VALDA NOGUEIRA/ESPECIAL PARA O HUFFPOST BRASIL
Publicado originalmente no site HuffPost Brasil, em 04/01/2019
Amanda Brito, a dona da ferramenta que constrói destinos
acessíveis
“As pessoas precisam ver que o outro também tem o direito de
estar ali e viver uma vida tão boa quanto qualquer um."
By RYOT Studio e CUBOCC
Amanda Brito é a 303ª entrevistada do "Todo Dia
Delas", um projeto editorial do HuffPost Brasil
Quando Amanda Brito nasceu em Feira de Santana (BA) os
médicos disseram que sua expectativa de vida era de dois meses de idade.
Portadora da doença Osteogenesis Imperfecta, conhecida popularmente como
"ossos de vidro", ela rompeu várias barreiras graças a tratamentos e
suporte familiar. Hoje, aos 31 anos, é uma referência para outras pessoas
portadoras da patologia ou que, de alguma forma, têm mobilidade reduzida. Dona
do blog "Destinos Acessíveis", Amanda também é administradora
concursada em uma empresa pública e ministra palestras sobre gestão de carreira
e desenvolvimento humano. Um exemplo e uma referência, alcunhas que ela não vê
problemas em carregar.
O concurso público nunca foi a via principal de estabilidade
profissional de Amanda. Ainda na faculdade, ela conta que passou por vários
processos seletivos em empresas privadas, mas que era reprovada em todos eles.
No currículo, o mesmo nível de inglês, e presença em cursos e seminários que
seus colegas, mas eles sempre eram aprovados -- diferente dela. No último
semestre da graduação, decidiu que teria que fazer concursos públicos caso
quisesse exercer a profissão que havia escolhido, e elegeu a Petrobras como
empresa que se dedicaria a ingressar -- objetivo que alcançou há dois anos.
Não é um problema ser referência, porque é uma forma de
fortalecer essas pessoas como eu.
Dos três aos 18 anos, Amanda e a mãe moraram em Catú, também
na Bahia, com os avós maternos dela. Naquela casa, ela relembra, era
superprotegida a todo o tempo. Alguns elementos dessa criação foram um pequeno
entrave quando, aos 18 anos, as duas tiveram de deixar a casa cheia e se
mudarem para a capital, Salvador, para que Amanda pudesse cursar a faculdade de
administração. "Era um nível de dependência máximo, eu não sabia fazer nem
meu café sozinha. Eu vivia rodeada de pessoas, e eu achava super legal. As
pessoas me carregavam para a escola, para o curso. De manhã, tarde e noite
tinha gente na rua. Quando fui para Salvador, tive que me acostumar a ficar sem
isso", relembra.
Filha caçula e única delas com deficiência, Amanda também
conta que sua mãe sempre foi "mega protetora", e que antes de se
mudar para o Rio, há dois anos, elas enfrentaram momentos difíceis, da mãe ter
de se acostumar com a filha morando sozinha, em um primeiro momento, e depois
morando sozinha em outro estado. Apesar de entender que a superproteção tem
aspectos negativos, Amanda reconhece que sua rede de apoio foi fundamental na
construção e fortalecimento da sua personalidade.
Fortaleci a minha auto-imagem como alguém que poderia, sim,
conquistar o que quisesse.
"Quando criança, eu não entendia que havia uma
diferença entre mim e outras pessoas, porque todos em volta de mim queriam
estar comigo, então quando alguém me olhava de forma diferente, eu achava que
estranha era a pessoa. Quando cheguei na adolescência, comecei a ver que era
realmente mais difícil, e que existia de fato alguma coisa que me separava
muito dos outros", relembra a administradora.
Com as questões que surgiram na adolescência, Amanda entrou
em depressão e fez durante um ano e meio acompanhamento psicológico, inclusive
com a ajuda de medicamentos, para lidar com toda essa situação. Mas hoje, ela
reconhece que vencer essa etapa foi fundamental, também: "Fortaleci a
minha auto-imagem como alguém que poderia, sim, conquistar o que
quisesse".
Fortalecimento foi fundamental para enfrentar um mundo ainda
rodeado de preconceitos. Amanda explica ao HuffPost Brasil que, em geral, a
sociedade coloca a mulher cadeirante em um dos seguintes extremos: o da
infantilização, onde o interlocutor a trata como uma criança e fala palavras no
diminutivo, ou o da marginalização, onde ela é excluída de espaços.
Acho que para além das questões arquitetônicas, o maior
problema são as pessoas.
"Acho que para além das questões arquitetônicas, o
maior problema são as pessoas. Em termos de inclusão, hoje eu vivo o melhor dos
mundos, mas antes, em outros empregos, foi uma luta, porque eu estava sempre
nesses extremos de infantilizar ou marginalizar. Até eu desconstruir aquele
pós-conceito, porque já estava formado a partir de uma ideia, era uma luta. Foi
uma luta", afirma.
Há cerca de três meses, Amanda casou-se com Fabiano, que
conheceu em Salvador e topou ir com ela para o Rio de Janeiro quando ela foi
convocada pelo concurso público. Com tantos objetivos profissionais e pessoais
alcançados, a administradora gosta de ressaltar, entretanto, que sua vida não é
só sobre discussão de acessibilidade. No seu próprio blog, por exemplo, ela já
começa a discutir questões sobre carreira e negócios, mas não rechaça a ideia
de ser uma referência.
"Não é um problema ser referência, porque é uma forma
de fortalecer essas pessoas como eu. São muitas dificuldades quando as mães,
por exemplo, veem pelo que seus filhos passam, de não poder brincar com outras
crianças porque os pais não permitem. Sei o quanto poderia ser diferente para a
minha mãe se ela tivesse encontrado alguém como eu, que tivesse conseguido
realizar seus objetivos profissionais, de vida. Isso é muito bacana", contextualiza
a administradora.
Eu não gosto de falar em tolerância porque quando você fala
de tolerância parece que está suportando o outro.
Profissionalmente, hoje Amanda atua com educação
corporativa. Uma espécie de extensão do que ela deseja para o mundo, já que o
trabalho consiste em lidar diretamente com a evolução dos profissionais:
"Transformar o outro por meio da educação é fantástico. É fantástico ver a
evolução do outro e o que ele se torna quando começa aplicar o conhecimento
adquirido".
Em relação aos preconceitos, Amanda é firme ao apontar que
ainda temos muito a avançar, e que o cerne da desconstrução de preconceitos é
entender que todos os seres humanos são diferentes. E que é primordial lidar
com tais diferenças.
"Eu não gosto de falar em tolerância porque quando você
fala de tolerância parece que está suportando o outro. Eu acho que simplesmente
devemos respeitar a existência do outro e entender que ele também tem o direito
de existir e estar ali", define. E completa: "Não importa para mim
que meus objetivos alcançados sejam vistos como dignos de admiração, esse não é
um problema. As pessoas precisam ver mesmo, porque assim veem que o outro
também tem o direito de viver uma vida tão boa quanto qualquer um",
finaliza.
Texto e imagem reproduzidos do site: huffpostbrasil.com
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