John Maynard Keynes (Foto: Getty Images).
Publicado originalmente no site Terra, em 4 de abril de 2017.
Keynes e o comunismo.
Após 70 anos de sua morte, John Maynard Keynes ainda é
considerado um dos economistas mais influentes do século XX.
Por Voltaire Schilling.
Transcorridos 70 anos da sua morte, ocorrida em 1946, John
Maynard Keynes continua sendo considerado um dos economistas mais influentes do
século XX. Nascido em meio ao alto patriciado britânico, exemplar aluno e
depois professor da Universidade de Cambridge - aonde viera ao mundo em 1883 -,
por seu excepcional brilho, cultura, e seu pouco apego às idéias convencionais
sobre economia, “a ciência triste”, fez carreira brilhante no serviço público.
Sua fama ascendeu com o ensaio crítico que ele escreveu
sobre o desatino cometido pelos aliados (GB-FR-EUA), durante o Tratado de
Versalhes, acertado em 29 de junho 1919, em estrangularem a economia alemã.
Profetizou no livro “Conseqüências econômicas da paz” (The Economic
Consequences of the Peace) que nada ganharia a Europa e o comércio mundial em
geral em colocar a Alemanha de Weimar numa camisa de força. Propôs compaixão
para com o vencido ao qual poderia ser punido com uma exigência de indenização
exeqüível e não rapaz. Senão, a vingança seria inevitável, e viria mais tarde
ou mais cedo. (*)
(*) Enquanto isto, recuperando-se de um ataque por gás
sofrido no final da guerra, um até então anônimo cabo de um regimento bávaro,
conhecido como Adolf Hitler, andava furioso pelas ruas de Munique vociferando
contra os ‘criminosos de novembro’, os políticos que haviam assinado o infame
Tratado que, se levado a diante, arruinaria a Alemanha pelo século adentro.
Viagem à Rússia Soviética
Seis anos depois do ensaio Keynes casou com a bailarina
russa Lídia Lopokova, nascida em S.Petersburg, mas que viera para o Ocidente
para atuar com o famoso grupo “Os balês Russos”. Segundo um dito da época nunca
se vira um encontro tão perfeito entre a inteligência e a beleza como a dupla
Maynard-Lídia.
Pouco tempo depois ela, ao receber o apelo dos pais,
insistiu em que o famoso marido viajasse com ela para a Rússia Soviética para
que conhecesse sua família (era filha de um modesto porteiro de teatro).
Ainda que cultivando um esnobismo de classe, agregado ao
desprezo pela gente comum cultivado pelo Grupo Bloomsbury, tribo sofisticada de
artistas e intelectuais londrinos do qual ele fazia parte, Keynes decidiu pela
ida. É certo que parte que o moveu a tomar a decisão foi a curiosidade em ver
de perto o regime dos sovietes, “a república do populacho”, então governado
pela tróica bolchevique: Stalin, Zinoviev, Kamenev (Lenin havia falecido um ano
antes, em janeiro de 1924). Um dos seus amigos e colega do Grupo de Bloomsbury,
o filosofo Bertrand Russell visitara a URSS em 1920 e simplesmente - abominara
o que vira, ainda mais com os comunistas transformando sua ideologia em
religião, conforme seu ensaio “A prática e a teoria do bolchevismo” (The
Practice and Theory of Bolshevism , 1920).
Keynes bem antes de partir em sua viagem de núpcias , em
setembro de 1925, certamente, naquelas alturas da vida, estava com 42 anos, já
havia lido “O Capital” de Marx, mas nada encontrou de significativo naquele
enorme tratado e estava longe de abalar suas convicções liberais. Longe disto,
acrescentou que não aceitava ser a União Soviética a chave que detinha a
salvação do Ocidente (*).
Sobre isto em si, comentou:
“Como poderia eu aceitar a doutrina que é baseada numa
bíblia, acima e fora de qualquer crítica, um livro-texto obsoleto que eu sei
ser não só cientificamente errado como sem nenhum interesse ou aplicação para o
mundo moderno? Como posso eu adotar um credo que prefere a lama à limpeza,
exalta o grosseiro proletariado acima do burguês e da inteligência, sejam quais
forem seus defeitos, são o que a vida tem de mais qualificado e certamente contêm
as sementes de todo o progresso humano? Mesmo que precisássemos de uma
religião, como poderíamos encontrá-la no turvo refugo das livrarias comunistas?
É duro para um filho educado e decente da Europa Ocidental encontrar seus
ideais por lá (na URSS) a não ser que passe por um estranho e horrível processo
de conversão que altere todos os seus valores.”
Na Rússia soviética
As autoridades bolcheviques certamente ficaram encantadas em
ter por perto um dos símbolos da inteligência britânica. Keynes era visto como
um “intelectual progressista” de Cambridge o entusiasmo deles chegou a ponto de
condecorarem-no com um comenda cravejada de diamantes. Convidaram o grande
homem para ir a Moscou para celebrar o 2º centenário da Academia Russa de
Ciências.
Ele ficou impressionado com o mar de espiões em todas as
partes, situação que foi atenuada por uma exposição de arte que ele jamais se
deparara (Cézane, Matisse e outros).
Observou que os operários eram exaltados de todas as formas pelo
governo, mas o mesmo tratamento não era estendido aos mujiques, os camponeses
russos que continuavam sendo explorados por meio de uma política de preços como
na velha ordem czarista (mal sabia ele que os mujiques melhor sucedidos, os
kulaks, de modo infame, acossados como ‘inimigos do povo’, seriam praticamente
exterminados durante a Grande Coletivização desencadeada por Stalin a partir de
1929.
Surpreendeu-se também pelos banquetes promovidos pela
nomenklatura, a nova elite dirigente do país dos sovietes, que agiam como os
sucessores da antiga burocracia que organizava banquetes estonteantes que
começavam as 8 da noite e que se esticavam até às 5 da manha do outro dia. Eram
os ex-servos se saciando nas belas pratarias do czar.
De volta ao Reino Unido
A viagem estimulou a que Keynes no seu retorno registrasse
suas impressões em três artigos que, como quase tudo que ele escrevia, foram
logo depois editados num pequeno livro intitulado “Uma curta visão sobre a
Rússia (A Short View of Russia publicado pela Hogarth Press, em 1925).
Numa resposta a ênfase que a famosa Beatrice Webb (uma
socialista Fabiana originária da nobreza britânica) dava à questão da luta de
classe, Keynes afirmou que as classes trabalhadoras “assumem a aparência de ser
contra o alguém mais bem-sucedido, mais hábil, mais industrioso e mais
parcimonioso do que a média das pessoas. É um partido de classes e esta classe
não é minha classe...Posso ser influenciado por aquilo que me parece ser
justiça e bom senso, mas a luta de classes me encontrará ao lado da burguesia
educada”.
Neste particular, Keynes como tantos outros ativistas da
elite, adotou o argumento nietzscheano de que as manifestações “vindas de
baixo” são produtos do ressentimento social e não da injustiça de uma sociedade
desigual.
Ainda assim a ida dele à URSS modificou-lhe o comportamento.
Ele que gostava de inspecionar sua propriedade rural em Surrey vestindo-se como
um lorde, passou a usar uma camisa camponesa e o famoso gorro russo de peles,
tal um fazendeiro dos tempos do czar. Webb também acreditou que o casamento
dele com Lídia, alguém vinda do povo, de
alguma forma fez com que ele em diversas oportunidade tomasse posições
favoráveis aos operários e mineiros. Quer dizer, aplainou um tanto o esnobismo
dele e evitou que ele ao envelhecer se tornasse um resmungão reacionário.
Bibliografia
Keynes, J.M. - A Short View of Russia. Londres: Hogarth Press, 1925.
Nasar, Sylvia – A Imaginação Econômica: gênios que criaram a
economia moderna e mudaram a história, São Paulo: Cia. das letras, 2012.
Especial para Terra.
Texto e imagem reproduzidos do site: terra.com.br
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