terça-feira, 30 de janeiro de 2018

A construção da saúde para o envelhecer


A construção da saúde para o envelhecer
Por Renato Rocha Mendes

O envelhecimento é inexorável, e o envelhecer de maneira saudável é determinante para o bem-estar do indivíduo e para o seu engajamento social e intelectual. Mas até que ponto as pessoas com mais de 60 anos se dedicam a ter uma vida saudável – física e mentalmente? De que forma os indivíduos em geral – e os jovens em particular – se preparam para isso? Embora grande parte da população tenha contato com idosos, no dia a dia uma parcela ínfima reflete sobre os processos que impactam a saúde nesse período da vida. Caminhar na direção do envelhecimento saudável e ativo é refletir sobre a memória, as emoções, o corpo e a prevenção de doenças.

A psicóloga Mônica Yassuda, orientadora do programa da pós-graduação em gerontologia da USP e da Unicamp, afirma que “não estar isolado e ter propósito de vida” também significa ter saúde. Pesquisadora de temas como cognição e envelhecimento, memória, treino cognitivo e neuropsicologia – todos relacionados à psicologia do envelhecimento –, Yassuda diz que a depressão e a ansiedade na velhice são condições comuns entre os velhos. Mas um dos maiores desafios, em sua opinião, está ligado à compensação das perdas diversas. “Perdas constantes – físicas, de papéis sociais, renda, poder e das pessoas amadas. Entendemos hoje que as pessoas que envelhecem bem, de algum modo, conseguem selecionar e compensar essas perdas. Por exemplo, um atleta que não consegue mais correr provas de longas distâncias, como uma maratona, devido à atrite/artrose, pode continuar a correr provas mais curtas ou passar a nadar.”

Existem atitudes e posturas, como o engajamento social, que podem contribuir para uma vida emocional mais saudável. E, como atesta a psicóloga, há vários dados de pesquisa que sugerem que as pessoas socialmente engajadas têm melhores indicadores de saúde e menor risco para declínio cognitivo e demências. “Imagina-se que as pessoas mais engajadas realizem mais atividades estimulantes para o cérebro e também se protejam de doenças como a depressão. A troca de informações e a formação de rede social podem exercer proteção.”

Assim como os demais órgãos do corpo, o cérebro também envelhece e, segundo Yassuda, entre as transformações mais importantes para a cognição estão a atrofia cerebral, a redução volumétrica de áreas específicas como os hipocampos (essenciais para a formação de novas memórias), a redução na quantidade de neurotransmissores, o aumento no número de lesões vasculares, entre outros. Sob a perspectiva da cognição e da memória, a ideia de “aprendizagem ao longo da vida” é positiva, na medida em que mantém os indivíduos intelectualmente engajados. De acordo com a pesquisadora, a baixa escolaridade é fator de risco para as demências na velhice. “A hipótese é que pessoas com maior escolaridade, com profissões complexas e que estão sempre aprendendo tenham maior reserva cognitiva. Essa suposta reserva estaria associada a um processamento cerebral mais eficiente; e face a um processo neurodegenerativo, como a doença de Alzheimer, a pessoa continuaria apresentando bom desempenho cognitivo por um maior número de anos. Existem alguns estudos que sugerem que as pessoas com maior reserva cognitiva poderiam ter maior conectividade entre regiões importantes para processamento complexo”, complementa.

Uma das descobertas mais curiosas a partir dos estudos coordenados pela professora estabeleceu uma relação entre aspectos de fragilidade física e cognição dos velhos: “Sabemos que os idosos com lentidão na marcha e pouca força de preensão nas mãos têm pior desempenho em testes de memória de outras funções cognitivas. Parece haver uma conversa cruzada entre sistemas motores e cognitivos”.

INDEPENDÊNCIA FUNCIONAL

Paulo Farinatti, professor de educação física na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e na Universidade Salgado de Oliveira e especialista em fisiologia do exercício e atividades físicas para populações com necessidades especiais, afirma que “a saúde física está ligada à autonomia de ação e independência funcional”. Para o especialista, dois aspectos são importantes para a manutenção da autonomia funcional do velho: “Primeiro, a capacidade de caminhar. Há muitos estudos que mostram que a perda de autonomia e até a previsão de morte das pessoas idosas aumentam muito quando a pessoa perde a capacidade de caminhar sozinha. Caminhar é uma coisa fundamental. Outra coisa que se pode fazer em casa são atividades para a manutenção da força. Coisas simples como sentar e levantar de uma cadeira, subir e descer degraus em casa, pegar pequenos pesos e objetos e levantar acima dos ombros. São exercícios que a pessoa idosa pode fazer todo dia sem acompanhamento e risco algum”.

Vice-diretor da Universidade Aberta da Terceira Idade (UnATi) da UERJ, Farinatti diz que um dos papéis mais importantes da instituição – que conta com 3 mil alunos – é formar profissionais que irão atender pessoas idosas. Está em curso um projeto para transformar a UnATi em uma unidade acadêmica independente, com o nome de Instituto do Envelhecimento Humano, que, segundo o especialista, será o primeiro do gênero no Brasil, oferecendo formação acadêmica ligada às questões da geriatria e gerontologia.

Autor do livro Envelhecimento – Promoção da saúde e exercício (Editora Manole), o professor afirma que o principal desafio para a promoção da saúde é “popularizar e oportunizar as atividades físicas junto à população idosa. Hoje, no Brasil, não temos uma política de atividades físicas que garanta espaço de atuação para as pessoas mais velhas de forma sistemática e perene. Você tem campanhas de promoção da atividade física que são meramente informativas, isso é uma coisa boa, mas não significa criar as condições para que a pessoa possa realizar”.

DOENÇAS CRÔNICAS

O trabalho de investigação de Miguel Garay, biólogo experimental da USP que pesquisa doenças crônicas (DC) associadas ao envelhecimento, é dividido em duas linhas de pesquisa coordenadas por ele. Ambas utilizam a biologia molecular para auxiliar o diagnóstico precoce e o acompanhamento após o tratamento do câncer de próstata e câncer de mama (mais comuns entre idosos) e síndromes metabólicas (diabetes, hipertensão e dislipidemia).

Segundo o especialista, “as DCs com maior prevalência e mortalidade na velhice são as metabólicas (doenças cardiovasculares associadas a diabetes, pressão e colesterol altos) e alguns tipos de câncer. Elas não surgem, mas são ‘construídas’ ao longo da vida, dependendo da relação direta e complexa entre caraterísticas genéticas e estilo de vida. A reeducação alimentar, a prática de atividade física e o autocuidado integral são fundamentais para a prevenção”.

Garay, que divide seu tempo entre as salas de aula, o laboratório e as pesquisas de campo, explica que as pessoas estão vivendo mais em razão de uma alteração na incidência das doenças. “O que tem contribuído decididamente para o aumento da expectativa de vida é a transição epidemiológica, ou seja, a diminuição de mortes de pessoas jovens por doenças agudas (infecções) e o aumento de mortes por DCs. Embora muitos avanços tenham sido feitos para enfrentar as DCs, tais como novos remédios e cirurgias, os impactos desses progressos na expectativa de vida têm sido baixos, quase exíguos.”

E apesar de se conhecer uma parte das razões para o crescimento da expectativa de vida, os resultados das pesquisas atuais só serão visíveis daqui a vários anos. “Espera-se que as novas tendências surgidas a partir de estudos funcionais específicos e de larga escala, com auxílio da robótica, big data e inteligência artificial, possam ter um efeito mais claro após 2025, mediante a consolidação dos chamados diagnósticos moleculares.”

POLÍTICA PÚBLICA CONTRADITÓRIA

O quadro da saúde brasileira é repleto de contradições, embora existam aspectos que evoluíram nos últimos anos. Contudo, o futuro da população idosa nesse contexto não é animador, a começar pela inequidade e falta de acesso de grande parte da população à saúde de alta qualidade. “Os Estados Unidos têm desenvolvido novos remédios e cirurgias, porém, a Inglaterra e países do norte da Europa (Suécia, Islândia, Dinamarca) e alguns da América Latina (Cuba) têm desenvolvido uma saúde preventiva de altíssimo nível. Nesse sentido, o impacto das pesquisas biológicas tanto na prevenção das DCs no Brasil quanto no tratamento tem sido ainda menor que em outros países, pois o número de doentes só aumenta e a qualidade de atenção diminui”, enfatiza Miguel Garay.

Um paradoxo está no centro do debate sobre as DCs no contexto do SUS e das políticas públicas, de acordo com o cientista da USP. “Um dos poucos avanços, a cobertura do atendimento do SUS, tem melhorado o diagnóstico das DCs metabólicas. Esse fator contribui para o aumento do número de indivíduos doentes e para o número de consumidores de remédios e usuários de serviços, fato que dificulta a abrangência de um cuidado integral e universal da saúde dos idosos, pela escassez de recursos públicos.”

Embora existam lacunas graves em políticas públicas que deveriam contribuir com o envelhecimento digno e saudável dos cidadãos, é comum ouvir opiniões positivas de especialistas do envelhecimento sobre o novo papel que os velhos passam a ocupar na sociedade.

Texto e imagem reproduzidos do site: livrariacultura.com.br

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