Publicado originalmente no site da revista TRIP 272, em 09.03.2018
Será que as pessoas não percebem?
Não estamos aqui para acumular poder e dinheiro. O objetivo
de viver é muito maior do que apenas dominar
Por Luiz Alberto Mendes
Tendo em vista os atuais índices de reincidência de pessoas
aprisionadas – que chega a 80%, segundo o Ipea –, convidados pelo Instituto de
Ação pela Paz, eu e meu parceiro Maurício Cardenete criamos um projeto de
conscientização para pessoas presas ou egressas da prisão. No ano passado
aplicamos o projeto, que contém 20 módulos e 37 temas a serem debatidos, em uma
prisão em Limeira, para 25 internos. Eles chegaram tímidos e em pouco tempo
estavam até filosofando. Já estive com três deles aqui fora e todos estão
trabalhando e vivendo como todas as pessoas. Estão com a mesma força de quando
estiveram conosco. O Cezar, que saiu há pouco, conversou horas comigo no
Facebook. É enorme a satisfação de ver que nossos esforços estão dando certo.
Ele está cheio de esperanças e se esforçando muito para viver em paz.
Penso que algo parecido deveria ser feito para ensinar quem
está no poder, ou tem posses, a ter consciência da responsabilidade que está em
seus ombros. Talvez para quem não tem nada, como eu, seja mais fácil. As únicas
responsabilidades que tenho, além do meu sustento e de meus filhos, é a social.
E creio que tenho respondido bem. Fui homenageado com o Prêmio Trip
Transformadores, por conta de meu trabalho nas prisões. Para quem tem posses e
poder, talvez seja mais complicado. Não sei no que, porque o que nos falta para
esparramar nosso projeto e fazer a diferença é capital e poder. Não temos
financiamento para levar nosso projeto a outras prisões. Não temos poder e
somos bloqueados por aqueles que mandam nas prisões. Parece que não querem que
o preso aprenda a pensar. Talvez porque quem pensa naturalmente questiona, e
isso é proibido ao preso.
Será que as pessoas não percebem que não estamos aqui para
acumular poder e dinheiro? Que o objetivo de viver é muito maior que apenas
acumular e dominar? Pois é o que eu gostaria de conversar com eles, se houvesse
como. Além da natureza fantástica que nos cerca, o mar, as árvores, os animais,
o sol, enfim, ainda temos o outro. Este ser capaz de transformações, de criar
belezas, alegrias e felicidades. Este outro capaz de despertar o que há de
melhor de nós: o amor! É obvio que há o lado negativo; não sou utopista e não
sonho impossibilidades. Mesmo por isso sei, por experiência pessoal, que também
somos passíveis de sermos educados. Nenhum de nós está perdido para sempre.
Geralmente o melhor de nós surge nas piores situações. É só observar a história
de nossos ídolos e heróis. Quase todos tiveram que enfrentar condições
adversas, diante das quais a maioria de nós sucumbiria.
Pobres de espírito
Por que explorar, escravizar, reduzir salários e manter na
pobreza três quartos da população de um país? Em nome de que esses preconceitos
contra o pobre, o negro, o favelado, o homossexual, o egresso das prisões e
contra todos que não lhes são iguais? No que isso lhes acrescenta em termos de
satisfação de viver? É loucura, falência da lucidez e de tudo que apregoa a
“sociedade cristã”. Apropriam-se do Estado e usam o dinheiro “público” como se
deles fosse. Que merda de democracia é essa? São empossados em secretarias,
fundações e autarquias do Estado e procedem como se fossem donos, com suas
cortes de puxa-sacos. É isso que lhes causa satisfação de viver? Quão pobres de
espírito são...
O maior prazer da vida consiste em amar e ser amado. A
felicidade está em quanto mais somos capazes de resgatar da miséria, da
solidão, da maldade, do sofrimento e lhes possibilitar acesso a uma vida
melhor. E são os que têm posses e poder que possuem a chance de realizar tais
prioridades. Admirável é quem se esforça pelo outro, apesar do outro. Essa,
sim, é uma vida digna de ser vivida. Os valores estão invertidos, ter está
incorporado como mais importante que ser. Por isso somos quase todos tão
infelizes, padecemos de tantos males e tragédias. Exatamente por isso a depressão
é o mal do século, e a angústia e a tristeza tomaram conta de nós.
Esforço-me para me educar, para me dedicar aos meus
objetivos, mas sou também vítima de toda essa estrutura que nos tortura, como
ser social que me tornei. Sofro, tenho dificuldades em me relacionar com os
outros e não tenho soluções ou respostas. Mas vivo na luta, não aceito que deva
ser assim e busco fazer minha parte; é tudo o que posso fazer.
Texto e imagem reproduzidos do site: revistatrip.uol.com.br
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