Günther Hasinger, novo diretor de ciência da Agência Espacial Europeia,
nas instalações da ESA em Villanueva de la Cañada (Madri) LUIS SEVILLANO
Publicado originalmente no site do jornal El País Brasil, em 13 de fevereiro de 2019
“Encontraremos sinais de formas de vida simples fora da
Terra nos próximos anos”
O novo responsável pela ciência na Agência Espacial Europeia
fala sobre as grandes metas da agência, a exploração de mundos habitáveis e o
estudo do universo com métodos inéditos
Por Daniel Mediavilla
A exploração espacial não é um trabalho para os impacientes.
Quando a sonda Rosetta conseguiu pousar no cometa 67P/Churiumov-Gerasimenko, em
2014, já se passara uma década desde o seu lançamento na Guiana Francesa e dez
anos mais desde a aprovação de sua construção. A essas duas décadas teríamos
que acrescentar o tempo de projeto da missão. Há alguns dias, Günter Hasinger
(Oberammergau, Alemanha, 1954), o novo diretor de ciência da Agência Espacial
Europeia (ESA), apresentava em Madri as próximas Rosetta, ou seja, a visão da
Europa para o futuro da exploração espacial. Em novembro, em Sevilha, será
realizada a reunião de ministros dos Estados membros da agência para decidirem
as metas para os próximos anos.
Entre as grandes missões já aprovadas se destaca a Juice,
cuja partida rumo a Júpiter está prevista para 2022 para estudar suas luas. Os
oceanos que parecem existir sob a superfície da Europa, Ganimedes e Calisto
estão entre os lugares onde poderia haver vida dentro do Sistema Solar. Mais
adiante, já em 2030, chegarão Athena e Lisa, um observatório espacial de
raios-X e outro de ondas gravitacionais que prometem ver como nunca antes as
fusões de buracos negros e estrelas de nêutrons e, nesse caminho, poderão
resolver dilemas da física com mais de um século de idade. Hasinger também
mencionou a possibilidade de se planejar uma missão até Urano e Netuno, dois
planetas que nunca receberam a atenção de uma missão espacial específica.
Pergunta. Acha provável encontrar algum tipo de vida
extraterrestre nas próximas décadas?
Há quem diga que a atmosfera dos cometas fede como um
estábulo de cavalos
Resposta. Em primeiro lugar, temos que deixar claro o que
consideramos vida. Temos de diferenciar entre as formas de vida simples, como
algas e bactérias que fizeram o nosso planeta ser habitável, terraformando a
Terra durante bilhões de anos e produzindo o oxigênio para que outras formas de
vida pudessem existir, e a vida inteligente. Algumas centenas de milhões de
anos depois da formação da Terra já existiam as primeiras formas de vida, mas o
surgimento de formas mais complexas requereu mais 3 bilhões de anos, por isso,
as primeiras seriam muito mais abundantes.
As luas de Júpiter são o primeiro grande objetivo científico
da ESA NASA
Por outro lado, na Terra encontramos vida em muitos lugares
inesperados, no gelo das geleiras ou sob o manto terrestre. Agora sabemos que a
biomassa total abaixo da superfície da Terra é maior que a biomassa acima de
nós. Existem bactérias e outros organismos que vivem da decomposição
radioativa, por isso têm ciclos de vida completamente diferentes dos que
estamos acostumados. E há outro fator: quando estudamos cometas, um grande
número de moléculas orgânicas foi encontrado. Há quem diga que a atmosfera dos
cometas fede como um estábulo de cavalos e para mim isso significa que os
tijolos básicos da vida, os pequenos elementos necessários para criar vida, já
existem em cometas e em outros lugares.
Acho que deve haver formas simples de vida lá fora, o
problema é como detectá-la. Por exemplo: acreditamos que havia vida em Marte
bilhões de anos atrás, que havia água líquida na superfície, mas hoje ela está
esterilizada pela radiação cósmica, portanto, todas as formas de vida que podem
ter existido na superfície desapareceram. Para encontrar a vida, você tem que
perfurar o solo. E algo semelhante acontece quando se olha, por exemplo, para
Encélado ou Europa, as luas geladas de Saturno e Júpiter. Acreditamos que
poderia haver vida sob uma camada de um quilômetro de gelo, em um oceano
líquido que é muito difícil de alcançar. A questão não é tanto se descobriremos
a vida, mas como será difícil descobri-la.
Acho que há vida inteligente lá fora, mas está tão longe que
não há possibilidade de nos comunicarmos com ela
Quando falamos de exoplanetas, a mera existência de oxigênio
em uma atmosfera já indica que algum tipo de terraformação ocorreu e que deve
haver bactérias que criam oxigênio porque o oxigênio não vem do espaço
exterior. Nos próximos dez ou vinte anos acho que encontraremos sinais de
formas de vida simples fora da Terra. A questão de saber se vamos encontrar
vida inteligente é completamente diferente. Eu acredito que há vida inteligente
lá fora, mas está tão longe que não há possibilidade de nos comunicarmos com
ela.
P. Que ações específicas essas missões podem realizar?
R. Acho que a primeira oportunidade que teremos é a missão
de recuperar amostras da Fobos [a lua de Marte] com a sonda MMX. Nos próximos
anos vamos trazer material do sistema marciano. Acho que a ExoMars 2020, quando
tivermos o rover, também será um começo. Outra possibilidade é analisar os
jatos de vapor de luas como Encélado e Europa, que surgem através das
rachaduras no gelo e os gêiseres onde a água poderia carregar algum tipo de
material orgânico, embora no momento não tenhamos instrumentos para fazer essas
análises.
Depois, há missões como a Ariel, que fazem espectroscopia
das atmosferas de exoplanetas e que poderiam encontrar biomarcadores. Eu
apostaria em que isso pode acontecer nos próximos dez ou vinte anos.
Especula-se que os buracos negros são na realidade parte da
matéria escura
P. Que grandes descobertas podemos esperar da missão Lisa e
do telescópio Athena?
R. Acho que Lisa e Atena abordam questões fascinantes sobre
a natureza dos buracos negros, da matéria escura e todo o universo escuro.
Agora, com o interesse despertado pelos observatórios de ondas gravitacionais
terrestres, há um interesse renovado em como os buracos negros se formam e o
que acontece quando eles se fundem. Isso também pode servir para se compreender
a matéria escura. Sabemos que existe, mas não temos ideia de que partículas a
formam. E também não entendemos de onde vêm os buracos negros, vemos os
quasares primitivos, no universo primitivo, onde já existem buracos negros, e
não sabemos de onde vêm. E há uma especulação que é emocionante, embora não
haja acordo sobre se é plausível: se os buracos negros são realmente parte da
matéria escura, se os buracos negros estão contribuindo ou até mesmo são
basicamente matéria escura.
Estas são questões que podem ser estudadas pela Lisa e o
Athena. Porque Lisa eAthena encontrarão bem cedo fusões de buracos negros no
universo e serão capazes de estimar quantos existem e se estão conectados à luz
e à matéria normal. Acho que as próximas duas décadas serão dominadas pelo
estudo dos planetas extrassolares, mas nos vinte seguintes voltará a ciência
gravitacional que nos ajudará a entender o que aconteceu na origem do universo.
P. O senhor está interessado em Oumuamua, o primeiro objeto
de fora do sistema solar que foi possível observar. Concorda com os
pesquisadores de Harvard que afirmam que é provavelmente um artefato construído
por seres inteligentes?
R. Acho que, se você ler o artigo que publicaram, eles não
afirmam realmente que se trata de algo artificial, mas que não se pode
descartar que seja um objeto artificial. Mas, então, a imprensa pegou essa
afirmação e disse que os astrofísicos de Harvard disseram isso. Do meu ponto de
vista, eles se referiam a uma ideia que foi discutida há algum tempo sobre a
possibilidade de viajar para outros planetas com uma vela solar. Algo
relacionado à iniciativa Breakthrough Starshot, na qual Stephen Hawking, antes
de morrer, também se envolveu. Consistia em enviar um artefato como um
smartphone com uma grande vela solar. Quando você lhe dá impulso com um feixe
de laser, pode acelerá-lo até uma fração da velocidade da luz e assim seria
possível chegar à estrela mais próxima em pouco tempo. Eu sou cético sobre essa
tecnologia, porque a vela tem que ser uma estrutura extremamente fina e muito
grande, com centenas de metros. Você tem que impulsioná-la com um raio laser e
a quantidade de energia necessária para acelerá-lo é tão grande que você
basicamente fritaria a vela em vez de acelerá-la.
O fator que determinará se somos capazes de povoar a galáxia
é a longevidade de nossa civilização
Mas suponha que exista uma civilização que tenha superado
esse problema da vela solar e ela não queime. Então, em princípio, seria
possível enviar uma sonda até outra estrela. Mas se fosse assim, Oumuamua
estaria se movendo muito devagar. Mas se move a cerca de 30 quilômetros por
segundo quando, com uma vela solar, estaria se movendo a cerca de 10.000
quilômetros por segundo.
Recriação de 'Oumuamua' ESO/M. KORNMESSER
Além disso, há explicações naturais bastante dignas de
crédito. Não vimos uma cauda de cometa, então deve ser um tipo especial de
cometa que não vimos no sistema solar. Isso pode ser explicado pelo fato de ter
viajado por milhões ou centenas de milhões de anos, e talvez tenha perdido a
maior parte de seu gás porque está passando por uma nova estrela a cada um
milhão de anos, aproximadamente. Existem explicações naturais para o fenômeno,
embora não as compreendamos completamente.
P. Mesmo se nos próximos anos encontrarmos sinais de vida em
um planeta extrassolar, no universo tudo está tão longe que nunca poderíamos
visitá-lo.
R. Se você pensa em uma escala humana, é impossível que ao
longo de uma vida se chegue a algum lugar. Mas se você tem uma civilização
inteligente capaz de construir robôs, e estes robôs vão a outro planeta, e
depois estes robôs podem construir uma fábrica para construir mais robôs, você
pode produzir um efeito bola de neve e em algumas centenas de milhões de anos
você poderia povoar com robôs todos os planetas da galáxia. Então, há quem
considere que, já que esses robôs não chegaram à Terra, podemos pensar que não
há nenhuma civilização na galáxia com essa capacidade, porque se houvesse já
estariam aqui. Mas, em princípio, seria possível se não se pensa em povoar a
galáxia em uma geração humana, mas durante a vida de uma civilização completa.
Portanto, o fator final é a longevidade de nossa civilização. Se matarmos nosso
planeta de agora a mil anos, não haverá possibilidade de se comunicar com
outras civilizações, particularmente se elas também não souberem cuidar de seus
planetas.
Texto e imagens reproduzidos do site: brasil.elpais.com
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