Sundar Pichai, executivo-chefe do Google, durante a entrevista na sede da empresa,
em Mountain View (Califórnia). TIANA HUNTER (GOOGLE)
Publicado originalmente no site Brasil Elpais, em 08/12/2017.
Chefe do Google: “Estamos preocupados com as interferências
políticas. Cometemos erros”
Sundar Pichai, executivo-chefe da empresa, defende a adoção
da inteligência artificial para o futuro.
Ele se rende às exigências da Europa quanto à gestão de
dados e concorrência
Por Rosa Jiménez Cano.
Sundar Pichai (Madurai, 1972) chegou há pouco mais de dois
anos ao trono do Google, uma empresa onde entrou em 2004. Sua primeira grande
responsabilidade foi o Chrome, um navegador que hoje lidera o mercado. Depois
acrescentou o Drive (sua nuvem), o Google Maps e o Android. Uma soma que lhe dá
uma visão única da sua empresa e do panorama tecnológico. Pichai, pai de duas
filhas, de origem humilde e imigrante da Índia, é visto como um dos executivos
mais otimistas do Vale do Silício. Vegetariano, usa trajes informais e fala em
tom de bate-papo, com uma postura e uma proximidade bastante incomuns entre os
dirigentes empresariais.
“A inteligência artificial é o maior desafio e a maior
oportunidade da humanidade”
Antes de responder às perguntas do EL PAÍS na sede do
Google, Pichai comenta suas preocupações. Uma delas é a Europa, uma região
prioritária para a companhia, onde já soma mais de 14.000 funcionários em 40
cidades: “Temos um compromisso com a engenharia, com as teles, com o comércio e
a indústria automotiva. Queremos fazer mais acordos e acelerar a adoção da
inteligência artificial e o machine learning (capacidade de aprendizagem das
máquinas)”.
A transformação digital é outra prioridade, tanto no velho
continente como nos EUA: “Queremos ajudar com formação. Não se trata de que
todo mundo aprenda a programar, mas sim de que sejam adotadas habilidades
digitais. Antes, um funcionário administrativo podia trabalhar sem necessidade
de saber nada de informática. Hoje não”.
A evolução dos meios de comunicação é outra de suas
preocupações. “Quando lançamos a DNI [Iniciativa de Notícias Digitais],
começamos com ideias básicas. Agora já estamos metidos em como facilitar a
assinatura ou promover o melhor conteúdo. É uma missão que nos apaixona”, diz.
Apesar do incontestável crescimento da empresa, o último ano
foi turbulento: das acusações de machismo ao escândalo da propaganda russa.
Pichai encara as perguntas falando também da sua outra paixão, o futebol,
justamente quando eram anunciadas as chaves da próxima Copa.
Pergunta. Vocês anunciaram um fundo de um bilhão de dólares
para formação. Por quê?
Resposta. Queremos que a revolução digital chegue a todos.
Antes, você aprendia uma vez e isso lhe servia para sempre. Hoje se aprende o
tempo todo. É um processo constante. É preciso se adaptar. Queremos apoiar com
bolsas e ajudas para cursos de nove meses a um ano. Não se trata de oferecer
uma quantia em dinheiro, e sim de incluir mais pessoas, dotando de recursos e
ferramentas, como celulares ou Chromebooks. É um esforço global onde a
inteligência artificial e o machine learning terão um papel muito importante.
“Queremos melhorar a inclusão das mulheres. Vamos muito
devagar”
P. A sociedade está preparada para a inteligência
artificial?
R. É o maior desafio e a maior oportunidade que a humanidade
tem diante de si. Entender os benefícios desta grande revolução é crucial para
administrar seu impacto na saúde, na educação e no meio ambiente. Temos que
trabalhar juntos e nos preparar para o futuro. Não é só uma coisa do Google,
mas de todos. É necessária uma abordagem ética e responsável. Mais empregos
serão gerados do que destruídos. Vamos viver mais tempo, e melhor.
P. Como executivo-chefe do Google, que conselho você daria
aos líderes políticos?
R. Recentemente participei na Alemanha de jornadas de
reflexão sobre a educação. Pensamos em tudo o que foi obtido na inteligência
artificial e em como adaptar isso. A indústria alemã já está entrando neste
campo.
“Há duas barreiras que eu gostaria de derrubar: a do idioma
e mitigar o câncer”
P. Elon Musk, cofundador da Tesla, alerta que a inteligência
artificial pode destruir a humanidade. Ele tem razão?
R. O debate é necessário e importante. Compartilho da
preocupação dele, mas não acredito que essa conversa tenha que ser entre Musk,
Zuckerberg ou Pichai, e sim algo global. Como acontece com os acordos de Paris
sobre a mudança climática, não pode ser algo unilateral, e sim global. A
opinião do Musk me importa muito. Mas estamos muito no começo do que será a
inteligência artificial.
P. A China tem um plano muito ambicioso nesse campo.
R. É bom que a China invista nisso. Espero que façamos um
acordo para que isso seja global. Vivemos numa economia de interdependência, e
o lógico é que caminhemos de mãos dadas.
P. A China vai colaborar?
R. Meu assunto não é a geopolítica. Muita gente, como a
Apple, vai bem na China. Nós estamos perto da Xiaomi e da Huawei através do
Android, e os ajudamos a entrar em outros mercados.
P. Como encaram o problema da propaganda russa e os anúncios
no buscador?
R. O que acontece no Google se vê no mundo inteiro, sai na
capa em todos os jornais. Levamos muito a sério. As interferências políticas
nos preocupam. Dada a sua escala, o alcance e o impacto, temos claro que
cometemos erros. Mas também melhoramos. Em momentos assim, só podemos assumir e
melhorar.
P. E questões como a difusão de mensagens terroristas
através de suas plataformas?
R. Fazemos muitas perguntas a nós mesmos. Como um serviço
para bilhões de pessoas, refletimos sobre quanta criptografia é o certo. Além
de restringir o conteúdo, falamos com Governos, escutamos e procuramos formas
de melhorar.
P. Como o Google evoluiu desde a sua chegada?
R. Mantemos a missão de organizar a informação. Assim nasceu
o Gmail em 2004, e 10 anos depois o Google Fotos. Também a busca por impactar
bilhões de pessoas. No Google, mudou o como, mas não a missão. Agora temos mais
plataformas a partir das quais ampliar: Chrome, Android, Google Cloud, os
relógios… Os fabricantes de carros também estão perto de nosso ecossistema.
Levamos a capacidade do Google a todos os âmbitos.
P. O Google Home é sua aposta para conquistar o lar?
R. É a maneira de dizer que a inteligência artificial é
nossa prioridade. Nem sempre você está na frente do computador ou com uma tela.
Com o Google Home, posso estar em família e fazer uma consulta ou pedir uma
canção. Poder falar e interagir de maneira natural nos vai tornar mais
produtivos. Estamos no começo. É só uma amostra do que será.
P. Como se constrói a confiança?
R. Ser uma empresa de tecnologia torna a gente vulnerável,
obriga a ficar alerta o tempo todo. O WhatsApp, por exemplo, mudou as coisas
completamente. Há cinco anos, um taxista na Europa estava me explicando como
usá-lo. Os usuários podem escolher. Se usam algo é porque satisfaz
necessidades, e a partir daí se constrói a confiança. O importante é ser capaz
de fazer isso em grande escala, mantendo os princípios. Se você olhar para trás
e observar quais eram as empresas líderes há 10 ou 20 anos, perceberá que ou
você faz isso direito ou cai.
P. Sucedem-se no Vale do Silício as acusações de sexismo e
falta de diversidade. O Google é uma das empresas que são alvo das críticas,
com um caso especialmente noticiado há alguns meses.
R. O Google foi uma das primeiras empresas a fazerem
relatórios de diversidade. Agora todos fazem. Queremos melhorar a inclusão.
Reconheço que vamos muito devagar, que não conseguimos chegar ao ponto que
desejo. Pensamos em longo prazo: são necessárias mais mulheres nas ciências,
tecnologia, matemática e engenharia… Não podemos nos dar ao luxo de deixar
metade da humanidade de lado. Se as mulheres não estão representadas, se não se
sentem parte de tudo isto, se não contarmos com seus pontos de vista, se não
tivermos empatia, não vamos a lugar nenhum.
P. Qual é o papel da ficção científica na inovação?
R. Cresci sem tecnologia, sem acesso a nada. Vivi a mudança.
Na minha casa, tivemos que esperar cinco anos para ter um telefone. Lembro que
levava quatro horas para ir ao hospital e pedir os exames da minha mãe. Às
vezes eu voltava sem saber o resultado. Mais quatro horas de retorno. Quando
tivemos telefone, bastavam os dois minutos de uma ligação para saber a
informação. Com o Android em bilhões de telefones, eu me surpreendo com o
impacto. E sei que essa capacidade de imaginar faz com que se construa mais.
Sempre vi a tecnologia como motor da mudança. É mais do que imaginamos. Há duas
barreiras que eu gostaria de derrubar: a do idioma — queria que fôssemos
capazes de fazer um sistema de comunicação em tempo real — e mitigar o câncer.
Não suporto ver a quantidade de gente que morre por não detectá-lo a tempo.
“PODERÍAMOS TER AJUDADO NA CRISE DO OPIÁCEOS”
Pergunta. A Comissão Europeia impôs uma multa de mais de 2,4
bilhões de euros (9,3 bilhões de reais) por abuso com o Google Shopping. Como
você encara isso?
Resposta. Respeitamos a Comissão. Estamos ainda em pleno
processo jurídico. Vamos aperfeiçoar o Google Shopping para que cubra melhor as
necessidades do usuário. Temos que fazer o que é certo. Escutamos e assumimos.
O mesmo em questões como terrorismo, também estamos muito atentos às
indicações. É algo que nos importa.
P. Aproxima-se a entrada em vigor da GDPR (normativa
europeia de proteção de dados). É um desafio?
R. Vamos nos adaptar à normativa. Sempre queremos tornar a
nossa empresa mais competitiva. Se além disso pudermos ajudar a Europa, melhor.
Queremos uma Europa forte. Se todos usarem o Gmail, vamos torná-lo ainda mais
seguro. A privacidade nos interessa e faremos o que nos pedirem. Mas temos que
ir com cuidado. Não me perdoo por não ter feito nada diante da crise dos
opiáceos. A tendência de busca, de receitas, a informação… Todo isso estava lá
fazia 10 anos. Se tivéssemos visto a tempo, poderíamos ter ajudado.
Texto e imagem reproduzidos do site: brasil.elpais.com
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