Publicado originalmente no site Brasil El País, em 8 de outubro de 2018
ENTREVISTA A KEN ROBINSON/EXPERIENTE EM INOVAÇÃO EDUCATIVA
“A escola tem uma visão muito limitada do que é a
inteligência”
Ex-assessor de mais de 10 governos, Robinson critica o
academicismo da escola e defende a incorporação de disciplinas como a dança
Ken Robinson no evento de inovação educativa EnlightED em
Madri.
Por Ana Torres Menárguez
Ken Robinson (Liverpool, 1950), ex-assessor em inovação
educacional do ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair e de outros 10
governos, brinca com o fato de que muitas pessoas acreditam no que só existe em
vídeo. Não lhe falta razão. Em 2006, ele deu uma palestra no TED sobre como as
escolas matam a criatividade, a qual já soma mais de 53 milhões de
visualizações em todo o mundo. Depois disso se tornou um dos pensadores
educacionais mais solicitados e seu cache pode chegar a 50.000 euros (215.000
reais) por conferência. Diz que a escola funciona de maneira semelhante às
cadeias produtivas industriais: o mesmo ensino é oferecido a todas as crianças,
sem se levar em conta suas necessidades de aprendizagem. "É um sistema
competitivo que está falhando com os alunos", lamenta.
Em seu último livro, Creative Schools (escolas criativas),
da Penguin Random House, sir Ken Robinson –em 2003, a rainha Elizabeth II o
nomeou um cavaleiro por promover as artes– propõe um modelo de escola que
contemple outros graus de inteligência além do acadêmico, porque "nem
todas as crianças irão para a universidade e você tem que ajudá-las a descobrir
seu talento".
Robinson mora em Los Angeles, onde lidera a criação de duas
plataformas online, uma para conectar professores de todo o mundo e acelerar a
mudança na educação, e outra para ajudar os jovens a descobrir sua vocação.
Nesta semana ele visitou Madri para participar do EnlightED, um evento
promovido pela Fundação Telefônica, IE University e South Summit para abordar
os desafios da tecnologia e a transformação do sistema educacional, e respondeu
às perguntas de EL PAÍS.
Pergunta. Como acredita que a escola deve ser hoje?
Resposta. Nós vemos a escola como um local de rotinas,
calendários exigentes e exames. Não há motivo para ser assim. As escolas
dividem os alunos por faixa etária, mas na vida real não nos relacionamos deste
modo. A escola é uma comunidade de pessoas que aprendem e a primeira coisa que
deveria ser feita é misturá-las, não fazer da escola um lugar tão rígido. No
final do dia, quando as crianças terminam as aulas, brincam juntas, elas não se
diferenciam pela idade.
Em segundo lugar, uma boa escola é aquela com horários
flexíveis. Se um adulto em seu dia a dia fosse forçado a realizar uma atividade
diferente a cada 40 minutos, logo se esgotaria. As escolas têm que trabalhar
com ritmos naturais para permitir que as crianças dediquem o tempo necessário a
cada tarefa. Hoje existem programas suficientemente sofisticados para cada
aluno trabalhar no próprio ritmo, com os próprios horários.
P. As escolas inovadoras tendem a estar localizadas em
bairros com renda mais elevada e as escolas privadas costumam, na maioria das
vezes, estar na dianteira. O que pode ser feito para que a inovação educacional
não aumente a desigualdade?
R. Não se trata de escolher entre inovação e desigualdade,
mas de conectar ambos os pontos. A inovação também é uma mudança de estratégia
na hora de gerenciar o sistema educacional. Ser mais inclusivo também é inovar.
Crianças que moram em bairros complicados e que, em alguns casos, não falam bem
o idioma do país, precisam receber mais apoio. Elas têm um ponto de partida
diferente por causa de sua situação familiar, e para oferecer-lhes as mesmas
oportunidades é preciso se concentrar em responder às suas necessidades.
P. Os professores se queixam de que não têm tempo nem
ferramentas para transformar a escola. O que lhes recomenda?
R. Ensinar é complicado, os professores são submetidos a uma
grande pressão. No meu livro Creative Schools, eu lhes digo que a revolução
deve ser feita de baixo para cima. Você tem que entender como as mudanças
sociais funcionam, sempre a partir da raiz. Persuadir os políticos a pensar de
maneira diferente não é a solução. As grandes questões que afetam a educação
têm que ir além do ciclo eleitoral, não podem depender da vontade de um agente.
É como o movimento MeToo ou ações para conter as mudanças climáticas. São
iniciativas que surgem à margem da vida política.
P. Os professores têm que fazer a revolução
independentemente do que os programa oficiais determinem?
R. Quando um professor fecha a porta da sala de aula, encara
a sua maneira um grupo de alunos, muito poucos sistemas prescrevem como
ensinar, eles não lhe dizem o que fazer minuto a minuto. O professor decide o
que fazer. Muito do que acontece na educação não tem nada a ver com legislação,
mas com os hábitos.
P. Outra questão a resolver é a revisão dos métodos de
avaliação. Você acha que o PISA –o teste internacional mais reconhecido sobre
educação no mundo desenvolvido, elaborado pela OCDE– está afetando
negativamente as escolas?
R. A ideia dos testes do PISA era fornecer evidências sobre
o funcionamento das escolas para permitir que os governos tomem decisões sobre
a conveniência de suas políticas. O problema é a competição que ocorre entre os
países. Seu objetivo de se posicionar bem no ranking os leva a renunciar ao uso
de programas inovadores de aprendizagem, por exemplo, em matemática ou o
idioma, a fim de atender às demandas desses testes. Nos últimos 20 anos, os
Estados Unidos gastaram bilhões em testes padronizados –os alunos realizam
cerca de cem avaliações externas durante o período escolar.
Esses testes não ajudaram ninguém. As pontuações em
matemática ou no idioma estão no mesmo ponto de 20 anos atrás e isso
desmoraliza os professores e desmotiva os jovens. As taxas de graduação também
não melhoraram. Tem sido uma experiência fracassada. Outro exemplo é o de Hong
Kong, onde existem empresas que oferecem treinamento para preparar crianças de
três anos para o exame de acesso à escola infantil. Nós perdemos a cabeça.
P. Um dos grandes fracassos é o abandono da escola. É por
falta de motivação?
R. Não gosto da palavra abandono porque esconde um estigma,
sugere que o aluno falhou. É a escola que está falhando com as crianças. É
concebida com uma visão muito reduzida do que é o êxito, geralmente associado
ao meramente acadêmico. A dança é tão importante quanto a matemática, mas há
uma visão muito limitada do que é a inteligência. Nós nos desenvolvemos física,
emocional, espiritual e socialmente, temos diversos talentos. A escola não mede
isso e, por essa razão, muitas pessoas continuarão pensando que fracassaram.
Existem escolas alternativas que não se concentram somente
no acadêmico, mas na descoberta do talento. Elas funcionam porque têm uma visão
alternativa do que é o sucesso. Um exemplo é a rede de escolas Big Picture
Learning, cerca de 100 unidades com uma conexão muito próxima com os pais e a
aprendizagem individualizada, com diferentes caminhos para cada aluno. No site
da Alternative Education Resource Organization você pode encontrar exemplos
desse tipo de escola.
Texto e imagem reproduzidos do site: brasil.elpais.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário