sábado, 10 de março de 2018

Será que as pessoas não percebem?


Publicado originalmente no site da revista TRIP 272, em 09.03.2018

Será que as pessoas não percebem?

Não estamos aqui para acumular poder e dinheiro. O objetivo de viver é muito maior do que apenas dominar

Por Luiz Alberto Mendes 

Tendo em vista os atuais índices de reincidência de pessoas aprisionadas – que chega a 80%, segundo o Ipea –, convidados pelo Instituto de Ação pela Paz, eu e meu parceiro Maurício Cardenete criamos um projeto de conscientização para pessoas presas ou egressas da prisão. No ano passado aplicamos o projeto, que contém 20 módulos e 37 temas a serem debatidos, em uma prisão em Limeira, para 25 internos. Eles chegaram tímidos e em pouco tempo estavam até filosofando. Já estive com três deles aqui fora e todos estão trabalhando e vivendo como todas as pessoas. Estão com a mesma força de quando estiveram conosco. O Cezar, que saiu há pouco, conversou horas comigo no Facebook. É enorme a satisfação de ver que nossos esforços estão dando certo. Ele está cheio de esperanças e se esforçando muito para viver em paz.

Penso que algo parecido deveria ser feito para ensinar quem está no poder, ou tem posses, a ter consciência da responsabilidade que está em seus ombros. Talvez para quem não tem nada, como eu, seja mais fácil. As únicas responsabilidades que tenho, além do meu sustento e de meus filhos, é a social. E creio que tenho respondido bem. Fui homenageado com o Prêmio Trip Transformadores, por conta de meu trabalho nas prisões. Para quem tem posses e poder, talvez seja mais complicado. Não sei no que, porque o que nos falta para esparramar nosso projeto e fazer a diferença é capital e poder. Não temos financiamento para levar nosso projeto a outras prisões. Não temos poder e somos bloqueados por aqueles que mandam nas prisões. Parece que não querem que o preso aprenda a pensar. Talvez porque quem pensa naturalmente questiona, e isso é proibido ao preso.

Será que as pessoas não percebem que não estamos aqui para acumular poder e dinheiro? Que o objetivo de viver é muito maior que apenas acumular e dominar? Pois é o que eu gostaria de conversar com eles, se houvesse como. Além da natureza fantástica que nos cerca, o mar, as árvores, os animais, o sol, enfim, ainda temos o outro. Este ser capaz de transformações, de criar belezas, alegrias e felicidades. Este outro capaz de despertar o que há de melhor de nós: o amor! É obvio que há o lado negativo; não sou utopista e não sonho impossibilidades. Mesmo por isso sei, por experiência pessoal, que também somos passíveis de sermos educados. Nenhum de nós está perdido para sempre. Geralmente o melhor de nós surge nas piores situações. É só observar a história de nossos ídolos e heróis. Quase todos tiveram que enfrentar condições adversas, diante das quais a maioria de nós sucumbiria.

Pobres de espírito

Por que explorar, escravizar, reduzir salários e manter na pobreza três quartos da população de um país? Em nome de que esses preconceitos contra o pobre, o negro, o favelado, o homossexual, o egresso das prisões e contra todos que não lhes são iguais? No que isso lhes acrescenta em termos de satisfação de viver? É loucura, falência da lucidez e de tudo que apregoa a “sociedade cristã”. Apropriam-se do Estado e usam o dinheiro “público” como se deles fosse. Que merda de democracia é essa? São empossados em secretarias, fundações e autarquias do Estado e procedem como se fossem donos, com suas cortes de puxa-sacos. É isso que lhes causa satisfação de viver? Quão pobres de espírito são...

O maior prazer da vida consiste em amar e ser amado. A felicidade está em quanto mais somos capazes de resgatar da miséria, da solidão, da maldade, do sofrimento e lhes possibilitar acesso a uma vida melhor. E são os que têm posses e poder que possuem a chance de realizar tais prioridades. Admirável é quem se esforça pelo outro, apesar do outro. Essa, sim, é uma vida digna de ser vivida. Os valores estão invertidos, ter está incorporado como mais importante que ser. Por isso somos quase todos tão infelizes, padecemos de tantos males e tragédias. Exatamente por isso a depressão é o mal do século, e a angústia e a tristeza tomaram conta de nós.

Esforço-me para me educar, para me dedicar aos meus objetivos, mas sou também vítima de toda essa estrutura que nos tortura, como ser social que me tornei. Sofro, tenho dificuldades em me relacionar com os outros e não tenho soluções ou respostas. Mas vivo na luta, não aceito que deva ser assim e busco fazer minha parte; é tudo o que posso fazer.

Texto e imagem reproduzidos do site: revistatrip.uol.com.br

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