Ilustração - Doug Firmino/Mundo Estranho.
Publicado originalmente no site da revista Mundo Estranho, em 22 dez 2017
Qual a origem da lenda do lobisomem?
Quase todas as culturas antigas tinham lendas que misturavam
homem e animal, como forma de explicar, por exemplo, crimes violentos e surtos
de fúria
Por Bruno Machado
NASCE O LINCANTROPO
Referências a homens-lobo aparecem nas obras de filósofos
antigos, como Heródoto, Pausânias e Plínio, o Velho. Na mitologia grega, existe
a história do rei Licaão da Arcádia, que fez Zeus comer as vísceras cozidas do
próprio filho. Para puni-lo, o deus o transformou num lobisomem. É dele que vem
o termo “licantropia” (a habilidade mágica de se transformar nessa criatura).
SE FICAR, O BICHO PEGA…
Quase todas as culturas antigas tinham lendas que misturavam
homem e animal, como forma de explicar, por exemplo, crimes violentos e surtos
de fúria. Onde não havia lobos, o folclore envolvia outros predadores. Em
países africanos, são comuns relatos de pessoas que viram hienas, crocodilos,
leopardos, leões e panteras. Na China, tigres. No Japão, raposas. Na Rússia,
ursos.
… SE CORRE, O BICHO COME
No folclore turco, os xamãs se transformam num lobo
humanoide após longos e árduos rituais. Já na Suécia, os lobisomens eram, na
verdade, mulheres idosas de unhas venenosas, capazes de paralisar o gado e as
crianças com um simples olhar. No Haiti, eles eram conhecidos como Jé-rouge
(olhos vermelhos) e roubavam crianças no meio da noite para passar adiante sua
maldição.
CONCEITOS PARECIDOS
Apesar de variações locais, alguns elementos são comuns. A
transformação ocorre depois que o indivíduo é amaldiçoado, atacado por um lobo
ou lobisomem ou passa por um ritual (como beber uma poção ou vestir a pele de
um lobo). Na maioria das narrativas, ao voltar à forma humana, ele se torna
fraco e deprimido. A prata como ponto fraco veio do folclore europeu do século
19.
A PROVA DO CRIME
Segundo pesquisadores, é no Satiricon que está o primeiro
registro da lenda com os elementos que hoje consideramos clássicos. Essa obra
de ficção do romano Petrônio, do século 1, inclui a história de um soldado que,
sob a lua cheia, vira um lobo, invade uma casa e é ferido no pescoço. Seu
segredo é revelado quando, na manhã seguinte, ele aparece com um ferimento no
mesmo lugar.
MENINOS, EU VI
Outro livro fundamental para a fundação do mito é Otia
Imperialia, escrito por Gervásio de Tilbury no século 13. Na obra, o inglês
afirma que esses monstros são parte do cotidiano da Europa medieval e cita dois
casos de homens com essa maldição. Tudo “verídico”, segundo ele. Uma das
histórias, inclusive, teria sido contada a ele pelo próprio lobisomem. Sei…
NO BANCO DE RÉUS
Na Idade Média, assim como as bruxas, supostos lobisomens
foram submetidos a julgamentos pela Igreja. As acusações geralmente envolviam
magia negra e satanismo, mas também canibalismo, incesto, abuso sexual e
profanação de túmulos. Os casos mais famosos são o do alemão Peter Stumpp, o
Lobisomem de Bedburg, executado em 1589, e o de Hans, o Lobisomem, levado a
júri em 1651, na Estônia. Para alguns pesquisadores, nessa época a lenda pode
ter sido usada para explicar assassinatos em série, por exemplo.
MONSTRO SAGRADO
Também durante a Idade Média, corria o boato de que esses
seres da noite, na verdade, eram excomungados pela Igreja. Mas nem sempre a
habilidade de transformar-se em lobo foi vista como maldição: algumas
narrativas da época afirmam que Deus até havia transmitido esse “dom” a alguns
santos católicos, como São Tomás de Aquino e São Patrício.
FENÔMENO POP
No começo do século 20, a fera aparece em vários romances e
contos de horror. Bram Stoker, autor de Drácula, chegou a escrever um rascunho
com o vampiro e o bicho. O grande clássico com o personagem, porém, viria em
1933: O Lobisomem de Paris, de Guy Endore. Na sétima arte, foi O Lobisomem
(1941), de George Waggner, mas já havia filmes de licantropos desde o cinema
mudo.
É GRAVE, DOUTOR?
Existe licantropia na vida real? De certa maneira. O termo
também designa uma doença psiquiátrica raríssima, com cerca de 30 casos
registrados até hoje. Sob determinadas circunstâncias, o paciente acredita ser
um lobo ou outro animal – há relatos de quem se diz um sapo, uma cobra e até
uma abelha. Os enfermos chegam a rosnar, uivar, grunhir e andar de quatro.
FONTES Livros The Werewolf Delusion, de Ian Woodward, A
Lycanthropy Reader: Werewolves in Western Culture, de Charlotte F. Otten,
Metamorphoses of the Werewolf, de Leslie A. Sconduto, e The Book of Werewolves,
de Sabine Baring-Gould; sites How Stuff Works e Medievalists.Net
Texto e imagem reproduzidos do site: mundoestranho.abril.com.br
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