Ilustração de Luis Grañena
Publicado originalmente no site Brasil El País, em 12 de janeiro de 2019
Os tentáculos de Olavo de Carvalho sobre 57 milhões de
estudantes brasileiros
Três discípulos do filósofo ocupam cargos importantes no
Ministério da Educação de Bolsonaro.
Ideias do pensador da ultradireita devem influenciar
políticas da alfabetização às universidades
Por Beatriz Jucá
Considerado uma espécie de guru intelectual da direita
brasileira, o filósofo Olavo de Carvalho emplacou três discípulos em cargos
estratégicos do Ministério da Educação sob o presidente Jair Bolsonaro. Além do
próprio titular da pasta, Ricardo Vélez, os seguidores Carlos Nadalim e Murilo
Resende ocupam, respectivamente, a Secretaria Especial da Alfabetização e a
direção da Avaliação da Educação Básica do Inep (Instituto Nacional de Estudos
e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira). Tratados pelo mentor como
"olavistas" ou "olavetes", Vélez, Nadalim e Resende chegam
ao poder afinados com as ideias que aprenderam principalmente nos cursos online
oferecidos pelo filósofo direitista, e pelos quais já passaram cerca de 12.000
pessoas.
As ideias de Carvalho — centradas principalmente no fim da
"doutrinação ideológica marxista" que diz existir no ensino público
do país — devem influenciar as políticas dos próximos quatro anos nas duas
pontas da educação brasileira: da alfabetização ao ensino superior, cujo
impacto deve recair sobre os cerca de 48,6 milhões de estudantes matriculados
nas escolas da educação básica e sobre os pouco mais de 8,3 milhões de alunos
do ensino superior (segundo o último Censo Escolar, de 2017).
No centro do discurso de Olavo de Carvalho, estão críticas
ferrenhas a Paulo Freire (1921-1997), o educador e filósofo brasileiro mais
referenciado em universidades do mundo, nomeado patrono da educação brasileira
em 2012, laureado dezenas de vezes com o título doutor honoris causa fora do
Brasil. O pedagogo pernambucano, criticado pelo Governo Bolsonaro, defendia a
educação como um ato político, mantendo os alunos em contato constante com os
problemas contemporâneos no processo educacional. Ainda que não seja o único
teórico no qual se apoiam os professores brasileiros, Paulo Freire é um dos
principais alvos de crítica de Olavo e também dos seguidores que agora ocupam
secretarias complexas no Governo Federal.
Distante dos espaços acadêmicos, Carvalho se construiu como
um filósofo outsider. Não tem título universitário, mas é autor de 19 livros e
dissemina suas ideias por cursos online e pelas redes sociais, onde expõe
posições fortes e que costumam causar controvérsia entre educadores. Defende,
por exemplo, que o Governo perca o papel de educador. A Constituição brasileira
estabelece que municípios são responsáveis prioritários pela oferta pública de
educação infantil e pelo ensino fundamental. Já os Estados são responsáveis
pelo ensino médio. Para o filósofo, é preciso desregulamentar a educação e
resumir o papel do Governo ao de selecionador, pelo qual seria responsável
apenas por testes de aprovação baseados na avaliação de três aptidões básicas:
ler, escrever e fazer contas. Nesta perspectiva mais ampla, Olavo de Carvalho —
que fez o ensino básico em uma escola mantida pela Igreja Católica — defende um
sistema de fundações privadas que subsidiem essas escolas. "Por que tem
que ser tudo subsidiado pelo Governo central ou mesmo pelos governos
estaduais?", questionou em um vídeo publicado em agosto do ano passado,
intitulado Como salvar a educação no Brasil?.
Neste vídeo, Olavo de Carvalho chega a questionar a
necessidade de existência do Ministério da Educação e chama de
"mágica" uma proposta apresentada por Bolsonaro na campanha, de
ampliar as escolas militares, que segundo o presidente teriam melhor qualidade
no ensino que as escolas tradicionais. "Isso é uma bobagem. O erro
essencial é a ideia de que o Governo central tem que educar a nação. É uma
ideia comunofascista que Getúlio Vargas pôs na cabeça do brasileiro", diz.
As críticas feitas à proposta de Bolsonaro durante a
pré-campanha eleitoral não impediram que o presidente desse a ele um amplo
poder de influência nas políticas educacionais dos próximos quatro anos. Dos
Estados Unidos — onde vive desde 2005, o filósofo indicou três nomes para o
MEC, inclusive o chefe da pasta, Ricardo Vélez, que segundo ele, "a pessoa
que mais entende de pensamento político-social brasileiro" no mundo. No
discurso de posse, o ministro destacou sua relação com o olavismo e a
"inspiração liberal e conservadora" que deverá representar nas
políticas educativas.
Carlos Nadalim assume a recém criada Secretaria de
Alfabetização com a função de enfrentar o problema do analfabetismo em todos os
níveis de escolaridade —segundo dados do IBGE de 2017, o Brasil ainda possuía
quase 12 milhões de analfabetos. Nadalim já foi apresentado por Olavo de Carvalho
em vídeos como um dos poucos que de fato educam no Brasil. Coordenador de uma
escola em Londrina chamada Balão Mágico, implantou o método fônico de
alfabetização — baseado na relação entre as sílabas e os sons para só depois
ler frases completas — a pouco mais de uma centena de alunos e apresentou
resultados que lhe renderam o prêmio Darcy Ribeiro, da Câmara dos Deputados.
Mantém o blog Como educar seus filhos, onde oferece cursos online. Nele,
escreveu que seu projeto é "apenas uma nota de rodapé do imenso
trabalho" desenvolvido por Olavo de Carvalho. Agora no Governo, tem
defendido a ideia de banir métodos globais de ensinar a ler e escrever
(associados à teoria construtivista e a Paulo Freire) para promover o método fônico. Atualmente,
não há um único método de alfabetização nas escolas brasileiras, embora a
maioria delas utilize o método construtivista.
Na outra ponta do ensino, está o professor de economia
Murilo Resende, 36 anos, novo diretor do Inep. É ele o novo responsável pelo
Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) e pelo Exame Nacional do Ensino
Médio (Enem), a principal porta de entrada nas universidades federais
brasileiras. Assim como Nadalim, Resende atribui a Olavo de Carvalho seu
"amadurecimento intelectual" e oferece cursos online sobre economia e
filosofia política a partir da perspectiva conservadora. Ao ser anunciado ao
cargo, foi criticado pela falta de experiência na Educação. O próprio
presidente saiu em sua defesa, pelo Twitter. "Murilo Resende, o novo
coordenador do Enem, é doutor em economia pela FGV e seus estudos deixam claro
a priorização do ensino ignorando a atual promoção da 'lacração', ou seja,
enfoque na medição da formação acadêmica e não somente o quanto ele foi
doutrinado em salas de aula", afirmou. Depois que assumiu o cargo no
Governo, Resende desativou o site onde oferecia seus cursos.
Olavo de Carvalho diz que a esquerda exerce o controle do
ensino brasileiro, no qual imporia ideias marxistas, especialmente pela
predominância das ideias de Paulo Freire, que defende o poder de assimilação
maior do aluno pela relação os problemas sociais em vez de valorizar apenas a
técnica. Carvalho vai na contramão. Critica, por exemplo, os métodos de
alfabetização "introduzidos por essa mesma turma esquerdista nos anos 1970
e 1980, como o socioconstrutivismo, que cria deficiências estruturais de
leitura que não se curam nunca mais". Leva anos insistindo que 50% dos
formandos das nossas universidades são analfabetos funcionais. De acordo com o
Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf) da Ação Educativa, 4% dos que chegam
ao ensino superior são de fato considerados analfabetos funcionais, mas apenas
34% alcançam o nível proficiente.
Texto e imagem reproduzidos do site: brasil.elpais.com
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