Charge reproduzida do blog: lorotaspoliticaseverdades.blogspot.com.br
Postada por Demanda WEB, para ilustrar o presente artigo.
Publicado originalmente no site da revista Época, em 23/07/2017.
O que esperar da raiva generalizada contra a classe
política?
Não é só no Brasil. Os eleitores da América Latina estão
fartos de corrupção e serviços públicos ruins
DANIEL KERNER E CHRISTOPHER GARMAN
Os ventos políticos na América Latina mudaram sensivelmente
nos últimos dois anos à medida que governos de esquerda perderam o poder para
administrações mais conservadoras. A tendência começou com a eleição de
Mauricio Macri na Argentina, que encerrou um longo reinado de 20 anos dos
Kirchners. Estendeu-se pelo impeachment de Dilma Rousseff em 2016. A tendência
provavelmente continuará no Chile no final deste ano. Mesmo onde as
administrações de esquerda sobreviveram, como no Equador, a movimentação para
políticas mais conservadoras e amigáveis aos investidores está clara.
Muitos concluíram que os eleitores estão rejeitando as
políticas da esquerda, que levaram a grandes desequilíbrios fiscais e baixo crescimento
nos últimos anos. Mas a verdadeira prova para mostrar se essa mudança é mesmo
sustentável virá do pesado calendário eleitoral dos próximos meses. Argentina,
Chile, Colômbia, México, Brasil e muito provavelmente a Venezuela vão encarar
eleições. Com exceção do México, e talvez da Colômbia, a onda conservadora deve
se manter. Mas isso não é porque o eleitorado esteja se mudando para a direita.
Os eleitores estão é com raiva da classe política. Enquanto isso funcionou
contra as administrações de esquerda nos últimos dois anos, os eleitores
apoiaram mudanças. Isso também pode criar problemas para as agendas reformistas
que começam a ganhar força na região.
>> O fenômeno Macron pode ocorrer aqui?
O primeiro indicador de que os eleitores não estão felizes
vem de um olhar rápido aos índices de aprovação na região. No Brasil, o
presidente Temer tem índices baixos. O país está saindo de uma recessão e o
governo é alvo de escândalos de corrupção. Mas o surpreendente é que Temer não
está sozinho. O presidente Enrique Peña Nieto, do México, tem índices de
aprovação de 12%, Michelle Bachelet, do Chile, fica com 20% e Juan Manuel
Santos, da Colômbia, chega a 26%. Nenhum dos três países passou por crise
econômica agora. Na Argentina, Macri ainda é popular, mas seu apoio vem caindo.
Se a desaceleração econômica ajuda a explicar parte do ódio,
pesquisas nesses países também mostram que a corrupção está virando um tema
cada vez mais relevante. E que os eleitores estão cada vez mais insatisfeitos
com a qualidade dos serviços públicos, como segurança, educação e saúde. Mas
junto com isso vem uma descrença crescente na classe política. Segundo um
estudo global da Ipsos Public Affairs, os países latino-americanos têm índices
de desconfiança e raiva dos políticos superiores aos dos Estados Unidos e da
Europa.
A verdadeira questão é quais candidatos estão mais bem posicionados para surfar nesse ódio. Em geral, esperamos a subida de nomes do centro ou da direita. Mas isso tem menos a ver com as políticas que defendem e mais com a falta de candidatos viáveis da esquerda capazes de representar esses eleitores descontentes.
A exceção a esse cenário é o México. A desilusão dos
eleitores com a corrupção e a violência no país deve corroer a popularidade de
Peña Nieto. Isso vai impulsionar o candidato de esquerda Andres Manuel Lopez
Obrador, que é o líder da corrida presidencial para 2018.
>> Christopher Garman: "Os políticos vão sofrer,
mas o Brasil não vai parar"
Na Argentina e no Brasil, as chances de um candidato de
esquerda emergir em 2018 são menores, em grande medida por causa do dano
reputacional provocado pelo final dos governos do PT e dos Kirchners. Mas o bom
desempenho nas pesquisas de Luiz Inácio Lula da Silva e de Cristina Kirchner
sugerem que nem tudo está seguro.
Para a Argentina, o foco estará nas eleições parlamentares
de outubro, com as primárias em agosto servindo de indicador importante dos
prospectos para o governo. Com a mudança de paradigma econômico imposta por
Macri, o governo busca crescimento econômico e baixa inflação para aumentar as
chances de ganhar mais poder no congresso. Uma vitória dará ao governo mais margem
para continuar com os ajustes. Mas, se Cristina ganhar as eleições para Buenos
Aires – algo improvável, mas não impossível –, Macri se arrastará para uma
segunda metade dramática do mandato, com incertezas para as eleições gerais de
2019. Os políticos interpretarão os resultados como rejeição aos ajustes de
Macri.
Rejeição generalizada (Foto: Época)
No Brasil, a crise política é uma ameaça para Temer. Mas ele
pode permanecer no cargo apesar dos perigos. O escândalo dificulta a aprovação
até de uma versão esmaecida da reforma da Previdência. Mas sua principal
consequência é aprofundar os sentimentos contra a classe política para as
eleições de 2018. Isso torna essa eleição mais imprevisível. A condenação de
Lula por Sergio Moro é um golpe contra sua candidatura, mas não está claro se
ele estará impossibilitado de concorrer. Mesmo que possa, a rejeição alta
significa que não será competitivo no segundo turno. A maior questão não é se
Lula pode concorrer ou ganhar, mas qual candidato pode surgir como “antipolítico”.
O prefeito de São Paulo, João Doria, pode servir. Mas outros candidatos podem
emergir, não necessariamente alinhados com as reformas boas para o mercado.
>> Com Macron, uma chance para o otimismo na França
No Chile, o ex-presidente Sebastián Piñera deve,
aparentemente, vencer as eleições no fim do ano. Mas o ódio aos políticos pode
puxar Alejandro Guiller, candidato independente mais à esquerda. Na Colômbia, o
descontentamento com a corrupção pode abrir a porta para um candidato surpresa,
principalmente se os escândalos envolvendo a Odebrecht desestabilizarem os
candidatos de centro-direita.
Tudo isso sugere que as próximas eleições provavelmente não
trarão de volta as políticas econômicas populistas da esquerda. É bom lembrar
que a região provavelmente verá a queda do chavismo na Venezuela. Mas a questão
importante é que os eleitores estão insatisfeitos com a corrupção, com o baixo
crescimento e com os serviços públicos. E que a rejeição aos políticos não é
equivalente a um movimento consistente rumo a escolhas econômicas associadas à
direita.
Texto e imagens reproduzidos do site: epoca.globo.com/politica
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