A tecnologia é apenas uma parte de um projeto educacional maior
Com grandes ferramentas, vêm grandes responsabilidades
Publicado originalmente no site da revista Trip, em 05.10.2017
Educação e Tecnologia.
Fica fácil perceber que a escola que se resume a transmitir
conteúdo é uma escola insuficiente para os desafios das próximas décadas
Por Claudio Sassak
Trabalhando com tecnologia educacional, não deve ser nenhuma
surpresa que tenha escolhido para minhas filhas, Yasmin e Luana, uma escola com
material didático primordialmente digital. O ambiente virtual é parte da rotina
delas, ainda que tenham apenas 8 e 10 anos; está presente na comunicação, no
entretenimento e, agora, também, no processo de aprendizagem – isso me
entusiasma, mas também me preocupa como pai de duas pré-adolescentes que estão
crescendo em um universo completamente diferente daquele que eu vivi na minha
época de escola.
Quando eu estava no colégio, havia um leque de opções quanto
a qual caminho seguir após a formatura: eu seria médico, advogado, engenheiro,
professor…? Escolha feita, a trajetória era mais ou menos clara e linear:
envolvia decorar o conteúdo, tirar boas notas, fazer simulados e entrar na
universidade. Isso, com certeza, garantiria que eu conquistasse um bom emprego.
A realidade das minhas filhas é outra. Em primeiro lugar,
porque estudos estimam que 85% das profissões que teremos em 2030 ainda não
existem. Em segundo, porque cada vez mais o mercado de trabalho passa a exigir
de seus profissionais competências como colaboração, pensamento crítico,
comunicação e criatividade, em vez de saberes estáticos. E, por fim, porque
elas próprias são parte de uma geração – a Geração Z, nascida a partir dos anos
2000, para quem tecnologias digitais não são nenhuma novidade – questionadora,
empreendedora e com acesso à informação 24 horas por dia, sete dias por semana.
A escola da Geração Z
Fica fácil perceber que a escola que se resume a transmitir
conteúdo é uma escola insuficiente para os desafios das próximas décadas. Não
nos basta mais a antiga definição de "bons professores" como aqueles
que melhor transmitiam um currículo fixo, imutável, ou de "bons
alunos" como os que melhor aprendiam (ou memorizavam) esse tal currículo.
Reforcei essa hipótese há algumas semanas, quando participei
do Project Zero, em Harvard, com o psicólogo e educador Howard Gardner, criador
do conceito de inteligências múltiplas. Durante a imersão, discutimos o fato de
o processo educativo muitas vezes não incentivar os alunos a pensarem; e como,
sem pensar, não há aprendizado. Estou me referindo àquele aprendizado que
permanece, do que me lembro semanas após uma prova, não àquele que eu apenas
decorei para o dia do exame.
“É incrivelmente desafiador promover uma sala de aula
pensante”
Soa óbvio demais? E é. Mas também é incrivelmente desafiador
promover uma sala de aula pensante. Quando os alunos estão sentados copiando da
lousa, eles não estão pensando. Pensar – em suas várias formas, como observar,
analisar, questionar, inferir, relacionar etc. – requer ações estruturadas, com
intencionalidade pedagógica, formação e recursos que permitam colocar o jovem
em uma posição proativa no processo de aprendizagem.
Um exemplo disso surgiu da própria Yasmin, agora com 10
anos, enquanto fazia a tarefa de casa. Ela estava olhando longamente para uma
gravura quando me disse: "Essa imagem me mostra isso, a partir dela, eu
entendo isso e ela me faz querer saber mais sobre isso". Fiquei
impressionado com a forma clara como ela expôs seu raciocínio, para depois
descobrir que sua professora estava usando uma rotina de pensamento chamado
See, Think, Wonder, algo como "Veja, pense e pondere", em português,
também desenvolvido pelo grupo de pesquisadores do Project Zero. Na aula
seguinte, ela e os colegas compartilharam suas impressões e se aprofundaram no
tema sobre o qual já haviam refletido em casa.
Portanto, essa mesma escola que está usando estratégias
ativas de aprendizagem passa, agora, a apostar num material didático
predominantemente digital. Por que isso faz sentido?
“Uma escola que busca promover a colaboração, a interação e
autonomia de seus alunos vai necessariamente se inserir no universo digital”
Porque uma escola que busca promover a colaboração, a
interação e autonomia de seus alunos vai necessariamente se inserir no universo
digital – não como um modismo, mas porque entende que seus alunos já estão
nesse universo. Como dizia Prensky, as gerações nascidas imersas em tecnologia
digital desenvolveram formas diferentes de processar informações e de se
comunicar, diferenças que moldam seus cérebros e se estendem também para suas
vidas off-line.
O material digital faz sentido para a geração da Yasmin e a
Luana, que assistem a youtubers tanto para entretenimento quanto para estudos;
que recebem notícias atualizadas a cada segundo, com a possibilidade de
compartilhar, comentar ou retratar suas emoções usando emojis. Porém, o uso da
internet vai muito além da brincadeira: no ano passado, a pesquisa "O
jovem brasileiro e o futuro do país" descobriu, após entrevistar 1.700
jovens, que mais de 60% deles já haviam se envolvido com alguma causa social
via internet. Será correto, então, dizermos que esses jovens são
desinteressados – ou apenas que a escola engessada, que se recusa a mudar, não
é mais capaz de conquistar sua atenção?
As possibilidades são de brilhar os olhos! A começar por uma
aprendizagem ativa, interativa e multimídia, combinando recursos que os
preparem para o mundo real e respeitem seus múltiplos estilos de aprendizagem.
Estão disponíveis assuntos contextualizados e atualizados constantemente,
relacionando aquilo que se aprende diariamente ao mundo além das paredes da
escola. Outro benefício afeta alunos, mas se estende a professores, gestores e
pais: a geração de dados que permitem um olhar personalizado para a trajetória
de cada estudante, favorecendo intervenções efetivas.
Com o material digital das minhas filhas, eu consigo
participar de suas rotinas escolares – sei quando entregaram as tarefas de casa
e quando estão com dificuldade em algum assunto; por consequência, sou capaz de
ajudá-las sem ter que esperar por uma prova no final do semestre. O mesmo vale
para os professores, que ganham um olhar personalizado para cada um em sua sala
de aula e assim compreendem os diferentes ritmos de aprendizagem que precisam
ser contemplados. Por mim, as próprias Yasmin e Luana têm resultados ágeis,
criando uma sensação de corresponsabilidade: estamos todos, escola e família,
comprometidos com o sucesso delas e equipados para apoiar esse desenvolvimento.
A questão não é mais se a escola deve ou não utilizar
tecnologia, tampouco quando deverá utilizá-la – a transição já começou. Nosso
desafio como país é assegurar que essa mudança ocorra de maneira mais eficaz e
consciente.
Se o potencial da tecnologia educacional é tão animador,
você pode estar se perguntando por que saber que minhas filhas estudariam com
um material 100% digital me deixou ao mesmo tempo entusiasmado e receoso.
Ao longo dos seis anos em que empreendi na Geekie, pude
extinguir qualquer dúvida de que a tecnologia representa novos horizontes para
a educação de nossos filhos – isso se usada com responsabilidade. Ou melhor,
corresponsabilidade. Com o mundo nas mãos, e ainda que pareçam não precisar de
ajuda para apertar botões e deslizar telas, não podemos esperar que eles
entendam a amplitude e, sobretudo, as consequências de suas ações on-line.
“De que forma a tecnologia me ajuda e me atrapalha? Tudo
isso exige diálogo constante, tanto em casa quanto em sala de aula”
Junto com as ferramentas, é imprescindível que escola e
família discutam quais os comportamentos adequados em cada ambiente. Com quais
grupos posso dividir essa imagem? O que acontece com meu comentário depois de
postado nas redes sociais? O que é cyberbullying e o que fazer caso presencie
ou seja vítima de um caso como esse? Quem produz o conteúdo que eu estou lendo
ou assistindo? Quanto tempo gasto com redes sociais e games, em relação a
outras atividades? De que forma a tecnologia me ajuda e me atrapalha? Tudo isso
exige diálogo constante, tanto em casa quanto em sala de aula.
Como pai, faço questão de que meus filhos participem desse
debate, ouvindo suas vozes e entendendo como protegê-los, sem, contudo,
privá-los da experiência de crescer em um mundo digital. Como CEO da Geekie,
tento levar essa conversa para dentro de nossas escolas parceiras,
transformando a cultura escolar não apenas por meio das plataformas que
desenvolvemos, mas ajudando-as a se preparar para as demandas do século 21. E
arrisco dizer que, nesse novo milênio, a educação digital será tão importante
quanto inglês, história ou matemática – formando os profissionais e, acima de
tudo, os cidadãos que queremos em 2030.
Texto e imagens reproduzidos do site: revistatrip.uol.com.br
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