O apresentador Pedro Bial. (Globo/Divulgação).
Publicado originalmente no site Brasil El País, em 6 DEZ
2017
Pedro Bial: “A relação entre a Globo e o Brasil está longe
de ser tranquila”
Jornalista diz que a conexão com a emissora espelha as
tensões entre o capital e o Estado.
Pai pela quarta vez no mês passado, diz que não sente
saudades do tempo de repórter
Por Marina Rossi.
Assim que recebeu o pedido de entrevista deste jornal, o
apresentador global Pedro Bial disse à sua interlocutora: “Por que será que
eles querem me entrevistar?”. Aos 59 anos, o jornalista carioca trabalha há
mais de 30 anos na rede Globo, a maior emissora do Brasil – “já sou móveis e
utensílios de lá”, diz, brincando, se comparando aos patrimônios materiais devido
ao tempo de casa. De fato, é uma das referências na equipe da Globo. Chamada de
golpista por militantes da esquerda, e comunista por simpatizantes da direita,
a empresa na qual Bial trabalha desde 1981 é hoje um dos maiores símbolos da
polarização política vivida no país. Não à toa, se vê no meio do fogo cruzado,
sendo alvo da cisão ideológica na qual o país se encontra. “Eu ponho coisas nas
redes sociais falando do programa e elas são interpretadas pela direita como se
eu fosse um perigoso esquerdista, e pela esquerda como se eu fosse um
fascista”, conta. As quase duas horas de entrevista em uma padaria em
Higienópolis, bairro nobre de São Paulo, mostraram que Pedro Bial tem muito a
dizer.
O ódio na internet faz com que o apresentador prefira ficar
distante das redes sociais. “Eu não tenho estrutura emocional e imunidade para
frequentar as redes”, afirma. “Eu já fui ameaçado de morte muitas vezes. O cara
diz que eu sou esquerdista e eu não sou. Mas caguei também se eu sou ou não
sou”. Por isso, não tem Facebook e não usa sua conta no Twitter. Mas menciona
as páginas que divulgam pensamentos atribuídos à sua autoria, que, na verdade,
não são dele. “A internet tem essa coisa que me dá um nervoso enorme que são
frases e frases e frases atribuídas a mim, mas nenhuma é minha. E aí eu cheguei
a ter crise de identidade, porque eu que era o falso. O verdadeiro eram os
outros”, diz, rindo, enquanto coloca água com gás no café. “É para
esfriar", explica. "Ih... você já tá percebendo as minhas manias?”.
A única conta que o apresentador administra pessoalmente -
“com cuidado” - é a do Instagram. Ali, vez ou outra divulga os shows do filho
mais velho, Theo, 19, que está começando a carreira de músico. Também posta
algumas fotos dos convidados do seu programa, Conversa com Bial, talk-show que
passa de segunda à sexta-feira no início da madrugada, depois do Jornal da
Globo.
Na grade da emissora desde maio deste ano, Conversa já
contou com personalidades das mais variadas áreas. Do ex-presidente uruguaio
Pepe Mujica, passando pelo escritor israelense Yuval Harari, a presidenta do
Supremo Tribunal Federal, a ministra Cármen Lúcia, e o general Eduardo Villas
Boas, atual comandante do Exército brasileiro,. E, claro, atores globais e
cantores com a dupla sertaneja César Menotti e Fabiano. “Eu não frequento as
redes sociais, mas fico com o meu ouvido ligado na maioria silenciosa, que é
quem ainda decide a audiência na tevê aberta”, diz. “A vitória do Trump, o
Brexit, a eleição do [prefeito de São Paulo] Doria, foi a maioria silenciosa
[quem decidiu]".
Bial afinou o ouvido para este público majoritário ao longo
das 16 edições do Big Brother Brasil que apresentou. “Eu comecei estranhando
muito”, diz. “E o Big Brother era um lugar que atraía ódio de todas as
naturezas. Inclusive um ódio mais amoroso, que era de quem gostava do
correspondente, do jornalista, e se sentiu traído, se ofendia com o fato de eu
estar lá vendido, entre aspas, ao entretenimento, e esses falaram coisas
horríveis pra mim”, lembra.
As críticas atingiram o apresentador, que já foi
correspondente de guerra da rede Globo. "Me sentia magoado, mas hoje
entendo melhor". Para ouvir as perguntas feitas pela reportagem, Bial
inclina levemente a cabeça para o lado esquerdo, já que teve a audição do
ouvido direito comprometida quando uma bomba estourou ao seu lado na cobertura
da guerra da Bósnia (1992 - 1995). Esta herança fez com que hoje, a estética do
seu programa quebrasse as tradições dos talk shows: o cenário do Conversa com
Bial deixa o apresentador do lado
esquerdo do entrevistado, ao contrário de todos os outros programas neste
formato. O pedido partiu dele mesmo, para que pudesse ouvir melhor seus
convidados.
Da época de repórter, conta, não sente saudade. "Tenho
orgulho. Não sei como seria cobrir uma guerra hoje, porque hoje eu tenho uma
outra relação com o desconforto", diz. "Acho que eu encararia, mas
fisicamente já não tenho as mesmas articulações, tenho artrose no joelho",
diverte-se. Contrariando o autobullying, a idade não parece ser um impeditivo
na vida do apresentador, jornalista, escritor e roteirista. No mês passado, foi
pai pela quarta vez. Laura, sua segunda filha mulher, nasceu do casamento com a
jornalista Maria Prata. "Vou ter que arrumar um corpo de cardiologistas,
porque no momento em que a minha filha de 30 anos (a artista plástica Ana Bial,
do casamento com a jornalista Renée Castelo Branco) pegar no colo a minha filha
de meses, eu vou cair duro", conta, orgulhoso. Além de Theo Bial, do
relacionamento com a atriz Giulia Gam, ele é pai também de José Pedro Bial,15,
fruto da relação com a cineasta Isabel Diegues.
Ao ser questionado sobre a paternidade à beira dos 60, fica
poético. "A vida é longa demais para se morrer várias vezes e por isso é
possível nascer várias vezes também", disse, enquanto tirava o blazer para
sentar-se à mesa. Para a entrevista, vestiu-se da mesma maneira que se veste
para apresentar o programa: calça jeans, camisa e blazer. Chegou à padaria mais
cedo que o horário marcado, pediu um sanduíche de presunto parma sem olhar o
cardápio. Respondeu a todas as perguntas. Algumas com mais reflexão que outras.
"Outro dia me caiu a ficha: caramba, tem menos de 12 meses para as
eleições e eu vou chegar na urna com essas opções que estão aí? O que eu vou
fazer? Vou anular?".
Talvez porque realmente não saiba o que fazer, não mencionou
candidatos ou preferências. Lembrou-se de um episódio no consulado brasileiro
nos Estados Unidos em 1994, pouco antes de iniciar a Copa do Mundo. "O
Lula estava ali e se comportava como presidente eleito já, cheio de si, com os
jornalistas em volta [o petista perderia a eleição daquele ano no primeiro
turno para o tucano Fernando Henrique Cardoso]", lembra. "Hoje o
contexto é diferente, mas as coisas acontecem. Parece que não tem nada para
acontecer, mas há um espaço ali, entre estes dois extremos que existem hoje",
diz. "É preciso ver o que vai aparecer no centro e se este candidato terá
capacidade de chegar no segundo turno", analisa o apresentador, que se
autointitula "um liberal democrata, se você quiser me enquadrar
ideologicamente em algum lugar".
Para ele, esquerda e direita estão obsoletas. "Um
reproduz o outro e um torna o outro possível, mas nenhum dos dois campos
respondem às necessidades do século XXI". Ainda sobre o ano que vem,
afirma que pretende atuar no programa, tentando buscar "um nível positivo,
de um Brasil que funciona, a despeito de Brasília".
Medo da "sifudência"
Filho de uma família de refugiados, Bial teve pouca
convivência com o pai, um alemão que chegou ao Brasil ao lado da mulher, com
fortes traumas da Segunda Guerra. "Quem é filho de refugiados entende a
grande desestruturação que é ser um refugiado. Você se refugia por causa de uma
grande desestruturação nacional, que se reflete numa grande desestruturação
familiar e, depois, individual", diz. "O que eu via como uma família
aparentemente sólida quando eu era criança, não tinha solidez nenhuma. Acho que
por isso, o medo da sifudência [um neologismo para quem pode se dar mal] talvez
tenha me levado ao workaholismo". Diz que já ficou mal por causa do ritmo
de trabalho, mas hoje tenta equilibrar. Não faz mais terapia, tendo trocado a
psicanálise por coaching.
O vício em trabalho talvez tenha contribuído, por outro
lado, para que o apresentador se tornasse prata da casa na Globo, e possa hoje
falar com tanta propriedade sobre a emissora. "A relação entre a Globo e o
Brasil está longe de ser tranquila. É uma relação que espelha as nossas tensões
entre o grande capital e o Estado. A Globo é a catedral da iniciativa privada
brasileira". Reconhece que a emissora vem passando por mudanças, e diz que
já presenciou "algumas eras" da empresa.
Neste momento, a companhia está lidando com questões
envolvendo racismo e assédio. No mês passado, afastou o apresentador estrela do
Jornal da Globo, William Waack depois de vazar um vídeo em que ele faz
comentários racistas. Em abril, teve de fazer outra gestão de crise depois que
veio à tona casos de assédio sexual provocados pelo galã da emissora, o ator
José Mayer. Na época, as funcionárias da emissora se organizaram para se
manifestar em solidariedade à vítima, a figurinista Susllem Tonani. Diante dos
fatos, o apresentador prefere ponderar.
"Eu não me considero um cara feminista", diz. "Estou com
as mulheres, mas acho a última onda do feminismo muito radical. Mas também
reconheço que a emancipação feminina libertou inclusive a nós homens,
significativamente", fala, pedindo para se explicar. "É muito difícil
ser mulher, historicamente. Você entende por que é preciso existir um dia
internacional da mulher, mas eu tenho dois filhos e sei o quanto é difícil ser
homem, ser, por exemplo, viril, sem ser grosseiro".
Texto e imagem reproduzidos do site: brasil.elpais.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário