quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Comportamento - Conversas Paralelas



Conversas Paralelas.
Por Patrícia Dantas Romero

Observe. Neste momento alguém a sua volta deve estar usando um celular. Os aparelhos de 3ª geração (3G), que utilizam sistemas como o Symbian, Windows Mobile, iOS e Android, invadiram a ”nossa praia”, leia-se a “nossa sociedade”. Com a possibilidade de acesso à internet pelo celular, saltamos do uso comedido para a mania. Cenas diárias de interação do homem com o “amigo inseparável” pipocam na capital, causando irritação àqueles que tentam travar um diálogo convencional. São as conversas paralelas, que agora, através dos celulares, se tornam rivais cada vez mais poderosas.

Tereza Cristina Maynard, bióloga, especialista em Saúde Pública, recepciona bem a tecnologia, mas alerta que ela possibilita novas formas de relacionamentos, ao tempo em que restringe as formas tradicionais de interação social. Sem falar que “a dependência pelas redes sociais é hoje uma realidade com impactos impossíveis de ignorar”, diz. Estamos encantados com o “mundo” à mão, tal qual Narciso diante da própria imagem refletida no lago de Eco, enquanto “outros”, de carne e osso, solicitam a nossa atenção.

Fernando Silva, empresário no segmento de tintas e afins, experimentou o gosto amargo de ficar “só” durante um jantar de confraternização. “A minha empresa levou um grupo de profissionais para jantar. Findada a refeição, supunha que todos entrariam num animado papo, mas aí o que acontece? Todos, sem exceção, sacam os seus smartphones, esquecendo-se completamente de que aquele era um jantar de confraternização. Alguns passaram mais de 10 min. totalmente antenados com eles próprios. Fiquei chocado com tanta desatenção para com o próximo”, desabafa.

E você, já experimentou uma situação similar? Alguém já te deixou “falando sozinho”? Já foi vítima dessas conversas “virtuais” paralelas? Tereza Cristina também sentiu na pele a sensação de estar sozinha, mesmo que acompanhada. “Certas ocasiões encontrava-me em festas, onde quase todas as pessoas da mesa utilizavam o celular. Eu me senti numa espécie de “estágio de isolamento social”. Estamos numa mesa com amigos e de repente todos usam o celular! O diálogo entre nós desapareceu? Estamos conversando virtualmente com os distantes e mudos com os mais próximos? Não aprecio!”, confessa.

Para Fernando Silva, não há como negar os benefícios da tecnologia, mas devemos manter a sensibilidade de utilizá-los nos momentos certos, sem passar por cima dos valores morais e da educação. Há uma corrente filosófica que diz exatamente isso: “quanto mais complexa a tecnologia, maior deve ser o braço da ética”. A filha de Fernando, Rafaella Dantas Silva, administradora de empresas, concorda com a opinião paterna, mas confessa que usa bastante o celular, como a maioria das pessoas da sua geração. “Não sou tão educada, às vezes utilizo o celular, mesmo que haja alguém ao meu lado. Meu namorado sempre reclama, pois tem aversão ao uso abusivo do aparelho, quando na companhia de pessoas”, declara.

Os “telefones inteligentes” são, de fato, irresistíveis. Como explica Rafaella, “emails circulam em tempo real, decisões são tomadas de forma mais prática, numa altíssima velocidade de tempo, a qualquer distância do mundo e os chats nos dão a possibilidade de encontrar amigos pessoais, ou contatos profissionais para tratar de assuntos pertinentes”. As mil possibilidades de ação através do celular dá ao homem a sensação de poder e controle da vida. O ganhador do prêmio Nobel da Paz, o indiano Muhammad Yunus foi mais longe: “A tecnologia dá poder as pessoas”. Justamente por isso fascina tanto.

Só para ilustrar o tamanho do poder de um celular, Pollyana Ferrrari, professora de jornalismo da PUC/SP, reconta em seu livro a “A Força da Mídia Social” a noite de 13/06/2009 em Teerã, quando um internauta descreve para o mundo pelo celular, através do Twitter, o início da rebelião batizada de 2.0. Enquanto os jornais, TVs e rádios sofriam a censura estatal, 45 milhões de celulares daquele país mostraram ao mundo uma das mais significativas manifestações políticas do Irã.

Portanto, é difícil não se sentir o “todo poderoso” com um brinquedinho desses nas mãos. Acesso à internet por Wi-Fi e banda larga, vídeos conferências em tempo real, chats, redes sociais, câmeras de até 12 Mpx, jogos em 3D e TV’s com até 5.5' polegadas, tudo embalado em belos objetos portáteis. Aí estão os valores básicos da tecnologia: eficiência e economia, aliados à estética. Mas será que é só isso? Em se tratando de tecnologia, a questão mais polêmica, sobre a qual se debruça a psicologia e a filosofia, não está relacionada à máquina e o que ela pode fazer, mas sim com a significação dela para existência humana.

Albert Borgmann, filósofo alemão contemporâneo, diz que o apelo tecnológico é tão forte, que a maioria das pessoas é incapaz de recusar. Esse “entorpecimento” do homem pela máquina torna a vida humana limitada, pois as pessoas deixam de enxergar outras formas de se viver.  Em sua obra “Tecnologia e do caráter da vida contemporânea: uma interpretação filosófica”, Borgmann instiga: “Se duas horas de TV por dia entram em nossas vidas, outra coisa tem que sair. E o que saiu? Contar histórias, ler, socializar com os amigos ou apenas dar um passeio para ver o que está acontecendo no bairro”.

 Jorge Alvarez, Engenheiro Mecânico e de Segurança do Trabalho, tem se questionado sobre esse “entorpecimento pela tecnologia” de que fala Borgmann. “Não existe mais aquela amizade de você passar na casa do amigo para ver como ele está, basta uma mensagem no facebook e pronto. Onde fica o verdadeiro significado da amizade, aquele calor humano que tínhamos antes dessa era das redes sociais, onde as pessoas possuem milhões de amigos, quando na verdade muitos são totais desconhecidos?”, questiona.

Uma das cenas hilárias testemunhadas por Jorge aconteceu à noite, num bar da cidade. “Estava na balada e observei um cara tentando conhecer uma menina. A cada instante ela interrompia o rapaz para mexer no celular. Lá pelas tantas o cara se irritou, deixou a menina sozinha e saiu resmungando”. Segundo Jorge, a situação é preocupante, pois não há como preferir à rede social a uma boa conversa com amigos, ou até desconhecidos que querem ampliar o rol de amizades reais. “Eu chamaria isso de uma inclusão no mundo virtual e uma exclusão do mundo real”, finaliza.

E qual a solução para aproveitar o lado bom dos avanços tecnológicos, sem nos esquecer dos valores antigos? “Acredito que o segredo está na moderação. Chamo sempre a atenção dos meus filhos para que não se isolem do convívio social real’”, diz Tereza Cristina Maynard. Os jovens descobriram uma forma lúdica para se chegar a um meio-termo e quem nos conta sobre a brincadeira é Rafaella Silva: “A última moda é colocarmos os aparelhos empilhados na mesa do bar. Quem pegar primeiro, paga a conta toda. Essa é uma maneira de gerar interação pessoal e esquecer-se um pouco o mundo virtual”, comenta.

EDUCAÇÃO É A SOLUÇÃO

Quando o professor francês Gérard Boyer se aposentou, em 2001, os celulares não tinham invadido as escolas. De lá para cá a realidade é outra. É comum observarmos crianças do ensino fundamental utilizando celulares. Durante a elaboração dessa matéria, também observei alunas adultas passarem aulas inteiras com os celulares grudados às mãos, postando mensagens entre um exercício e outro, num curso de idioma. Para Gérard, esses “fenômenos de isolamento” dentro de uma comunicação virtual vão acontecer cada vez mais.

“O mundo virtual é o chamado Matrix. Esta é a nova forma de interação com o mundo exterior. Mas o mundo é muito mais do que um eco de si mesmo”, nos conta Gérard. Então não adianta ficarmos como Narciso, debruçados sobre a tela do celular, para criar vidas perfeitas, através de jogos, ou redes sociais, massagear o ego, ou suprir carências. Ali não é o mundo, por mais avançada que seja a tecnologia. E não se esqueçam, de tanto se olhar, fascinado por si, Narciso mitológico afogou-se. E ele nem podia medir a sua popularidade. Imaginem nós, com as redes sociais à nossa disposição!

Segundo o professor, hoje residente no Brasil, as verdadeiras predadoras cruéis das crianças e adolescentes são as empresas globalizadas e ultrapoderosas, que veiculam anúncios atraentes, de conteúdo apelativo, em conformidade com a moda, para um público impotente de reação. Além disso, educação se dá pelo exemplo. “Os educadores têm geralmente um ou dois celulares. Como eles poderiam salvar as crianças de uma doença que eles mesmos estão sofrendo?”, questiona.

Para Gérard Boyer, a solução está nas mãos dos pais, professores, industriais, que são capazes de filtrarem os conteúdos negativos, veiculados pelos meios tecnológicos. Televisão, sim, mas sob o controle. Jogos eletrônicos e móveis, sim, mas sob o controle. Segundo o professor, há uma frase de um autor francês do Renascimento, François Rabelais, que atravessou os séculos e precisa ser lembrada nos dias de hoje: "Ciência sem consciência é a ruína da alma".

Fotos e texto reproduzidos do blog:  patriciadromero.blogspot

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