Tabichi (centro), entre Hugh Jackman e o príncipe Mohammed
Ao Maktoum, em Dubai.
Dubai, 25 de março de 2019
O melhor professor de 2019 é franciscano e tem um clube de
ciência na parte mais remota do Quênia
Peter Tabichi investirá o milhão de dólares do Global
Teacher Prize na comunidade para a qual trabalha
Por Elisa Silió
À paisana, Peter Tabichi tem um porte tão atlético e
imponente que até faz pensar que ele ganhou o ouro nos 100 metros dos Jogos
Olímpicos. Mas ele é um monge franciscano que revolucionou o modo de ensinar
matemática e física em uma aldeia remota do Quênia. Tabichi, de 36 anos, é o
vencedor do Global Teacher Prize, o prêmio concedido anualmente desde 2014 pela
Fundação Varkey, de Dubai, um total de um milhão de dólares (3,9 milhões de
reais) que tem de ser usado para fins educacionais. “Quero dar o prêmio para a
comunidade", disse Tabichi com um sorriso que não abandonou nos três dias
do Fórum Mundial de Habilidades & Educação, que este jornal cobriu a
convite da fundação, proprietária de 55 escolas no Oriente Médio.
Peter, que doa aos pobres quase todo seu salário, ensina na
Escola Secundária Keriko, um colégio em Pwani, uma aldeia tão miserável do vale
do Rift que 95% de seus alunos são pobres, um terço não tem pai ou mãe e os
problemas com drogas, gravidez na adolescência e suicídios estão na ordem do
dia. Por isso surpreende tanto que seus alunos, com idades entre 11 a 16 anos –
alguns caminham sete quilômetros por dia para ir à escola – tenham vencido a
competição nacional de Ciência e que a equipe de Matemática esteja classificada
para um torneio científico e de engenharia no Arizona (Estados Unidos). É
reconhecido assim o mérito de uma escola sem recursos, com uma proporção de 58
alunos por turma, um único computador e uma conexão precária à Internet.
O religioso começou a ensinar em uma instituição privada,
mas logo se conscientizou de que fazia mais falta em uma comunidade menor. A
chave para o seu sucesso acadêmico está no clube de ciências que ele criou, no
qual incentiva as crianças a experimentarem, apesar dos recursos limitados.
"As novas gerações não terão baixas expectativas. A África vai produzir
cientistas, engenheiros e empresários que serão famosos em todos os cantos do
mundo, e as mulheres terão um enorme protagonismo", prevê ele. Seus alunos
projetaram um método para que os cegos possam fazer medições, e aproveitaram
uma usina para gerar eletricidade.
Hugh Jackman entrega o prêmio a Peter Tabichi. JON GAMBRELL
AP
Nos fins de semana, Tabichi, que se movimenta de moto em
estradas não pavimentadas, ensina as famílias a cultivar suas terras
semidesérticas de maneira mais eficiente e ecológica. E procura semear
concórdia numa terra em que a tensão entre sete tribos terminou em um massacre
em 2007. Por essa razão, ele também criou um clube de paz no qual debatem e
fazem atividades juntos.
Tabichi, que ficou sem mãe aos 11 anos, só havia deixado o
país uma vez, para a vizinha Uganda, antes de aterrissar em Dubai, a capital da
ostentação e do luxo extremo. Uma grande aventura em avião – nunca havia tomado
um –, compartilhada com seu pai, que foi seu professor na escola e é sua
referência quando se coloca diante de um quadro-negro. Seus tios e primos
também são professores. Por isso, quando foi pronunciado o nome do vencedor, o
professor queniano queria que os holofotes da sala também focalizassem seu pai
e o agradeceu por lhe ter ensinado valores cristãos. "Este prêmio não é um
reconhecimento para mim, mas aos jovens desse grande continente. Só estou aqui
porque meus alunos conseguiram isso. Este prêmio lhes dá uma oportunidade, diz
ao mundo que eles podem ser o que quiserem", afirmou neste domingo, ao
recolher um vistoso troféu em um amarelo ouro que brilhava em contraste com
suas roupas escuras.
O professor, que nos dias prévios se vestiu com roupas
esporte, usou na cerimônia o hábito da Ordem de São Francisco de Assis,
amarrado na cintura com um cordão franciscano de três nós para representar a
pobreza, a castidade e a obediência. Uma veste espartana e insólita em uma
cerimônia galáctica apresentada pelo astro do cinema australiano Hugh Jackman,
presidida pelo primeiro-ministro dos Emirados Árabes Unidos, Mohammed bin
Rashid Al Maktoum, e com os nove candidatos dos cinco continentes vestidos com
trajes de gala. Não faltou no evento o presidente do Quênia, Uhuru Kenyatta,
que enviou um vídeo gravado: "Peter, você me dá esperança de que os
melhores dias da África estão próximos, sua história vai iluminar outras
gerações".
Este ano, 10.000 candidatos de 177 países se inscreveram
para o Global Teacher Prize. Depois de uma primeira seleção, ficaram 50
semifinalistas e, na final, restaram 10 com perfis muito diferentes, mas sempre
com um comprometimento muito grande com uma comunidade estudantil cercada de
problemas. Tabichi é o primeiro homem que vence, antes dele foram quatro
mulheres – elas são maioria no ensino –, e nas apostas entravamos nomes de dois
latino-americanos (a brasileira Débora Garofalo e o argentino Martin Salvetti)
porque o subcontinente ainda não foi premiado, apesar de ter muitos
semifinalistas.
Peter Tabichi com seu pai, Lawrence Tabichi. JON GAMBRELL AP
Texto e imagens reproduzidos do site: brasil.elpais.com
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