A exposição intitulada "Queermuseu – Cartografias da Diferença na Arte"
contava com de 270 obras de artistas como Alfredo Volpi,
Adriana Varejão, Cândido Portinari e Lygia Clark.
Foto: Marcelo Liotti Junior/Divulgação.
Publicado originalmente no site Huffpost Brasil, em 11/09/2017.
OPINIÃO.
A perigosa censura disfarçada de 'defesa da moral'
O Santander Cultural cancelou uma mostra sobre diversidade
após campanha negativa e acusação de incitação a pedofilia e zoofilia.
Paulo Iotti Membro do Grupo de Advogados pela Diversidade
Sexual e de Gênero
Vamos deixar uma coisa bem clara: alguém achar uma obra de
arte "repulsiva" não lhe dá o direito de querer que a mostra onde a
obra é exposta seja fechada. Obviamente as pessoas podem fazer críticas morais,
em seus círculos ou redes sociais, etc. Mas se alguém acha algo repulsivo, é simples:
não vá ao local da exposição e não recomende aos amigos.
Agora concordar com a censura a uma mostra de arte a partir
do seu senso moral é demais. É colocar o seu senso moral como parâmetro de
(i)licitude, o que é intolerável num Estado Democrático de Direito pautado pelo
pluralismo social e moral. Se seu senso moral foi afetado, o de outros e outras
não foi.
E minorias ou mesmo artistas isolados têm o direito de expor
sua arte. Não incitando ao ódio, ao preconceito, à discriminação, à violência e
ao crime em geral, o trabalho artístico é lícito.
Acusaram quadros sobre crianças LGBT como incitando a
pedofilia e a sexualização de crianças. Isto é pura e simples má-fé, ou, na
melhor das hipóteses, indesculpável ignorância. Há crianças que querem namorar
crianças do mesmo gênero, com o mesmo afeto lúdico que se acha perfeitamente
normal os namoros entre crianças de gêneros opostos.
E há crianças transgênero também, diversas pesquisas e
reportagens já o atestaram mundo afora. Age com "ideologia de gênero",
cissexista, quem nega esses dados objetivos da realidade empírica.
Sobre a imagem da zoofilia - que também não me agradou -, ao
que me consta não é ilícita essa representação. Então, se você acha isso
repulsivo, faça as críticas morais que bem entender e estará em seu direito de
crítica. Mas nada lhe dá o direito de querer censurar dita representação.
Representar não significa incitar a prática, significa
retratar algo que acontece. Vão querer censurar a literatura de Jorge Amado,
que retrata a pedofilia cultural de determinada região, como no livro Tocaia
Grande?.
Sobre símbolos religiosos, eles não são merecedores de
privilégios sociais frente a outros símbolos, podem ser usados em críticas e
ironias. Haja hipocrisia em quem acusa pessoas LGBTs de quererem
"privilégios" quando lutam apenas por igual respeito e consideração
das leis, mas querem, aí sim, verdadeiros privilégios para as suas próprias
crenças. Tudo pode ser objeto de crítica social, menos símbolos religiosos?
Privilégio, algo obviamente inconstitucional, é o que vocês querem.
Em suma, arte não é só o que te agrada. Totalitárias são as
pessoas que acham "tudo bem" censurar aquilo que as desagrada.
Tristes e nefastos tempos estes.
*Este artigo é de autoria de colaboradores ou articulistas
do HuffPost Brasil e não representa ideias ou opiniões do veículo.
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Texto e imagem reproduzidos do site: huffpostbrasil.com
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