sexta-feira, 14 de novembro de 2025

A guerra das enciclopédias


Volumes da Enciclopédia Britânica em uma prateleira de uma biblioteca 

Capa da Enciclopédia Familiale Larousse 

Volumes da Enciclopédia Barsa

Página inicial do site Wikipédia 

Grokipedia v0.1 no smartphone colocado na frente da página inicial da Wikipédia 

Logotipo da Grok é exibido em um smartphone com Elon Musk ao fundo

Artigo compartilhado do BLOG DO ORLANDO TAMBOSI, de 13 de novembro de 2025

A guerra das enciclopédias

Dois mil anos depois, a busca do conheimento completo chega a uma nova fase com o Grokipedia, que não é escrita por humanos. Dagomir Marquezi para a Oeste:

“Enciclopédia” é definida como “obra de referência que contém informações sobre todos os ramos do conhecimento ou que trata de um ramo específico do conhecimento de forma abrangente”. A definição é da mais prestigiada das enciclopédias tradicionais, a Britannica.

A palavra vem do grego enkyklios paideia e significa “educação geral”. Gregos e romanos antigos já tinham o princípio de acumular conhecimento para tornar as pessoas mais competentes. Enciclopédias árabes e persas apareceram nos séculos 9 e 10, respectivamente. No Ocidente, elas eram escritas especialmente por monges católicos.

O formato de enciclopédia como as que conhecemos hoje surgiu no século 18 por meio do filósofo e cientista Francis Bacon. A primeira edição da Encyclopædia Britannica foi publicada em 1768. Com o tempo, ela passou a contar com colaborações de mais de cem ganhadores do Prêmio Nobel, incluindo Albert Einstein e Marie Curie. O conhecimento adaptado a ditaduras apareceu na União Soviética (com a Granat Encyclopaedia) e na Itália fascista (com a Enciclopedia Italiana). Desde o início, enciclopédias de todos os tipos foram acusadas de tendenciosas.

A importância da Barsa

Brasileiros de classe média tiveram a chance de possuir uma enciclopédia na estante da sala a partir dos anos 1960. Como a tradução da francesa Larousse e a popular Conhecer, lançada em fascículos pela Editora Abril em 1966. Os fascículos de Conhecer chegaram a vender mais de 100 milhões de exemplares em 13 edições.

Mas o grande símbolo dessa época ocorreu em 1964 com o lançamento da Barsa. A princípio, ela seria uma tradução em português da Britannica, mas sua proprietária, Dorita Barrett, optou por um projeto voltado para o público brasileiro. Chamou como redator-chefe o escritor Antonio Callado. Do seu corpo editorial faziam parte nomes ilustres como Jorge Amado, Oscar Niemeyer e Antônio Houaiss. Nem é preciso dizer qual foi a tendência política da enciclopédia. Callado falava abertamente em “mudar a visão que os homens têm do mundo”.

Mas ninguém pode negar a importância fundamental da Barsa. Seus 16 volumes encadernados em vermelho formaram a base da educação de gerações, com seus verbetes produzidos no Brasil e os traduzidos da Britannica. Suas páginas destinadas à anatomia, por exemplo, com suas lâminas transparentes, inspiraram muitos médicos do futuro. Hoje, a Barsa pertence à editora Planeta e continua à venda, apenas em formato impresso, com 18 volumes.

A enciclopédia de qualquer um

As grandes transformações da instituição enciclopédia começaram em 1985. Caras obras com dezenas de volumes impressos encontraram um novo caminho na mídia eletrônica. A Microsoft lançou a Encarta, disponível em CD-ROM. A venerável Britannica optou por uma edição online em 1994 (e deixou de ser impressa em 2010). A obra monumental, que custava o equivalente (em preços atuais) a US$ 3 mil, ficou disponível por uma mensalidade de US$ 9.

No dia 15 de janeiro de 2001, Jimmy Wales e Larry Sanger acabaram com o monopólio dos especialistas e criaram a Wikipedia — a primeira enciclopédia feita por qualquer um. Quem entendesse de qualquer assunto poderia escrever um verbete. E todos os verbetes estavam abertos a quem quisesse colaborar. Através da licença Creative Commons, os textos eram abertos e não pertenciam a ninguém.

O crescimento foi rápido. A Wikipedia logo estava sendo escrita em dezenas de línguas. Só a sua versão em inglês tem mais de 7 milhões de verbetes. Na versão em português, aproximadamente 1,15 milhão.

Nos anos seguintes à sua criação, a Wikipedia, até por ser gratuita, se transformou no material de referência básico da humanidade como um todo. E, num certo sentido, se vulgarizou. Ter um verbete na enciclopédia equivalia a um currículo de prestígio. Muitos passaram a escrever verbetes sobre si mesmos.

A Wikipedia foi logo tomada pela fama de “não confiável”. O que se tornou uma generalização injusta. Claro que não se podia comparar a Wikipedia com a rígida Britannica, onde cada informação é rigorosamente checada por especialistas.

Ao mesmo tempo, a Wikipedia, por não ter limite de tamanho, se tornou muito mais abrangente que as enciclopédias convencionais.

Se alguém quiser se informar sobre, digamos, fusão nuclear ou a vida da escritora Emily Brontë, deve procurar a Britânica. Mas se quiser procurar os detalhes da terceira temporada da série Breaking Bad ou o nascimento do Baby Shark, vai encontrar recursos fartos na Wikipedia.

Plataforma do ódio

O problema mais sério de credibilidade da “enciclopédia de todos” foi a praga do aparelhamento ideológico. Qualquer um podia colaborar com ela, mas os mecanismos de controle sobre a edição final foram crescendo. Em questões mais polêmicas, a Wikipedia passou a ter um lado.

“As regras da plataforma se tornaram mais rígidas, exigindo citações e documentação, e grupos de interesse se mobilizaram em torno de determinados verbetes para protegê-los contra possível distorção”, descreveu Jeffrey Tucker, colunista do Brownstone Institute e colaborador da Oeste. “É claro que qualquer pessoa pode editar, mas suas edições serão revertidas imediatamente se não estiverem em conformidade com as regras. Para muitos verbetes, tornou-se praticamente impossível alterá-los sem antes acessar as páginas de discussão e pedir permissão.”

“Na Wikipedia, 85% dos editores mais influentes permaneceram completamente anônimos”, observa Tucker. “Isso se revelou um grave problema. Permitiu que indústrias poderosas, governos estrangeiros, agentes de serviços secretos e qualquer pessoa com grande interesse em um determinado assunto controlassem a narrativa, banindo pontos de vista contrários. À medida que a política se tornava cada vez mais controversa, a Wikipedia, em geral, seguiu o caminho da mídia tradicional, apresentando um viés consistentemente de centro-esquerda em qualquer tópico que impactasse a perspectiva política. Depois da vitória de Trump em 2016, toda a plataforma foi tomada pelo ódio que se seguiu. Os editores criaram listas de fontes confiáveis ​​e não confiáveis, banindo assim qualquer mídia de direita de ser citada em nome do equilíbrio. De fato, o equilíbrio desapareceu completamente.”

Nasce a Grokipedia

Esse desequilíbrio incomodou uma pessoa muito poderosa: Elon Musk. Em 2019, o homem de meio trilhão de dólares olhou seu perfil na Wikipedia e considerou o que leu “insano”. Musk frequentemente chamava a Wikipedia de “Wokipedia”. Alega que é controlada por “ativistas de extrema esquerda” que manipulam biografias e artigos para promover agendas progressistas.

Em dezembro de 2024, ele postou no X: “chega de doações à Wikipedia até que eles comecem a falar a verdade”. Criticou especialmente o uso de US$ 50 milhões em iniciativas de DEI (Diversidade, Equidade e Inclusão) em vez de melhorar o conteúdo. No mês seguinte, defendeu um boicote à Wikipedia “até que o equilíbrio fosse restaurado”.

O empresário não ficou só na crítica. Em 27 de outubro, usando como base seu aplicativo Grok, Musk lançou a primeira enciclopédia escrita por inteligência artificial, a Grokipedia. Ela coleta informações, redige e tem mecanismos internos para evitar informações falsas e tendenciosas. O que não a impediu de ser chamada, claro, de “extrema direita” por quem não gosta de Musk.

“As máquinas fazem um trabalho melhor”

Com tão pouco tempo de vida, a Grokipedia tem um longo caminho de aperfeiçoamento pela frente. Em comparação com a Wikipedia, seu número de verbetes ainda é muito pequeno, pouco mais de 885 mil, ainda tem apenas a versão em inglês e não usa qualquer recurso de mídia — mapas, ilustrações, som ou imagem. É apenas texto. Seus poucos links estão direcionados para as fontes usadas nos verbetes. Por sua própria natureza de buscar outras fontes, muito de seu conteúdo simplesmente tem copiado o que está publicado na Wikipedia, com correções dos trechos mais marcados pelo viés ideológico.

É apenas o começo. A ideia de uma “máquina” de criação automática de conteúdo sem a interferência (e os vícios) dos humanos talvez seja a maior revolução na história das enciclopédias nos 2 mil anos em que a humanidade resolveu reunir em livros e sites a “educação geral”.

“A Grokipedia, mesmo em sua primeira versão, já está muito à frente da Wikipedia em termos de equilíbrio e variedade de fontes de informação”, escreveu Jeffrey Tucker no site do Brownstone Institute. “Ao que parece, as máquinas fazem um trabalho melhor do que oligarcas anônimos para nos aproximar da verdade. Bem-vindos à era pós-Wikipedia. Foi divertido enquanto durou. Que seja bem-vinda a sua obsolescência e substituição por algo muito melhor.”

Texto e imagens reproduzidos do blog: otambosi blogspot com

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