar
ferramentas para se concentrar desfrutarão de uma maior qualidade de
vida", afirma em conversa por telefone de Boston a especialista Linda
Stone. "Bill Gates, Jeff Bezos e muitos outros líderes da era digital
falam que é importante cultivar a capacidade de usar bem a atenção. Nos
centramos demais na gestão do nosso tempo e muito pouco na gestão da nossa
atenção".
Em um mundo cada vez mais regido pelas lógicas da chamada
"economia da atenção", onde a valorização de uma grande empresa do
novo ecossistema tecnológico está ligada à sua capacidade de atrair olhos e
interações, necessitamos de uma tecnologia que esteja a serviço do ser humano,
que nos permita escolher, que faça com que nossa vida seja melhor, que nos faça
mais livres, e não uma que sequestre nossa atenção e que se guie pela lógica
dos negócios.
Está em nossas mãos cobrar. Atentos.
Texto e imagem reproduzidos do site: brasil.elpais.com
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