Os três maiores poetas e os três maiores prosadores do
Brasil.
Por Euler de França Belém.
Não há como excluir de um cânone mínimo Machado de Assis,
Graciliano Ramos e Guimarães Rosa, na prosa, e Carlos Drummond de Andrade, João
Cabral de Melo Neto e Manuel Bandeira, na poesia
Como escrevo sobre livros, leitores de vários Estados estão
sempre pedindo indicações de obras “literárias importantes”. Por isso, de vez
em quando, publico algumas listas comentadas. Há solicitações difíceis de
atender: “Quais os três maiores romancistas brasileiros?” e “Quais os três
maiores poetas brasileiros?”
Evidentemente, não há só três grandes romancistas e três
grandes poetas. Há poetas, por exemplo, que, mesmo não figurando entre os
maiores, escreveram poemas belos e emblemáticos. Vinicius de Moraes é,
certamente, um deles, assim como Gregório de Matos Guerra, Jorge de Lima,
Murilo Mendes, Sousândrade, Augusto dos Anjos, Mário de Andrade, Mário
Faustino, Oswald de Andrade, Afonso Felix de Sousa, Lêdo Ivo, Raul Bopp,
Cecília Meirelles, Mario Quintana, Adélia Prado, Haroldo de Campos, José Paulo
Paes, Ferreira Gullar, Manoel de Barros, Ruy Espinheira Filho, Heleno Godoy,
Ronaldo Costa Fernandes (poeta e prosador), Nelson Ascher e Régis Bonvicino.
Mas ninguém, ao elaborar uma lista com os três maiores
poetas, terá a ousadia de excluir Carlos Drummond de Andrade, o Sol da poesia
patropi, João Cabral de Melo Neto, o T. S. Eliot verde amarelo, e Manuel
Bandeira. Este menosprezava, de maneira irônica e, quiçá, falsa modéstia, sua
poesia — que seria “menor”. Usando a “dica”, pode-se dizer que a grande poesia
de um país é formada por vários poetas menores que também, eventualmente,
escreveram poemas maiores. É possível sugerir, ainda, que são os menores que
colocam as escadas para poetas como Drummond de Andrade e João Cabral se
tornarem gigantes.
Mais verdadeiro é admitir que uma cultura diversa como a
brasileira jamais produzirá tão-somente dois ou três poetas que podem ser
qualificados de grandes. Há espaço, e vasto, para incorporar vários poetas, de
matizes diferentes. Talvez seja possível, até, incluir compositores, como Noel
Rosa, Cartola, Caetano Veloso e Chico Buarque, como poetas. Talvez seja
impossível excluir poetas como Fagundes Varella, Cassimiro de Abreu, Castro
Alves e Olavo Bilac de um cânone mínimo da poesia de alta qualidade.
Porém, atendendo os leitores, que cobram reduções, não há
mesmo como não listar Drummond de Andrade, João Cabral e, quem sabe, Manuel
Bandeira como os três principais poetas do país. Talvez seja possível incluir,
ainda que a fórceps, Ferreira Gullar. Eles não fazem feio numa lista que inclua
Walt Whitman, T. S. Eliot, Camões e Fernando Pessoa.
Prosadores
Escolher prosadores talvez pareça fácil, mas não é. Citar
apenas três é uma missão quase impossível. Euclides da Cunha, o de “Os
Sertões”, era um escritor-ensaísta da mais alta linhagem. Como excluir Mário de
Andrade e Oswald de Andrade? A Semana de Arte Moderna, que tirou parte o pó de
certa literatura e artes plásticas, teria existido sem a inteligência e a fúria
de ambos? Talvez não. A importância de Mário de Andrade para a cultura
brasileira tem sido mostrada em vários livros escritos por professores quase
sempre da USP. Além de sua poesia e de sua prosa — redefinindo a Língua
Portuguesa e seu uso —, orientou alguns dos escritores mais importantes do
país. Era uma espécie de Ezra Pound dos trópicos. Autor de “Triste Fim de
Policarpo Quaresma”, Lima Barreto tem sido cada vez mais valorizado. É possível
deixar de lado Hugo de Carvalho Ramos, de “Tropas e Boiadas”, e Bernardo Élis,
de “Ermos e Gerais”, “O Tronco” e “Veranico de Janeiro”? Como ignorar Monteiro
Lobato, com sua importância para a formação e leitores? Como não apreciar a
prosa, às vezes singela e quase sempre bela, de José Lins do Rego? “Menino do
Engenho” contém uma prosa deliciosa, por vezes melodramática, mas, diria Billy
Wilder, ninguém é perfeito. Não citar Clarice Lispector é tanto uma injustiça
quanto, dados seus leitores fervorosos — quase uma legião de Esparta —, uma
heresia. José J. Veiga é um prosador, contista (da primeira linha) e
romancista, a se considerar. João Antônio, João Ubaldo Ribeiro, Raduan Nassar
(muito melhor na prosa do que na análise política), Alberto Mussa e, até, Rubem
Fonseca merecem figurar num cânone, se não de primeira, de uma excelente
segunda linha. Vale citar, sem concessões populistas, Lúcio Cardoso, tido como
o Dostoiévski brasileiro, e Cornélio Pena. Vale arrolar tantos outros, quem
sabe até o Paulo Leminski de “Catatau”, quase uma espécie de “Ulysses”
brasileiro misturado a, digamos, Rabelais. Entre os mais jovens e vivos (Raduan
Nassar vive, mas sua literatura parece concluída), vale mencionar Bernardo
Carvalho, Francisco Dantas, Milton Hatoum, Ronaldo Correia de Brito, Antônio
José de Moura, Edival Lourenço.
Todos os citados acima têm obras de excelência — uns mais,
outros menos. Mas todos legíveis. Nenhum passa vergonha. Mas a prosa brasileira
fica menor, muito menor, se excluirmos Machado de Assis, Graciliano Ramos e
João Guimarães Rosa.
Machado de Assis escreveu dois livros excepcionais, que o
tornam canônico em qualquer língua, “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, o mais
importante, e “Dom Casmurro”, o, por assim dizer, mais adorável e gerador de
polêmica. Com tais romances, o autor revigorou sua literatura e a literatura do
país, inscrevendo-a no mundo, ao lado de Laurence Sterne, Tolstói, Proust e
Joyce, como uma das melhores, como um par. Machado de Assis tornou-se um
clássico, mas, diferentemente de outros clássicos, não parece datado, e sim
moderno e eterno. Parece ter escrito, não para leitores de seu tempo, mas para
leitores de todos os tempos. O autor e mofo não combinam.
Mais tarde, nasceu o Tchekhov brasileiro, nas Alagoas.
Graciliano Ramos, comunista de carteirinha, tinha tudo para dar errado, pois
surgiu como escritor no momento em que o realismo socialista determinava o que
era a boa literatura, mas o que seus adeptos entendiam como qualidade era, no
geral, falta de qualidade literária, ao menos. Pois o Velho Graça, que conhecia
as teorias, escapou ileso à pressões do realismo socialista, construindo uma
literatura autônoma. O social é forte na sua literatura, é certo, mas o que é
forte mesmo é sua linguagem — sua contenção e precisão. “Vidas Secas”, para
mencionar apenas este romance, pode figurar, sem fazer feio, em qualquer lista
de clássicos mundiais. É uma obra-prima adulta e modelar, além de inimitável.
Tendo citado dois grandes autores, não há como excluir do
cânone Guimarães Rosa, autor de contos extraordinários, reunidos em “Sagarana”
e outros livros, e sobretudo do romance “Grande Sertão: Veredas”. O autor
mineiro não queria ser o clone brasileiro do irlandês James Joyce, e certamente
não o era. Mas é com “Grande Sertão” que a literatura brasileira moderniza-se e
se aproxima tanto de Joyce quanto de William Faulkner. Com um romance que
parecia regionalista, dotado de laivos regionalistas, Guimarães Rosa usou um
instrumento, digamos um bisturi, para desregionalizá-la — a linguagem. Grandes
autores, como Machado de Assis, Graciliano Ramos e Guimarães Rosa, são
importantes porque empurram a literatura adiante, mas também são barreiras
difíceis para outros escritores. Ao menos, os autores patropis sabem que há uma
grande literatura, e mesmo sem querer imitá-la, constatam que é precisam
“avançar” — se há avanço em literatura — a partir dela.
Texto e imagens reproduzidos do site: revistabula.com
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