Publicado originalmente no site NLucon, em 19 de março de 2013
Trans em debate...
Por Neto Lucon
Embora sejam abordadas por homens de todas as idades,
classes sociais, belezas e níveis culturais, as travestis e transexuais
enfrentam inúmeras pelejas em seus relacionamentos amorosos. Enquanto a massa
masculina se sente fascinada (veladamente, diga-se) por suas figuras,
pouquíssimos homens aceitam assumir de fato um romance. Preferem o anonimato,
as traições, o tradicional momento escondidinho…
Muitos t-lovers [homens amantes de trans] temem sobretudo
serem encarados como homossexuais ou sofrerem preconceito – fruto do machismo e
homofobia- por tabela. Para os que se envolvem, há os que se tornam cafetões,
há os que vivem à custa da parceira e há quem não as dê nada em troca (nem
dinheiro, nem respeito), como ir para cama fosse um favor para
satisfazerem-lhes o “vício”.
Antes de cometer suicídio em 2005, a musa Camilla de Castro
(foto) – que fez sucesso no Superpop com o quadro Camila quer Casar – escreveu
um depoimento, em que dizia sofrer por ser desejada entre quatro paredes, mas
nunca em público. “Disseram que não existe amor para travestis e que os homens
nos viam como privadas humanas, onde descarregavam seus desejos mais “loucos” sem
sequer olhar para trás”.
Camila morreu sem vivenciar o amor.
Dentre várias razões, esta triste realidade – que está se
transformando e tendo casos exemplares nos últimos anos – deve-se pela falta de
esclarecimento e por conta de nossa gramática sexual, pobre, binária e sexista.
Afinal, travestis e transexuais transcendem a lógica arcaica de “sexo
biológico-gênero-sexualidade”, o que é ser homem, ser mulher, gay e hétero,
logo são uma incógnita. Para os seus parceiros, as dúvidas se multiplicam e o
que prevalece é o machismo.
A questão que mais faz parte das dúvidas dos nossos leitores
é: “Homens que ficam com travestis são gays?”. E aí, meninas?
Fernanda Vermant
“Eu me atraio e me sinto feliz com homens héteros, porém
namoro um modelo que gosta de travesti. É o que tem para mim nesse Brasil e não vou dispensar…
Penso que homens que gostam de travestis são gays, porque gostam na verdade do
pênis delas. Mas, por outro lado, acredito que sejam héteros os homens que aceitam
a sua amada e a observam como uma verdadeira mulher, sendo operada ou não. Há
ainda um estudo que visa pesquisar o comportamento sexual e que encara os
homens que gostam de trans como uma nova orientação sexual. É difícil definir o
relacionamento das trans, porque muitas nós não nos aceitamos – o corpo, a
identidade, a referência trans – logo ninguém nos aceitará…. Nos dias atuais,
homens héteros ou gays enrustidos só saem com travestis para fantasias ou
alívio para o seu homossexualismo [sic] reprimido. Os amigos do meu namorado,
por exemplo, inclusive os gays, não apoiam o nosso relacionamento. Mas, acima
de qualquer reprovação e medos, o mais importante é ser feliz, né gente? Love,
Fernanda”
Patricia Araújo
“Homens que se relacionam com travestis não são gays, são
héteros. Digo isso porque a imagem que temos é feminina e o gay não se
interessa por uma imagem feminina. O gay gosta é de outro homem, com corpo,
trejeitos e maneira de ser masculina – o que obviamente não é o meu caso.
Muitos homens se sentem atraídos por nós por conta da nossa feminilidade e
mistério, querem saber como é, como funciona… Já fui casada com homens héteros,
lindos, que respeitaram a minha identidade. Outros não foram tão legais, mas
esses a gente deleta. Para aqueles que preferem ser passivos, não há nenhum problema,
pois isso não faz dele gay. É sabido e comprovado que a próstata é um lugar
que, se massageado, penetrado, proporciona um grande prazer. É por isso que
muitos homens, casados com mulheres, saem com travestis: para ter mais esta
forma de prazer em sua vida sexual. Hoje, consciente dessa realidade, muitas
mulheres fazem inversão de papeis e penetram seus maridos. Nós – travesti,
transexuais e mulheres – devemos parar de nos assustar com a questão da
passividade, afinal a grande maioria dos homens adoram explorar todos os
prazeres do corpo, sem neuras ou tabus, Que vivemos felizes, sem rótulos, sem
culpas!”
Kimberly Luciana
“Tive apenas dois grandes amores na minha vida. No primeiro,
tinha 17 anos, namorei durante um ano e fui casada durante nove. Ele nunca foi
passivo comigo, mas não apoiava a possibilidade de um dia eu mudar de sexo. Fui
feliz ao seu lado por cinco anos, os outros continuei porque fiz o que qualquer
casal hétero faz: levei em conta que era dependente financeiramente, que ele
não me agredia e que era trabalhador.
No meu ponto de vista, ele é heterossexual, pois sempre me
viu como uma grande mulher e, tempos depois, se casou com uma mulher biológica.
Não acho que ter ou não um pênis seja fundamental para um envolvimento amoroso,
O segundo relacionamento me deixou cicatrizes na alma. Nos
conhecemos pelo Orkut e, após nos vermos pessoalmente, me apresentou para a
família e amigos. O problema é que, com o tempo, descobri que ele era uma
pessoa doente por sexo. Ele me proibia de ter uma vida social e queria vivesse
absolutamente para ele. Abri mão do relacionamento. Não poderia viver apenas de
sexo e amor.
Sou assumidamente travesti e, se existir de fato amor para
uma trans, acredito que ele quebre qualquer barreira. O problema é que, da
minha experiência e observação, posso concluir que a maioria dos homens que nos
amam de fato são problemáticos, emocionalmente inseguros, tímidos, compulsivos
sexuais, com baixa-estima, bandidos, policias e pobres. Se ele quiser um namoro
às escondidas, não aceito, mesmo que ele seja um boy magia (risos). Isso é
preconceito internalizado.”
Luiza Gaúcha
“O homem pensa que, para não ser julgado ou discriminado,
deve fazer o perfil de machão, jogador de futebol, o pegador de gatinhas. Mas
os desejos sexuais e afetividades não deveriam ser julgados ou criticados por
ninguém. Afinal, a observação sobre ela vai se modificando com o tempo. Na
antiguidade, por exemplo, o ato de um homem deitar com outro era status de
poder, pois para eles a mulher era um ser frio. Hoje, ele ganha apelido de
viadinho, mariquinha, caso o faça. Além disso, nós trans representamos uma nova
realidade.
Nossos desejos sexuais, afetivos e nossas identidades estão
em constantes transformações. Assim como a transexual não decide “virar mulher”
da noite para o dia, o desejo de um homem por um homem, o desejo de uma mulher
por uma mulher e o desejo de um homem por uma travesti ou transexual também não
acontecem da noite para o dia. Estamos sempre em busca de oportunidades,
descobertas. E o sexo é apenas mais uma fantasia do nosso teatro, não deveria
ser omitido.
Penso que o pênis seja apenas um detalhe que a transexual
não operada tem a mais que uma mulher e tudo vai depender do desejo do seu
parceiro. Para uns não faz diferença, para outros é o que te destaca em
relações a outras. É muito relativo e se chama desejo. Não os classificam como
gays ou héteros.
Vivo um caso amoroso a cada dia, mas não sou do tipo
superficial. Gosto de me entregar de corpo e alma quando estou com alguém,
nossos momentos são únicos e bem aproveitados. Acabo escutando um pouco de tudo
dos homens. Muitos eu acredito que agrado, outros sou vista como um mero
objeto. De certa forma, todos nós acabamos sendo objeto ou um fantoche, já que
estamos sempre sendo manipuladas e também manipulando. Mas ainda sou sonhadora
e não deixaria de viver um grande amor por nada”.
Alê Oliveira
“Antes de mais nada, adianto que não me interesso por
homens. Mas penso que homens que ficam com travestis ou transexuais não são
gays. O motivo é simples: elas se identificam com o feminino – veja que estou
falando em GÊNERO, que nada tem relação com SEXO BIOLÓGICO. E um homem gay
geralmente está a procura da imagem masculina (o gênero masculino), coisa que
uma travesti não tem.
No relato de muitas amigas, elas dizem que muitos ficantes
nem tocam no pênis, mas também há casos em que eles querem utilizar o seu
“atributo a mais”, o que mostra que varia de pessoa para pessoa e que não dá
para rotular esse ou aquele de gay só porque ele é ativo ou passivo.
Quando eu era um menino, já namorei uma travesti e isso não
me fazia sentir gay. Sempre gostei de me relacionar com mulheres, figuras
femininas. Portanto, para mim, falar que um homem que se relaciona com uma
travesti é gay é o mesmo que anular a identidade de gênero da travesti, é
chama-la de homem. E muitas travestis conseguem ser muito mais femininas que
mulheres biológicas, mesmo com esse algo a mais. O pênis é só um detalhe na
vida prática.
No meu casamento, minha mulher costuma dizer que não me vê
como homem ou mulher, embora me trate no feminino. Ela simplesmente vê a pessoa
que ama. É por isso que penso que no fundo, a definição não é o mais
importante”.
Lirous
“Sou bissexual e isso é desde sempre, pois o que me move a
gostar de uma pessoa é o que está por dentro dela e não a sua aparência física
e sexo, que para mim sempre foi consequência. Sempre tive relações duradouras e
que sou comprometida desde sempre. Hoje, sou casada pela segunda vez no
cartório, tenho o consentimento de ambas as famílias
Nunca tive relacionamento as escondidas, pois não aceito
esse tipo de situação. Se a pessoa não se sente segura, que vá buscar segurança
em outro lugar. O que muito me preocupa é no discurso de muitos homens
machistas que afirmam que não teriam interesse em namorar uma trans pelo fato
de ela não gerar filho. Mas eu pergunto: “E se a mulher fosse estéril?”.
Mas também existem
muitos homens esclarecidos e os mais novos, de 18 e 19 anos, que já são mais
decididos e mais corajosos.
O órgão sexual é um tabu muito desejado, pois o homem que
procura uma trans tem o interesse principal em torno dele. O fato de ser ou não
passivo não vai mudar a condição dele, que naquele momento é de homossexual. E o
fato de um homem ter uma relação
homossexual não faz dele um gay, pois as identidades de gênero não correspondem
nunca com o sexo, pois existem gays que se relacionam com pessoas do sexo
oposto.
Ser gay vai além de se relacionar sexualmente com pessoa do
mesmo sexo. Sou contra o termo de serheterossexual, pois é uma condição e você
pode simplesmente “estar hétero” ou “estar homo”. O estar é o momento em que
você está vivendo ou se relacionando com outra pessoa, seja ela do mesmo sexo
ou não. Na área da saúde trabalhamos
muito com um público denominado HsH, que são homens que fazem sexo com outros
homens, mas não são considerados gays.
Mas, para que não me aprofundas muito nesse estudo, sugiro
que assista ao vídeo chamado “homossexualidade e ponto final”.
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