Os empresários Wesley e Joesley Batista (Foto: Zanone Fraissat/Folhapress).
Publicado originalmente no site da revista CULT, em 24 de maio de 2017
Joesley e Wesley, a cara do capitalismo brasileiro.
Por Ivana Bentes
Irmãos Batista mostram a outra cara do capitalismo
brasileiro, um abatedouro mafioso que expropria o comum, precifica a política e
multiplica dinheiro
“Esses caipiras deram um banho em Marcelo Odebrecht.” A
frase de um auditor do TCU expressa o misto de incredulidade e admiração velada
diante da forma como os empresários goianos, dono de um império global de
carnes e frangos, manipularam uma delação “over premiada” e depois de faturarem
bilhões na base da corrupção, compra de quase dois mil parlamentares, acesso a
bancos e dinheiro público, informações privilegiadas, conseguiram sair ilesos
do país!
A história é pedagógica do extremo em que chegou a própria
justiça no país. Para derrubar um presidente de ocasião, Michel Temer, e
enterrar um senador da República, Aécio Neves, também já “desenganado”, os
empresários puderam confessar os próprios crimes, quebrar a bolsa de valores,
disparar o dólar e, em manobra mirabolante, faturar com a própria delação. O
efeito final: foram perdoados e dispensados da prisão arcando apenas com uma
multa irrisória para os bilhões faturados!
Os donos da JBS, J&F, Friboi merecem um tratado
sociológico pois emergem mostrando os dentes sorridentes de um tipo de
empreendedor, gestor, empresário que tentaram nos vender durante todos esses
anos: o fabuloso Eike Batista, o super gestor Marcelo Odebrecht e agora os
selfmade man Joesley e Wesley.
Nouveau empreendedor
Os irmãos Batista pareciam talhados no figurino midiático
perfeito do empreendedor “glocal”, arrepiando no sotaque e erres goianos do
Brasil rural e do agronegócio, gastando em dólar e morando em apartamentos de
luxo na Quinta Avenida.
Pós-delação e pós-tsunami que abalou os alicerces do governo
já podre de Michel Temer, os perfis na mídia de Joesley e Wesley ainda hesitam
entre celebrá-los e condená-los. Afinal, a figura dos empresários e gestores
vem sendo moldada para substituírem o da classe política. Mas o espelho rachou!
Os filhos de seu Zé Mineiro vinham sendo apresentados como a
mais completa tradução desse nouveau empreendedor brasileiro, de origem
modesta, com um pai que arregimentou pouco mais de 60 cabeças de gado nos anos
1950, até transformarem-se na maior empresa privada brasileira, com faturamento
anual de cerca de R$ 100 bilhões. Um assombro! Só que não existe mágica no
capitalismo. E as empresas dos Batista arrastaram junto com seus bilhões
histórias pouco edificantes que agora começam a ser contadas.
Joesley e Wesley são a versão rural da mesma narrativa que
já incensou e derrubou figuras como o fabuloso Eike Batista e agora tenta nos
vender o gestor dândi e urbano João Dória Júnior.
O que eles têm em comum? Seguem o mesmo figurino do
capitalismo de compadrio ou mafioso que monetiza sua rede de relações e afetos,
que constrói máquinas de “investimento” em políticos, partidos e governos, e em
todas as transações com parlamentares, governos, bancos, e com a própria justiça,
extraem vantagens e milhões!
Os nouveaux empresários também são mostrados como
investidores com perfil agressivo e que se arriscam. Só não dizem que boa parte
desses riscos são feitos com o nosso dinheiro, com dinheiro público! Em todas
as narrativas empresariais há um sujeito e sócio oculto: o próprio Estado. Um
sistema de co-dependência do qual estamos vendo as entranhas.
Enquanto estavam em ascensão, financiando políticos e
partidos, ou como anunciantes
milionários de jornais e TV, os perfis midiáticos e a pauta jornalística
em torno desse empresariado fez silêncio sobre as operações econômicas, sócios,
investidores, a transparência dos negócios. O silêncio e a não-transparência é
uma das formas de censura contemporânea.
A “economia narrativa” dos fabulosos empresários foi
alavancada midiaticamente. Os “campeões nacionais” receberam vantagens de
parlamentares, de bancos públicos como o BNDES e das mídias: “O Agro é pop, o
Agro é Tech, o Agro é Tudo” mantra da campanha institucional da Globo em estímulo
ao agronegócio e a seus anunciantes. Ruralistas e empreiteiras foram escolhidos
“campeões nacionais” pelo BNDES para enfrentarem os campeões e gigantes
econômicos da globalização.
Esse imaginário do empreendedor predador e do empresário tem
um teto e limite: o comum. Joesley e Wesley tem o mesmo furor expansionista e
amor por multiplicar dinheiro de um Eike Batista, que para isso vendeu minas
sem minério, poços sem petróleo e começou a desmoronar por conta própria. Os
irmãos Batista foram protagonistas da Operação Carne Fraca e deveriam responder
por vários crimes, mais arranjaram uma fabulosa saída: foram perdoados pela sua
delação! Um escárnio bilionário.
O happy end para Joesley e Wesley é escandaloso e
pedagógico! Os irmãos Batista são tão bem sucedidos, acumularam e expropriaram
tanto que não são mais nem “brasileiros”! Eles e seus negócios estão migrando
para os Estados Unidos. Joesley e Wesley são a mais completa expressão de uma
outra crise, do próprio capitalismo e neoliberalismo, sua face escandalosa e
predadora.
A indignação diante da corrupção da classe política, que
provoca tanta comoção e convulsão, parece que começa e respingar no
empresariado blindado durante décadas por governos e mídia. Um grupo “teflon”,
os empresários alfa, negócio do boi, da soja, empreiteiras, petróleo, armas,
uma economia predadora que está no centro dessa crise. Uma economia
ecologicamente, politicamente e eticamente insustentável. E estamos vendo se
desenhar uma versão “descolada” e desengravatada desse nouveau empreendedor:
Luciano Huck, o gestor-comunicador, a face ainda mais midiática da “cara do
novo” na política, segundo Fernando Henrique Cardoso!
O parlamento dos corpos
Mas existem outras matrizes econômicas, outras práticas e
valores. O Brasil também se reinventou nas últimas décadas. Junho de 2013 foi
nosso maio de 1968 apontando outros imaginários, democracia direta,
participação, governança, uma indignação e imaginação social abortada por todos
os lados! Pela direita e por parte do próprio governo petista. Um erro grave!
Lutamos em um cenário pós-colonial em meio a um capitalismo
neoescravocrata; achamos que estávamos em uma democracia consolidada e nos
deparamos com um cenário de ditadura jurídico-midiática; antes de globalizarmos
nossas lutas, o ideário neodesenvolvimentista achou que iria globalizar nossas
empresas privadas. Mas o que adianta investir bilhões em Eikes, Odebrechts e
Joesleys? Empresários e empresas “campeãs nacionais” de corrupção e malversação
do dinheiro público? O que retornou para o comum?
Nos últimos treze anos o Brasil passou por uma mutação
antropológica que jogou por terra mitos fundadores que maquiavam uma sociedade
profundamente desigual: as cotas raciais revelaram a narrativa apaziguadora da
“mistura das raças”; o emergente discurso feminista, LGBT, os corpos trans
mostraram o quanto o machismo e patriarcalismo nos viola; a “brancocracia” vem sendo confrontada nos
seus privilégios e isso assusta e produz discursos de ódio e apartheid dos mais
privilegiados; os banhos de sangue diários nas periferias e favelas mostraram
quanto de racismo e ódio aos pobres e negros o Brasil ainda consegue produzir,
além da crescente rejeição desse padrão.
O “parlamento dos corpos”, das peles, dos gêneros está
cobrando a fatura em um embate civilizatório com as redes de ódio, xenofobia os
discursos de intolerância diante das diferenças. Enterramos a fábula do homem
cordial! Os microfascismos no cotidiano são combatidos com imagens, palavras,
gestos que desarrumam o arrumado.
Esse é um cenário incrível! Diante dos destroços que se
acumulam em uma única e gigantesca pilha, diante do derretimento simultâneo de
tantos agentes, redes, o desmoronamento de um sistema todo, a ideia de futuro
ficou velha, não tem nada mais importante que fincar os dois pés no presente
urgente.
O Brasil destroçado também é hoje o laboratório de uma
“nowtopia“. Ninguém vai esperar a remediação desse sistema para começar a
radicalizar a democracia. Fabular, realizar, efetivar outras vidas, mesmo que
tenha que fazer isso fincando bandeiras sobre destroços ou do rés do chão.
Texto e imagem reproduzidos do site: revistacult.uol.com.br
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