Publicado originalmente no site da revista Época Negócios, em 24/11/2017
Nós nos acostumamos a conviver com o podre, diz Mario Sergio
Cortella
Filósofo defende que aceitamos conviver com a
"podridão" na cidade, política, família e empresa. Mas que temos
escolha — e liberdade — para fazer diferente.
Por Barbara Bigarelli.
O filósofo Mario Sergio Cortella conheceu São Paulo em 1967
quando veio morar na capital paulista com sua família. O menino do pé vermelho,
como o chamavam em Londrina (PR), sua terra natal, brincava em riachos e
ribeirões, mas nunca havia conhecido rios tão grandes. Avistou o Pinheiros e o
Tietê, ambos navegáveis, limpos, vivos, muito vivos. Conheceu os clubes de
regata, foi nadar no rio ao lado do pai. Passados 50 anos, a descrição desse
cenário parece ficção para quem percorre hoje as famosas marginais paulistanas.
"Os rios foram assassinados por nós. Morreram, fedem hoje", diz.
"Mas o pior dessa história é que nós nos habituamos com eles assim. Quando
estamos voltando da praia, sentimos o fedor, ignoramos e pensamos: ufa, estamos
chegando em casa". Cortella recorreu à esta memória familiar para refletir
sobre ética e decência no 1º Congresso de Ética dos Negócios, realizado nesta
sexta-feira (24/11) em São Paulo. "Nós nos acostumamos a conviver com o
podre. A podridão passa a integrar a normalidade: rio podre, família podre,
política podre, cidade pobre, empresa podre".
Questionar o modo como escolhemos viver é, para Cortella,
uma questão de ética. Ética é decisão, ela existe nas escolhas que tomamos e na
vida que queremos levar. Somos livres para optar por ela, segundo ele. "A
pergunta sobre o propósito da existência não é banal. Escolhemos a vida que
levamos, escolhemos ter um negócio decente, uma família construída, uma
carreira que não degrade a nós mesmo", afirma. "Somos capazes de
coisas tão angelicais quanto demoníacas. Portanto, nossa reflexão precisa ser:
como fazer boas escolhas?". Segundo ele, isso passa por três questões que
precisam ser discutidas durante toda nossa vida: quero, posso e devo? "Há
coisas que queremos fazer, mas não podemos. Podemos, mas não devemos. Devemos,
mas não queremos. Precisamos sempre tentar seguir aquilo que una os três:
quero, posso e devo".
Ao seguir essa lógica, que pode pautar desde a escolha do
almoço no quilo até a forma como os negócios são conduzidos, as pessoas estão
sendo éticas de verdade, defende o filósofo. "Ética não é cosmética.
Decência não é aparência", como diz com frequência em seus discursos. O
que Cortella busca defender é que a ética não pode servir de fachada, seja na
família, no negócio, no amor, na convivência. "Há pessoas que esperam o
juízo final para responder por qual razão agiram de um modo, porque não fizeram
determinada coisa. Por outro lado, existe quem prefere ir respondendo a todas
essas questões ao longo da vida".
Este último grupo, que vive questionando diariamente suas
escolhas e criando sua ética, precisa
lidar com dois desafios. O primeiro é interno e envolve a tentação de
transgredir e burlar convicções. O segundo é externo: são fatores que nos
influenciam a partir da evolução da sociedade ou do surgimento de novas regras
sociais. O embate entre eles muda a forma de agir, viver e do que é considerado
ser ético. Um exemplo é o uso do cinto de segurança. "Há 25 anos, o cinto
não era obrigatório. Quando virou, as pessoas se valeram de diversos truques
para não seguir a regra. Teve gente comprando camiseta do Vasco e da Ponte Preta
para camuflar o uso. Hoje, você usa automaticamente, sem pensar. Mas não só por
causa da multa. Se você ignorá-lo, seu carro apita, seu filho te avisa. Você
usa porque tem convicção de que assim é o modo certo de agir".
Nossas convicções, portanto, também são moldadas pelo
controle externo. O ético de hoje, afinal, não é necessariamente o ético de
amanhã. É por estes dilemas, diz Cortella, que as empresas precisam manter suas
áreas de compliance. É uma forma de controle para manter as convicções internas
longe de tentações. O tal do "posso, devo e quero fazer" precisa ser
aplicado ao mundo dos negócios, defende Cortella. Para o filósofo, muitos dos
males atuais que vivemos no Brasil têm como mote "faço qualquer
negócio". "Trata-se do lema mais nojento que existe e precisamos
afastá-lo imediatamente. Por mais que alguns negócios possam ser feitos, alguns
simplesmente não devem ser feitos". É esta, afinal, a escolha da ética.
Texto e imagem reproduzidos do site: epocanegocios.globo.com

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