Publicação compartilhada do BLOG DO ORLANDO TAMBOSI, em 5 de novembro de 2021
O império Facebook está derretendo
Mark Zuckerberg parece incapaz de aprender com os próprios erros. Dagomir Marquezi para a Oeste:
Ninguém discutia na época, e ninguém discute hoje — Mark Zuckerberg é um gênio, mesmo para os altíssimos padrões da Harvard. Rejeitado pela namorada e pelo Phoenix, ele decide criar um clube em que vai ser aceito porque é o dono. FaceMash vira TheFacebook, e depois simplesmente Facebook.
No caminho para se tornar o mais jovem bilionário da história, espalha traições, trapaças, blefes, manipulações e atrai processos judiciais. Não há limites para sua ambição. Ele trai sem piscar o seu sócio inicial e único amigo, o paulistano Eduardo Saverin. (Que entrou num acordo judicial com Zuckerberg, ganhou muito dinheiro no processo, hoje mora em Cingapura e é o brasileiro mais rico do mundo.)
A rede que Mark Zuckerberg começou a criar naquela noite de raiva e cerveja em 2003 se tornou global. Mark agora está com 37 anos, US$ 113,5 bilhões e ainda usa franjinha. É casado, tem dois filhos e enfrenta seu pior momento com o império que criou.
Afogado em críticas e escândalos legais, o gênio está isolado. Nega-se a resolver os problemas que criou ou a dividir seu poder. Isola-se cada vez mais. O caminho para o desastre parece traçado, mesmo que ele tenha mudado o nome da empresa e estabelecido um novo objetivo estratégico para ela.
Jovens em fuga
É um milagre que Zuckerberg tenha atraído tantos usuários com produtos tão ruins. As três pernas de seu império são inseguras, oferecem serviços ultrapassados, de má qualidade e que podem ser desertados assim que algum concorrente com mais competência se estabelecer no mercado.
Robert J. Bork Jr., do Wall Street Journal, fez um diagnóstico ainda mais duro: “O Facebook está alarmado pela velocidade com que o número de novos usuários está secando. A previsão é que o uso do aplicativo do Facebook por jovens adultos vai cair 4% nos próximos dois anos, com um declínio de 45% entre adolescentes. O Instagram está mostrando sinais de envelhecimento também, com os adolescentes migrando em grande número para o TikTok e o Snapchat”.
Dez pecados de Mark Zuckerberg
Como se não tivesse problemas suficientes, Zuckerberg está enfrentando uma rebelião interna. No início de outubro, o Wall Street Journal começou a receber uma série de documentos internos da empresa, fornecidos por funcionários descontentes, em condição de anonimato. A figura mais destacada dessa rebelião é a ex-gerente de produtos Frances Haugen, que já prestou depoimento a uma comissão do Congresso americano. Ela declarou que o Facebook já sabe como tornar suas redes mais seguras, mas não toma providências porque Zuckerberg tem outras prioridades. Frances foi a primeira pessoa de destaque da empresa a pedir explicitamente a substituição do fundador da empresa como CEO.
Rede de bandidos — Os empregados revoltados avisaram a cúpula da empresa que o Facebook estava sendo usado para o tráfico humano no Oriente Médio, para ataques a minorias étnicas na Etiópia, venda de órgãos, pornografia, repressão a dissidentes e apoio a um cartel de drogas mexicano. A empresa não tinha funcionários suficientes nos países em que atuava para identificar esses usos ilegais da rede. Mark Zuckerberg optou por não tomar atitudes que o fizessem perder usuários e provocar governos autoritários.
Armadilha para tweens — O Facebook fez dos pré-adolescentes um dos principais alvos de sua estratégia de expansão. Com isso, atuou agressivamente para incluir menores de 13 anos entre seus seguidores. Mas não tomou providências para evitar expor esse público a predadores e “conteúdos impróprios”. A empresa chegou a planejar um aplicativo chamado “Instagram Kids” para crianças, mas decidiu adiar o projeto para conversar com pais, experts e legisladores. O Facebook mirou especialmente os “tweens”, a faixa entre 10 e 12 anos. Num chat interno, a influencer JoJo Siwa confessou que usava o Instagram para criar sua imagem desde os 8 anos de idade.
Mais vagas para advogados — Relatórios sobre a força de trabalho da empresa revelam suas prioridades. Refletindo a obsessão de Mark Zuckerberg, o maior crescimento de números de funcionários aconteceu na área encarregada da expansão da base de usuários. Outro grande crescimento aconteceu no staff legal, pois a empresa anda cada vez mais necessitada de advogados para enfrentar os processos jurídicos que se acumulam. Enquanto isso, as vagas para técnicos em segurança ficam estagnadas ou diminuem.
Omissão contra abusos — O Facebook garante que o uso de inteligência artificial é o melhor instrumento para coibir abusos, agressões, casos de intolerância e imagens inapropriadas. Mas, segundo os documentos vazados, o sistema só identifica algo entre 1% e 2% dos casos. E não promete nada melhor que 20% a médio prazo. Dois anos atrás, a empresa cortou o número de empregados encarregados de identificar os chamados discursos de ódio.
No escuro — O número de usuários apresentados pela empresa é um blefe. Um estudo recente apontou que de 32% a 56% das novas contas eram abertas por usuários já existentes. O número de contas de gente entre 20 e 30 anos é maior do que a população total dos EUA nessa faixa de idade. Ou seja, boa parte dos usuários do Facebook criou múltiplas contas. A população real da rede pode ser bem menor do que os 2,85 bilhões de contas anunciadas.
Quem pode e quem não pode — O Facebook decide que grupos políticos são permitidos ou proibidos na rede. E não existe um critério visível para essa escolha. Segundo a Bloomberg Businessweek, o Facebook está jogando duro com a presença do Isis e da Al-Qaeda em seu site. Mas não faz nada para limpar dele grupos terroristas como Hamas, Hezbollah, Boko Haram e as Farc. Os documentos conseguidos pelo Wall Street Journal mostram também que o Facebook debateu internamente quais as melhores medidas para coibir usuários considerados extremistas de direita. Mas não conversaram nada com relação a extremistas de esquerda. Os documentos revelam também o crescente aparelhamento da empresa por empregados de esquerda.
A segunda novidade foi o desafio de conquistar o metaverso como objetivo prioritário para a empresa. O termo metaverso foi inventado pelo escritor Neal Stephenson, em 1992, significando uma mistura de realidade física e virtual. Neste ano, a empresa investiu US$ 10 bilhões no Facebook Reality Labs e empregou mais 10 mil funcionários, com planos de dobrar esse número em breve.
Mark Zuckerberg apresentou seu novo projeto reafirmando que continua com o mesmo objetivo desde o início: aproximar pessoas. Sua apresentação em vídeo mostra como exemplo um escritório imaginário flutuando no espaço onde as pessoas possam se encontrar como avatares. Outra opção é juntar amigos numa festa virtual. Ou assistir a um show ao vivo. A intenção de Zuckerberg é que o metaverso substitua em cinco ou dez anos nossa relação de dependência hoje predominante com nossos celulares.
A opção pelo metaverso foi uma grande sacada de Mark Zuckerberg? Pode ser. Mas pode ser também mais um passo errado de uma empresa que não inventa nada desde o Facebook, e vive de comprar projetos alheios. A imagem do Facebook é muito ruim. A impressão de incompetência se soma à de falta de escrúpulos e a um tom de “domínio global a qualquer custo”. Zuckerberg virou alvo fácil de chargistas.
A opção de mergulhar no metaverso talvez tenha sido mais uma saída psicológica do que empresarial. Segundo o Washington Post, antigos funcionários revelaram que o fundador da empresa anda cada vez mais isolado por causa dos contínuos escândalos e vazamentos. Ele comunica suas decisões a dois pequenos grupos fechados. As informações que chegam até ele são rigidamente controladas.
Nesse clima de isolamento, volta a suspeita que Zuckerberg tenha a chamada “síndrome de Asperger”, uma forma leve de autismo. O vídeo de apresentação de seu novo projeto tem um indisfarçável tom de infantilidade e alienação. Depois de causar tantos problemas para si mesmo e para os outros, Mark parece ter encontrado a saída para o metaverso como uma espécie de válvula de escape mental. Ele se sente rejeitado e incompreendido por um mundo que exige o impossível — que o menino revoltado da Harvard amadureça e assuma suas responsabilidades. E insiste em cometer os mesmos erros sem se importar com as consequências.
A última cena de A Rede Social mostra uma de suas advogadas, cansada da arrogância de Zuckerberg, encerrando o filme com duas frases dirigidas ao jovem magnata: “Não acho que você seja um cretino, Mark. Mas acho que você se esforça bastante para ser”.
Texto e imagem reproduzidos do blog: otambosi.blogspot.com
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