Uma turista posa nos jardins do Museu Rodin, em Paris, em setembro de 2015.
Publicado originalmente no site Brasil El País, em 29 de outubro de 2018
A beleza é um prodígio do cérebro
O belo não existe no mundo em que vivemos, ouvimos ou
tocamos. Não reside em nada do que nos cerca. Só está na mente dos seres
humanos
Por Francisco Mora
Quando escuto em um grande auditório o último movimento da
Nona Sinfonia de Beethoven, tocada por uma grande orquestra, e com um grande
coral, experimento "algo" que me transporta. É algo sublime, algo que
me domina, me subjuga, me torna pequeno. Também não posso evitar esse outro
sentimento diferente, que deixa meus olhos colados àqueles sóis flamejantes,
àqueles céus azuis retorcidos pela tempestade pintados por Van Gogh. Olhar para
aquelas pinturas me subjuga. Sem dúvida, todo mundo sabe que estou falando de
beleza. Ao falar dessa maneira, parece evidente que contemplamos uma beleza que
é inerente ao que se ouve ou se vê, mas não é assim. A beleza não existe no
mundo que vemos, ouvimos ou tocamos. Não existe em nada que nos rodeia. O mundo
não possui nenhuma beleza; não é, em nada, uma propriedade inerente a ele. A
beleza é criada pelo cérebro humano. Só existe na mente dos seres humanos. É um
prodígio do cérebro.
Antes, é verdade, pensava-se que a beleza era um atributo
imanente às coisas do mundo ou constitutivo da obra artística criada. A beleza
tinha sua existência em si mesma, no objeto ou nos estímulos sensoriais
externos, e a pessoa era apenas um sujeito passivo, contemplativo. Em outras
palavras, a beleza era objetiva, com uma presença externa e eterna no mundo.
Hoje sabemos, pelo contrário, que a beleza é algo subjetivo, criado pelo ser
humano e que não está fora, no mundo sensorial. Hoje entendemos que a beleza é
criada pelo ser humano depois de observar e perceber certas características do
objeto que ele contempla. A beleza é, na verdade, uma construção mental
composta de percepções, emoções, sentimentos e conhecimento.
No centro da nossa experiência de beleza está esse algo mais
emocional que nasce daquilo que percebemos. Um algo mais emocional evocado,
como um fio invisível, pelas palavras ao se ler um poema, ou a visão de uma
pintura ou escultura, ou o sublime som de uma sinfonia, de uma paisagem de
verdes com múltiplos tons, de um alvorecer de cores sem formas ou um rosto de
proporções perfeitas. Mas, precisamente por ser uma emoção produzida naquele
cérebro profundo, onde se depositam as memórias mais íntimas e pessoais em cada
ser humano, nem todos percebem a beleza da mesma maneira ou nas mesmas coisas.
Além disso, é aquela emoção —que quando banhada de consciência se torna
sentimento— que faz com que cada um, cada ser humano, experimente sua própria
beleza, única e diferente de qualquer outra.
O que faz com que as esculturas de Chillida sejam “pedras
sem arte” para alguns que admiram as esculturas de Rodin?
De fato, a apreciação da beleza é, em grande parte, produto
da experiência pessoal e da própria educação recebida. Tudo isso faz com que
alguns percebam, de um modo especial, a beleza na pintura, mas não na música
(Sigmund Freud seria um bom exemplo), ou que na pintura alguns valorizem as
cores, mas não tanto as formas ou os traços borrados do movimento ou o
figurativo estático. Ou, claro, que a música (de apreciação estética tão
multifacetada — sustenidos harmônicos, contrapontos, acordes, ritmos e as
infinitas combinações de graves, agudos e silêncios) seja percebida de modo tão
diverso por tantas pessoas diferentes. (...)
Por que O Nome da Rosa, romance de Umberto Eco, cativou
centenas de milhares de pessoas do começo ao fim e fez com que tantas outras
perdessem o interesse antes de terminar a leitura? O que afasta tantas pessoas
de Stravinski e, no entanto, as aproxima de Mozart ou Beethoven? O que tantas
pessoas que admiram tão profundamente a arte de Velázquez rejeitam nas pinturas
de Picasso? O que faz as esculturas de Chillida serem, para muitos,
"pedras sem arte", mas que torna as esculturas de Rodin tão
evocadoras de beleza? O que provoca o entusiasmo e a admiração ao Duomo de
Milão, mas que não produz o mesmo efeito para muitos em relação ao Guggenheim
de Bilbao?
Essa emoção que subjaz à apreciação da beleza é aquela que
se expressa no prazer diante do que se vê ou se ouve. O prazer, como expressão
emocional inconsciente, é o componente básico na apreciação da beleza. Mas não
o prazer relacionado a esses prazeres básicos, aqueles que sustentam a
sobrevivência do indivíduo, tais como os obtidos a partir da comida, da bebida,
da sexualidade, do jogo ou do sono, quando estamos privados deles. O prazer
associado com a beleza não é o prazer do desejo e do orgasmo, que consumado
pontualmente nos empurra "sem razão, e como isca engolida, a manter-se
vivo" (William Shakespeare). O prazer, o deleite referido à beleza é
conseguido pelos ingredientes neuronais adicionados no cérebro àqueles outros
mais básicos. (...) São prazeres gerados em parte pela cultura em que se vive e
além do cérebro emocional e de sua atividade primitiva. São prazeres que surgem
de uma interação muito próxima entre o córtex cerebral humano e o cérebro
emocional, por isso nenhum animal os possui. Dessa interação nasce a
consciência, a compreensão, o entendimento, a razão humana.
Precisamente este último, a interação com as coisas do mundo
(percepção), produz o conhecimento, o outro ingrediente básico para a percepção
da beleza. Porque a beleza é isso em sua essência, prazer e conhecimento e,
neste último, a capacidade cognitiva de perceber a ordem, a proporcionalidade,
a simetria, a clara delimitação do que é percebido. E tudo isso tem muito a ver
com a educação recebida e com a cultura em que nascemos e vivemos. (...) Basta
pensar que poucos cidadãos da Idade Média ou até do Renascimento poderiam ter
encontrado beleza na figuras humanas torcidas, nos vermelhos policromados e
flamejantes das árvores, nos amarelos vivos dos campos de trigo ou nos azuis
giratórios e atormentados das pinturas de Van Gogh, ou na obra de Antonio Gaudí
(...) A arte, portanto, e com ela a beleza, é uma verdade subjetiva para cada
um. Verdade para a qual muitas pessoas tiveram expressões como "valeu a
pena viver para experimentá-la". Sem dúvida, a beleza é um fenômeno
cerebral que mudou o mundo dos seres humanos e as mitologias e verdades vivas
de cada sociedade, cultura ou nação. A beleza, que não existe no mundo, é
talvez um dos grandes prodígios criados pelo cérebro humano.
Francisco Mora é doutor pelas universidades de Granada
(Espanha) e Oxford (Inglaterra) e professor universitário. Publicou livros de
ensaios, como El Reloj de la Sabiduría (2005) e Neurocultura (2007). Este
trecho forma parte de Mitos y Verdades del Cerebro (Paidós), lançado em 23 de
outubro de 2018.
Texto e imagem reproduzidos do site: brasil.elpais.com
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