Publicado originalmente no BLOG DO ORLANDO TAMBOSI, 1 de
julho de 2021
Sexualidade no progressismo: as europeias.
O amour libre pregado pelos franceses no pós-guerra focava
exclusivamente no prazer, contra toda motivação de ordem econômica ou social.
Bruna Frascolla para a Gazeta do Povo:
Como vimos, o casamento gay pode ser reivindicado por
europeus hedonistas e norte-americanos puritanos sob chaves opostas. O mesmo se
dá com a liberdade sexual da mulher.
Nos Estados Unidos, a feminista para de trabalhar como os
homens e passa a vender o seu sexo (sugar baby) ou sua beleza (Only fans). Num
caso e noutro, o prazer está fora de questão. Prostitutas transam porque dá
dinheiro, e uma jovem cam girl pode permanecer virgem em casa, salvando o mundo
da pandemia. Para tirar fotos não é necessária nenhuma experiência, basta
copiar as artistas pop. Antes, falava-se em liberdade sexual. Hoje, fala-se em
“empoderamento”. Muito justo, já que empoderamento pode se referir
exclusivamente a finanças. (Quando elas estiverem mais velhas, sem corpo para
vender, ninguém se espante com suicídio e overdose.)
O sexo oposto ao comércio
Como seria uma oposição frontal a essa maneira de encarar o
sexo? Aquela que focasse exclusivamente no prazer, contra toda motivação de
ordem econômica ou social. Ou seja, o amour libre pregado pelos franceses no
pós-guerra. A mulher que pratica o amour libre não recebe do homem o pagamento
que as prostitutas recebem, nem o sustento que as mães de família tradicionais
recebiam. Ingressou no mercado de trabalho para se tornar autossuficiente, não
quer dever satisfação a marido nem cuidar de filho, e busca os homens só para o
prazer.
Por que as europeias ficaram tão diferentes das
norte-americanas? Além de fatores religiosos (a Europa é muito mais ateia do
que os Estados Unidos) e culturais (francesas não serem puritanas) eu tenho uma
hipótese de ordem mais pragmática: a Europa perdeu uma grande guerra, enquanto
que os Estados Unidos têm uma história bem macia em comparação a ela. O único
trauma dos EUA é a guerra do Vietnã, cuja mortalidade é besteira em comparação
à da Europa nas duas Guerras Mundiais, e cuja derrota, remotíssima, não
acarretou uma invasão de vietnamitas estuprando americanas.
Levante a mão quem tem uma mãe, avó ou bisa bígama. Eu tenho
bisavó, por causa da guerra. Imagine que você se casa em período de paz, que o
seu filho nasce pouco antes do início da II Guerra mundial, e que Mussolini
manda o seu marido para a África do Norte. A guerra não dá nada certo e a sua
cidade fica sob bombardeios dos Aliados. Toda a sua sociedade conhecida
colapsou. O inverno é duro e todos passam fome. Para achar comida, há que se
procurar os lanchinhos dos soldados mortos estendidos no chão. Enquanto isso, o
seu marido está lá na África do Norte.
De alguma maneira, levando o filho, a minha bisavó saiu da
Europa com um austríaco e casou com ele na Argentina, sem saber se o marido
estava vivo ou morto. A Argentina e os Estados Unidos receberam muitos
fugitivos da II Guerra, sendo a Argentina aberta ao nazifascismo e um franco
asilo de nazistas. Esse povo dificilmente vinha para o Brasil, já que o país
era mais pobre e mais fechado à imigração do que a Argentina. Se o austríaco
não tivesse vontade de morar na praia e não conseguisse se mudar para o Rio de
Janeiro, não tinha Bruna.
Mulheres durante o colapso social
Quando os homens vão para a guerra, perdem e uma sociedade
colapsa, o que costuma acontecer com as mulheres? Estupro e prostituição. O
estupro não precisa de maiores explicações, já que desde os primórdios da
humanidade as mulheres são despojos de guerra. O exército vencedor invade, os
maridos estão mortos e as mulheres indefesas. A prostituição é consequência da
miséria. E mais: da miséria súbita. Então com a guerra temos moças carolas e
devassas, ricas e pobres, viúvas e solteiras, igualadas na necessidade de
vender a única coisa que têm (o corpo) para conseguir comida. É evidente que é
traumático. Outra situação, mais nebulosa, é a da mulher que aceita o novo
estado de coisas e se mistura com o vencedor, escolhendo tornar-se sua manteúda
em vez de esposa de um compatriota derrotado.
Assim, na II Guerra, a Europa assistiu aos homens alemães
tomando as francesas, as gregas, as belgas etc., para em seguida assistir aos
russos, americanos e ingleses tomando as alemãs. Assistiu às judias fugindo com
a roupa do corpo e vendendo o que tinham em seus novos países. Depois do fim da
guerra, as francesas que ficaram com os alemães foram publicamente humilhadas e
tratadas como prostitutas repugnantes.
Penso que o amour libre é um meio de expurgar a pecha da
prostituição. No pós-guerra, as francesas poderiam jurar de pés juntos que só
fizeram por prazer, sem proveito financeiro. E milhões de mulheres Europa afora
puderam adotar o mesmo escudo contra a mesma acusação que lhes poderia ser imputada.
Entre o hedonismo e a paranoia, autonomia
De resto, hedonismo pode ser uma conduta natural de quem crê
no colapso iminente. Que fez parte da descendência desses fugidos da II Guerra?
Prepara-se para o próximo colapso, a III Guerra Mundial tida por iminente. Quem
pegou a II depois de pegar a I tem certeza de que virá a III. E ensina isso
para os filhos, que vão passando de geração em geração.
O temor pode ganhar contornos de paranoia. Um traumatizado
já decidiu por sabe deus quais critérios que Garanhuns era o local do mundo
aonde o colapso seria menos grave. Depois mudou de ideia e passou a ser uma
área do interior de São Paulo. Sandor Lernard, o grande humanista que fugiu do
campo de concentração e envelheceu no Brasil, achava que esse lugar era o Vale
do Itajaí. São todos áreas rurais, onde se pode ser o esquisitão da
sustentabilidade, o primeiro a viver em ambiente rural após gerações de
ancestrais urbanos. Pode-se apontar também o surgimento de um moralismo
alimentar, fetiche com orgânico e dietas vegetarianas.
Last, but not least, nesse perfil há o hábito de os homens
também saberem cozinhar. Quem olhe de fora vai achar que é fruto de
considerações sobre “papéis de gênero”, mas é que só uma sociedade com
estabilidade pode produzir homens incapazes de fritar um ovo. Um homem assim
tem que ter ou uma família sólida (com mãe ou mulher cozinhando), ou uma renda
sólida (pagando sempre uma cozinheira) ou um mercado sólido (comprando comida
pronta). São três coisas consideradas conforto numa situação de colapso. Se o brasileiro
olha para quem cozinha como um abnegado fazendo as tarefas de alguém humilde, é
porque nem passa pela cabeça a situação de colapso.
Ao cabo, se o medo do colapso preparou os homens para não precisarem das mulheres e as mulheres para precisarem dos homens, o casamento não é mais algo natural. Porque mira-se a autonomia, em vez do amparo mútuo.
E o hedonismo também é uma consequência plausível desse medo
do colapso. Se o mundo vai acabar, que o mundo se esbalde antes.
Texto e imagem reproduzidos do blog: otambosi.blogspot.com
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