Caetano Veloso na nova sede da Mídia NINJA, em SP (Francio de Holanda/Divulgação).
Antonia Pellegrino, Caetano Veloso, Caio Prado e Thalma de Freitas em debate no evento de inauguração da nova sede do Mídia NINJA em São Paulo (Foto Mídia NINJA/Divulgação)
Publicado originalmente no site da revista CULT, em 17 de outubro de 2017
Em debate, Caetano Veloso diz que prioridade do Brasil deve
ser enfrentar desigualdade
Por Paulo Henrique Pompermaier
“O país continua tristemente cumprindo a frase de Joaquim
Nabuco: ‘a escravidão permanecerá por muito tempo como característica nacional
do Brasil'”, acredita Caetano Veloso. Para o músico e compositor, “o principal
problema do Brasil ainda é a desigualdade, e ter capacidade de enfrentá-la deve
ser prioritário.”
O músico participou, na tarde desta segunda (16), de um
debate em São Paulo junto do produtor cultural e o teórico da cultura digital
Claudio Prado, com mediação da atriz e cantora Thalma de Freitas e da escritora
e roteirista Antonia Pellegrino. O encontro marcou os 20 anos da publicação de
Verdade tropical e a inauguração da sede do coletivo jornalístico Mídia Ninja,
na casa cultural do Acadêmicos do Baixa Augusta.
Na ocasião, Caetano frisou como o principal problema do país
continua sendo sua herança escravocrata. “Neste momento a gente vê que muitas
coisas que foram esboçadas quando a gente era novo vieram à tona na vida
política oficial”, afirmou. “Houve muito refluxo do que foi conseguido e do que
foi esboçado.”
Concretizações e refluxos do que foi pensado desde a
Tropicália, movimento contracultural encabeçado por Caetano em 1967, também
ocupam algumas páginas da nova edição de Verdade tropical, relançado pela
Companhia das Letras neste mês. No trecho inédito, o músico reflete sobre as
mudanças culturais e políticas pelas quais o Brasil passou de 1997 para cá.
Para Claudio Prado, que se tornou amigo de Caetano e
Gilberto Gil durante o exílio político em Londres, a principal mudança foi a
revolução tecnológica. “A grande loucura é entender que a internet não pertence
a ninguém, ela é livre, fura os monopólios de mídia”, disse. “Isso aqui
[celular] é o coquetel molotov do século 21.”
Independentemente da mídia, Caetano acredita que a sociedade
é invariavelmente marcada por forças de esquerda e direita, e não se trata de
suprimir uma dessas vozes. “O conservadorismo é necessário para manter a
sociedade”, argumentou. “Assim como sempre há resquícios da contracultura,
desse desejo das pessoas de viverem uma vida autêntica.”
Por isso, disse, as recentes manifestações conservadores
podem até ter um aspecto positivo, uma vez que “tornam claras as visões de
mundo espalhadas no seio da sociedade”. “Antes a direita usava a expressão
‘maioria silenciosa’, que não faz barulho mas segura os privilégios da
maioria”, disse.
Por outro lado, considera que há também perigos já que “pode
haver embates inúteis e até desnecessários que venham a retardar o que precisa
ser modificado”. “Mas talvez esse barulho queira dizer que eles [os de
extrema-direita] são a minoria que não representam a maioria silenciosa dos
conservadores, que também compõe e sustenta uma sociedade”, afirmou.
Censuras e protestos contra exposições, como os casos
recentes da performance La Bête, no MAM de São Paulo, e do Queermuseu em Porto
Alegre, são evidências, para o músico, dessa minoria que “faz barulho” e
manipula a população. “Não é preciso ser de esquerda para perceber que há um
desrespeito e uma manipulação da obra desses artistas por pessoas que sabem o
que estão fazendo”, afirmou.
“Qualquer pessoa minimamente esclarecida percebe que há
manipulação do tema moral pra assustar pessoas mais inocentes. A grande maioria
dos brasileiros é inocente a essas coisas, mal sabe o que é um museu, nunca foi
a um”, argumenta Caetano. “E tem gente que usa isso de maneira cínica, para
manipular essas pessoas, pois sabem que não se trata mesmo de pedofilia,
zoofilia ou qualquer coisa do tipo.”
Caetano estava em São Paulo desde sábado (14) para a série
de shows em que se apresenta junto dos filhos Moreno, Tom e Zeca Veloso. Serão
seis apresentações no Theatro Net com encerramento no dia 29. Após uma hora de
conversa com público (que lotou o espaço), o show foi invocado por Caetano para
se despedir do público.
Antes de partir, no entanto, constatou que a crise de
paradigmas é geral, e não é apenas a esquerda que precisa refletir sobre suas
práticas políticas. “Apenas o que quero dizer é que enfrentei a desilusão do
socialismo real, e agora precisamos enfrentar a desilusão do liberalismo real.”
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