A construção da saúde para o envelhecer
Por Renato Rocha Mendes
O envelhecimento é inexorável, e o envelhecer de maneira
saudável é determinante para o bem-estar do indivíduo e para o seu engajamento
social e intelectual. Mas até que ponto as pessoas com mais de 60 anos se
dedicam a ter uma vida saudável – física e mentalmente? De que forma os
indivíduos em geral – e os jovens em particular – se preparam para isso? Embora
grande parte da população tenha contato com idosos, no dia a dia uma parcela
ínfima reflete sobre os processos que impactam a saúde nesse período da vida.
Caminhar na direção do envelhecimento saudável e ativo é refletir sobre a memória,
as emoções, o corpo e a prevenção de doenças.
A psicóloga Mônica Yassuda, orientadora do programa da
pós-graduação em gerontologia da USP e da Unicamp, afirma que “não estar
isolado e ter propósito de vida” também significa ter saúde. Pesquisadora de
temas como cognição e envelhecimento, memória, treino cognitivo e
neuropsicologia – todos relacionados à psicologia do envelhecimento –, Yassuda
diz que a depressão e a ansiedade na velhice são condições comuns entre os
velhos. Mas um dos maiores desafios, em sua opinião, está ligado à compensação
das perdas diversas. “Perdas constantes – físicas, de papéis sociais, renda,
poder e das pessoas amadas. Entendemos hoje que as pessoas que envelhecem bem,
de algum modo, conseguem selecionar e compensar essas perdas. Por exemplo, um
atleta que não consegue mais correr provas de longas distâncias, como uma
maratona, devido à atrite/artrose, pode continuar a correr provas mais curtas
ou passar a nadar.”
Existem atitudes e posturas, como o engajamento social, que
podem contribuir para uma vida emocional mais saudável. E, como atesta a
psicóloga, há vários dados de pesquisa que sugerem que as pessoas socialmente
engajadas têm melhores indicadores de saúde e menor risco para declínio
cognitivo e demências. “Imagina-se que as pessoas mais engajadas realizem mais
atividades estimulantes para o cérebro e também se protejam de doenças como a
depressão. A troca de informações e a formação de rede social podem exercer
proteção.”
Assim como os demais órgãos do corpo, o cérebro também
envelhece e, segundo Yassuda, entre as transformações mais importantes para a
cognição estão a atrofia cerebral, a redução volumétrica de áreas específicas
como os hipocampos (essenciais para a formação de novas memórias), a redução na
quantidade de neurotransmissores, o aumento no número de lesões vasculares,
entre outros. Sob a perspectiva da cognição e da memória, a ideia de
“aprendizagem ao longo da vida” é positiva, na medida em que mantém os
indivíduos intelectualmente engajados. De acordo com a pesquisadora, a baixa
escolaridade é fator de risco para as demências na velhice. “A hipótese é que
pessoas com maior escolaridade, com profissões complexas e que estão sempre
aprendendo tenham maior reserva cognitiva. Essa suposta reserva estaria
associada a um processamento cerebral mais eficiente; e face a um processo
neurodegenerativo, como a doença de Alzheimer, a pessoa continuaria
apresentando bom desempenho cognitivo por um maior número de anos. Existem
alguns estudos que sugerem que as pessoas com maior reserva cognitiva poderiam
ter maior conectividade entre regiões importantes para processamento complexo”,
complementa.
Uma das descobertas mais curiosas a partir dos estudos
coordenados pela professora estabeleceu uma relação entre aspectos de
fragilidade física e cognição dos velhos: “Sabemos que os idosos com lentidão
na marcha e pouca força de preensão nas mãos têm pior desempenho em testes de
memória de outras funções cognitivas. Parece haver uma conversa cruzada entre
sistemas motores e cognitivos”.
INDEPENDÊNCIA FUNCIONAL
Paulo Farinatti, professor de educação física na
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e na Universidade Salgado de
Oliveira e especialista em fisiologia do exercício e atividades físicas para
populações com necessidades especiais, afirma que “a saúde física está ligada à
autonomia de ação e independência funcional”. Para o especialista, dois
aspectos são importantes para a manutenção da autonomia funcional do velho:
“Primeiro, a capacidade de caminhar. Há muitos estudos que mostram que a perda
de autonomia e até a previsão de morte das pessoas idosas aumentam muito quando
a pessoa perde a capacidade de caminhar sozinha. Caminhar é uma coisa fundamental.
Outra coisa que se pode fazer em casa são atividades para a manutenção da
força. Coisas simples como sentar e levantar de uma cadeira, subir e descer
degraus em casa, pegar pequenos pesos e objetos e levantar acima dos ombros.
São exercícios que a pessoa idosa pode fazer todo dia sem acompanhamento e
risco algum”.
Vice-diretor da Universidade Aberta da Terceira Idade
(UnATi) da UERJ, Farinatti diz que um dos papéis mais importantes da
instituição – que conta com 3 mil alunos – é formar profissionais que irão
atender pessoas idosas. Está em curso um projeto para transformar a UnATi em
uma unidade acadêmica independente, com o nome de Instituto do Envelhecimento
Humano, que, segundo o especialista, será o primeiro do gênero no Brasil,
oferecendo formação acadêmica ligada às questões da geriatria e gerontologia.
Autor do livro Envelhecimento – Promoção da saúde e
exercício (Editora Manole), o professor afirma que o principal desafio para a
promoção da saúde é “popularizar e oportunizar as atividades físicas junto à
população idosa. Hoje, no Brasil, não temos uma política de atividades físicas
que garanta espaço de atuação para as pessoas mais velhas de forma sistemática
e perene. Você tem campanhas de promoção da atividade física que são meramente
informativas, isso é uma coisa boa, mas não significa criar as condições para
que a pessoa possa realizar”.
DOENÇAS CRÔNICAS
O trabalho de investigação de Miguel Garay, biólogo
experimental da USP que pesquisa doenças crônicas (DC) associadas ao
envelhecimento, é dividido em duas linhas de pesquisa coordenadas por ele.
Ambas utilizam a biologia molecular para auxiliar o diagnóstico precoce e o
acompanhamento após o tratamento do câncer de próstata e câncer de mama (mais
comuns entre idosos) e síndromes metabólicas (diabetes, hipertensão e
dislipidemia).
Segundo o especialista, “as DCs com maior prevalência e
mortalidade na velhice são as metabólicas (doenças cardiovasculares associadas
a diabetes, pressão e colesterol altos) e alguns tipos de câncer. Elas não surgem,
mas são ‘construídas’ ao longo da vida, dependendo da relação direta e complexa
entre caraterísticas genéticas e estilo de vida. A reeducação alimentar, a
prática de atividade física e o autocuidado integral são fundamentais para a
prevenção”.
Garay, que divide seu tempo entre as salas de aula, o
laboratório e as pesquisas de campo, explica que as pessoas estão vivendo mais
em razão de uma alteração na incidência das doenças. “O que tem contribuído
decididamente para o aumento da expectativa de vida é a transição
epidemiológica, ou seja, a diminuição de mortes de pessoas jovens por doenças
agudas (infecções) e o aumento de mortes por DCs. Embora muitos avanços tenham
sido feitos para enfrentar as DCs, tais como novos remédios e cirurgias, os
impactos desses progressos na expectativa de vida têm sido baixos, quase
exíguos.”
E apesar de se conhecer uma parte das razões para o
crescimento da expectativa de vida, os resultados das pesquisas atuais só serão
visíveis daqui a vários anos. “Espera-se que as novas tendências surgidas a
partir de estudos funcionais específicos e de larga escala, com auxílio da
robótica, big data e inteligência artificial, possam ter um efeito mais claro
após 2025, mediante a consolidação dos chamados diagnósticos moleculares.”
POLÍTICA PÚBLICA CONTRADITÓRIA
O quadro da saúde brasileira é repleto de contradições,
embora existam aspectos que evoluíram nos últimos anos. Contudo, o futuro da
população idosa nesse contexto não é animador, a começar pela inequidade e
falta de acesso de grande parte da população à saúde de alta qualidade. “Os
Estados Unidos têm desenvolvido novos remédios e cirurgias, porém, a Inglaterra
e países do norte da Europa (Suécia, Islândia, Dinamarca) e alguns da América
Latina (Cuba) têm desenvolvido uma saúde preventiva de altíssimo nível. Nesse
sentido, o impacto das pesquisas biológicas tanto na prevenção das DCs no
Brasil quanto no tratamento tem sido ainda menor que em outros países, pois o
número de doentes só aumenta e a qualidade de atenção diminui”, enfatiza Miguel
Garay.
Um paradoxo está no centro do debate sobre as DCs no
contexto do SUS e das políticas públicas, de acordo com o cientista da USP. “Um
dos poucos avanços, a cobertura do atendimento do SUS, tem melhorado o
diagnóstico das DCs metabólicas. Esse fator contribui para o aumento do número
de indivíduos doentes e para o número de consumidores de remédios e usuários de
serviços, fato que dificulta a abrangência de um cuidado integral e universal
da saúde dos idosos, pela escassez de recursos públicos.”
Embora existam lacunas graves em políticas públicas que
deveriam contribuir com o envelhecimento digno e saudável dos cidadãos, é comum
ouvir opiniões positivas de especialistas do envelhecimento sobre o novo papel
que os velhos passam a ocupar na sociedade.
Texto e imagem reproduzidos do site: livrariacultura.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário