Publicado originalmente no site da revista Trip, em 19.12.2017
Fake News e a Guerra - Política em 2018
Em um ano eleitoral, as notícias falsas podem virar arma de
guerra.
Entenda como elas alimentam o que há de pior em nós
Por Carol Ito
2018, ano de eleições. O cenário é de guerra. As redes
sociais são bombardeadas por notícias falsas, replicadas por robôs, que atingem
milhares de pessoas em poucos minutos. Um texto raivoso contra um candidato é
compartilhado em grupos de Whatsapp – sem autoria, nem fonte de informação – e,
de repente, vira o assunto do momento. Muito antes de desmentirem o boato, o
estrago está feito. Opiniões vazias são reforçadas e o debate público segue sem
avanços.
Todos estão preocupados sobre como a internet vai afetar as
eleições do ano que vem, já que o cenário da guerra virtual vem sendo
construído, pelo menos, desde as eleições de 2014. A pesquisa Robôs, redes
sociais e política no Brasil, realizada pela Diretoria de Análise de Políticas
Públicas da Fundação Getulio Vargas (FGV/DAPP), avaliou a influência de robôs
no Twitter durante as eleições de 2014. Cerca de 10% do debate nessa rede
social foi gerado por robôs e eles seguem atuando em momentos políticos
decisivos, como no caso da greve geral de abril de 2017 (20% das interações a
favor da greve foram criadas por contas automatizadas).
Em outubro, o Tribunal Super Eleitoral (TSE) anunciou que se
juntaria ao Exército, à Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e à Polícia
Federal para discutir soluções para o problema das fake news, termo que se
popularizou durante a campanha presidencial de Donald Trump. As justificativas
são de que o TSE não teria pessoal suficiente para cuidar do assunto e que o
governo teme os impactos das notícias falsas, assim como ocorreu em eleições de
outros países. Em 2017, uma investigação feita pelos serviços de inteligência
dos Estados Unidos apontou que a Rússia, através das plataformas digitais,
teria influenciado a campanha eleitoral que elegeu Donald Trump.
Sangue no olho
O professor da USP Márcio Moretto Ribeiro é um dos
coordenadores do Monitor do Debate Político no Meio Digital, projeto criado em
2015, que tem como objetivo mapear e analisar o debate na internet com base na
coleta de notícias.
“Os temas morais mobilizam a opinião pública com mais
paixão”
A partir dos dados levantados pela plataforma, ele avalia
que as fake news se reproduzem em uma “dinâmica bélica", confrontando,
principalmente, temas tabus, como aborto, legalização das drogas, pena de morte
e casamento gay. “Os temas morais mobilizam a opinião pública com mais paixão”,
observa o professor.
“O que é mais impressionante não é a replicação de notícias
falsas, é a replicação de discursos de ódio”
Nesse cenário, a racionalidade perde a vez: “Existem
replicadores de notícias falsas? Existem, sim. São milhões? Não. O que é mais
impressionante não é a replicação de notícias falsas, é a replicação de
discursos de ódio”, observa Sérgio Amadeu da Silveira, membro do Comitê Gestor
da Internet no Brasil (CGI.Br) e do Coletivo Digital. Ele pondera que o
problema das fake news não é nenhuma novidade: “Não há nada mais descabido do
que falar que notícias mentirosas
passaram a poluir as redes durante as eleições, sempre criaram notícias
manipuladas”. O que tem de novo é que “o Brasil está radicalizado e a internet
permite que um conteúdo seja replicado imediatamente e atinja milhões de
pessoas”.
As armas
Outra novidade é a alteração no Código Eleitoral que proíbe
a “veiculação de qualquer tipo de propaganda eleitoral paga na internet”, com
exceção do “impulsionamento de conteúdos (…) contratado exclusivamente por
partidos, coligações e candidatos e seus representantes”. Ou seja, não é
permitido pagar para fazer propaganda na internet, mas é possível pagar para
que determinada notícia alcance mais pessoas.
Para Sérgio Amadeu, isso “é uma forma de concentração do
poder econômico nas mãos de plataformas que são jardins murados”, como Google e
Facebook. Em relação aos possíveis efeitos nas eleições, nada de novo: “Quem
tem mais dinheiro faz a maior campanha. O tal do crescimento orgânico nas redes
sociais, sem pagamento, vai ser ainda mais dificultado”, afirma Sérgio. O que
está em jogo é o que ele chama “direito à visualização” que, em 2018, vai ser
tão importante quanto a liberdade de expressão.
Se as armas usadas na guerra são as fake news, é preciso
entender o que são e como funcionam. O jornalista Edgard Matsuki criou o site
de checagem de notícias, Boatos.org, em 2013, antes da discussão sobre fake
news se popularizar. Ele observa que existe uma linha tênue entre notícia falsa
e notícia distorcida, o que dificulta o trabalho de checagem. Outro obstáculo é
a prática de misturar informação factual com opinião, que é muito comum em
blogs, sites e redes sociais.
Um grande vetor de notícias falsas é o Whatsapp, segundo
Edgard: “O Facebook tem estratégias para bloquear notícia falsa, no Whatsapp
isso não acontece, não tem um algoritmo que restringe o acesso”. Os textos
costumam ser alarmistas e logo são replicadas em sites que ganham dinheiro com
cliques, numa grande bola de neve.
Quando uma pesquisa sobre fake news vira alvo dos criadores
de fake news é sinal de que algo está muito errado. Foi o que aconteceu em 2017
com o Monitor do Debate Público no Meio Digital. Blogs e sites replicaram uma
notícia com a seguinte manchete: “Estudo da USP embasa lista dos 10 maiores
sites de falsas notícias do Brasil”. “O Monitor nunca fez esse estudo, tentamos
desmentir várias e várias vezes”, conta Márcio Moretto. Ele explica que pegaram
resultados divulgados pela pesquisa e “adaptaram” para defender um
posicionamento político. “O ideal seria que as pessoas não replicassem sem
checar, mas, com a atual dinâmica das redes sociais, isso não funciona”,
lamenta.
“Não compartilhar é um ato político”
O que fazer diante da guerra anunciada para 2018? Os ativistas
digitais defendem que o comportamento das pessoas online é o que pode virar o
jogo. O CGI.br pretende criar um guia de boas práticas para conscientizar os
usuários de que não dá pra sair por aí compartilhando tudo que noticiam.
Para Cris Tardáguila, diretora da Agência Lupa,
especializada em checagem, “o objetivo para 2018 é fazer com que o cidadão
saiba que ele será alvo de notícia falsa”. Ela defende que o Brasil precisa de
um “exército de checadores”, formado por pessoas capacitados para “confrontar
dados públicos, identificar se a notícia é falsa ou exagerada". A Lupa,
inclusive, têm um projeto de educação para o combate à desinformação.
O TSE também precisa criar medidas até março e está
realizando audiências públicas para discutir o assunto. Márcio acredita que a
preocupação do governo é válida, mas não pode resultar em censura. “Uma coisa
que poderia muito bem ser feita são campanhas de conscientização”, completa.
Para Sérgio, não compartilhar uma informação que pareça
suspeita é um ato político, no sentido de que “devemos torcer para um candidato
com base na razão, não no ódio”. As emoções falam alto, ainda mais nesse
momento em que o Brasil está tão dividido. Na dúvida, melhor não apertar o botão.
Texto e imagem reproduzidos do site: revistatrip.uol.com.br
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