O professor Jeff Jarvis na sede do EL PAÍS em Madri. (Foto: Carlos Rolillo)
Publicado originalmente no site do jornal El País Brasil, em 13 de julho de 2019
“Não fui radical o bastante ao imaginar o futuro do
jornalismo”
"Pedir esmola funciona para um jornal", diz Jeff
Jarvis, guru que há anos prega novas ideias sobre o ofício
Por Jordi Pérez Colomé
O professor Jeff Jarvis tem um dos trabalhos mais infelizes
do mundo: guru do futuro do jornalismo. A longa crise do ofício resiste por
enquanto a todos os tipos de profecias. Mas Jarvis, professor da City
University de Nova York, continua sugerindo novas ideias apesar de previsões
erradas anteriores. Seu entusiasmo é contagiante: a Internet mudou tudo, mas
continua existindo demanda de informação.
Continuamos em uma transição que talvez dure mais uma
década. Nos Estados Unidos, com mais de 3.000 demissões, esse ano ruma para ser
o pior para jornalistas em uma década: e isso porque entre 2009 e 2017 as
redações norte-americanas já perderam 23% de seus repórteres. Jarvis, pelo
visto, acha que deve ser mais radical. Falou com o EL PAÍS em sua passagem por
Madri para o encontro da Associação Internacional de Pesquisa de Imprensa e
Comunicação (IAMCR na sigla em inglês), realizado na Faculdade de Ciências da
Informação da Universidade Complutense de Madri.
Pergunta. O senhor está há mais de 10 anos tentando
adivinhar como será o jornalismo do futuro.
Resposta. Não fui bem-sucedido.
P. Nesses 10 anos ocorreram histórias de sucesso: New York
Times, Washington Post, Guardian. Mas jornais menores e países e regiões com
audiências menores continuam sofrendo.
R. Isso acontece por serem negócios fantásticos. Em muitas
cidades dos Estados unidos eram monopólios. Existiam jornais que no ano 2000
ganhavam 40 milhões de dólares (150 milhões de reais) somente com anúncios classificados.
E puf, tudo desapareceu. É muito difícil se desmembrar e se recompor. É difícil
abandonar algo que deseja que continue sempre assim.
P. Há anos o senhor tenta encontrar soluções que desmoronam.
R. Posso ser um farsante. Não defendo que eu tenha razão.
P. O jornalismo empreendedor, por exemplo.
R. Sim, acreditava que os blogues superlocais seriam um
pilar do ecossistema do futuro. Mas é muito difícil e arriscado. Os jornalistas
não querem vender e tocar um negócio. Eu me enganei. Não é um pilar. Também
existem coisas interessantes em jornalismo sem fins lucrativos: Texas Tribune,
The City em Nova York, Propublica. É excitante, mas não há financiamento
suficiente para resolver todo o problema.
P. A solução é um mistério, mas e o problema?
R. A evidência é clara: precisamos mudar. Há muitas
oportunidades. Enquanto enxergarmos a Internet como uma ameaça, ficaremos
incomodados. Se olharmos a Internet como a base para mudar nossa relação com o
público, há base para algo. Na verdade, acho que não fui radical o bastante.
P. Mas sem dúvida é o mais radical.
R. Não fui radical o suficiente com o futuro. Agora penso
assim: precisamos repensar para que serve o jornalismo em uma sociedade,
começar a enfrentar os problemas e aprender com outras disciplinas. Se estamos
muito polarizados e as comunidades não se entendem entre si, é preciso
construir pontes. Temos também que aprender com os antropólogos e perguntar a
eles como entender uma comunidade, como escutá-la, como conseguir evidência,
como se conectar. Há também uma crise de Inteligência: como é possível que 40%
dos americanos achem que Donald Trump vale a pena? Precisamos olhar a
neurociência. O que diz a ciência sobre o fato das pessoas se enganarem sobre
seus melhores interesses?
P. O senhor usa uma metáfora sobre uma casa em chamas.
Enquanto ela queima, a indústria deve construir uma nova moradia diferente em
outro lugar. Mas não é mais correto dizer que estamos reconstruindo a mesma
casa enquanto queima?
"Posso ser um farsante. Não defendo que eu tenha
razão"
R. Sim. As empresas continuam dependendo do volume: os
anúncios do papel, os cliques, a publicidade programática online. Estão
fechadas em um ciclo. Não podem reconstruir a casa em chamas e ao mesmo tempo
criar mais chamas.
P. É difícil se libertar?
R. Olhamos o Google e o Facebook, vemos seu alcance e
queremos ser como eles. Continuamos no negócio das massas. É um problema
fundamental. Temos que aprender a personalizar, temos que aprender valor.
Devemos repensar nossa economia ao redor da variável usuário valioso. O
Telegraph optou por um muro de pagamento (pay wall), o Guardian por ter
membros, mas os dois passaram por um processo de redução do conteúdo. Antes só
produziam páginas visualizadas.
P. O problema é onde cortar.
R. Um, deixe de copiar os outros. Seja único. Não faça
notícias baratas, comuns. Algumas devem ser feitas, mas não gaste dinheiro
nisso. Dois, procure valor. O que é valioso na vida das pessoas? O que posso
fazer que elas realmente irão usar? Isso inclui jornalismo investigativo,
inclui agir como vigilantes do poder. Mas não falo de oferecer somente
jornalismo. Tenho uma posição única no mercado. Um jornal de Seattle está
premiando os jornalistas pela quantidade de assinaturas que conseguirem com
seus artigos. Também não irá funcionar. Porque, primeiro, acontece só uma vez.
Segundo, é mais uma métrica, mas há algo que cause retenção? Precisamos de
novas métricas sobre valor. É necessário inventar algo novo.
P. O negócio do jornalismo era o conteúdo.
R. Já não pode ser a única recompensa. É preciso oferecer
acesso a membros de uma comunidade, a contatos com jornalistas, a eventos,
descontos, educação.
P. É fácil imaginar jornalistas lendo isso e pensando ‘que
complicado’.
“As empresas continuam dependendo do volume: os anúncios do
papel, os cliques, a publicidade programática”
R. Sim. Mas com um muro de pagamento você limita as
conversas, separa seus leitores. Os que gostarem muito de você, pagarão. Mas
limita sua influência.
P. Os muros de pagamento não são uma salvação?
R. Estamos enganados se acreditamos que são a salvação.
Sempre esperamos o próximo messias: tablets, publicidade programática, muros de
pagamento. Acabo de ver um estudo do Instituto Reuters de Oxford e descobriram
que a metade dos pagamentos de assinaturas digitais vai para três marcas: New
York Times, Washington Post e Wall Street Journal. De modo que se você é o
Cleveland Plain Dealer seguir adiante é um desafio: não tem a mesma audiência e
alcance, a mesma conversa leitor-assinante, não pode cobrar o mesmo, irá perder
mais assinantes porque não é tão valioso. Os muros não irão salvá-lo.
P. Algumas marcas irão se salvar.
R. Trabalho com o Guardian, que optou por não erguer um muro
para que seu jornalismo estivesse disponível para todos, com o que concordo.
Trabalho com eles em seu programa de membros. Imediatamente percebemos que não
se tratava de membros, e sim de mendigar. E pedir esmola funciona.
P. Funciona nos Estados Unidos e no Reino Unido.
R. Funciona nos Estados Unidos e um pouco menos no Reino
Unido. Há oportunidades para que uma empresa de comunicação obtenha dinheiro do
consumidor. Isso não significa necessariamente um muro. Muita gente dá dinheiro
ao Guardian e não entra regularmente, mas está preocupada pelo meio ambiente.
Por que o Guardian não cria um movimento ambiental? Têm uma oportunidade de
comunidade: não pertencer ao Guardian e sim ao clube. É preciso procurar novas
afinidades. As pessoas estão aí não só porque gostam de nossa marca. Sei que é
difícil.
P. A reputação da imprensa é baixa. Talvez o jornalismo
precise deixar de ser feito por alguém chamado jornalista?
R. Temos um papel diferente. Já não se trata somente de
produzir conteúdo. É preciso pensar o que fazer com a sociedade. Meu conselho é
ter coragem e testar novas ideias malucas.
P. Qual é sua opção agora?
R. Uma estratégia baseada na relação com comunidades.
Precisamos ampliar a definição de comunidade. Quando pergunto aos meus alunos
de jornalismo social em Nova York de quais comunidades são membros, começam com
obviedades: moro no Queens, sou estudante. Então alguém na classe diz: ‘Tenho
problemas de saúde mental’. Bum, a discussão muda. Há outro que diz o mesmo e,
de repente, há uma conexão. É uma pequena comunidade. Temos que ampliar o
conceito de comunidade além do óbvio da geografia e da demografia. Uma
comunidade não são os millenials, e sim os proprietários de gatos e pais
jovens. Não existem muitas notícias sobre cocô de bebê e fraldas, mas por que
não podemos oferecer-lhes um mapa de sua cidade acessível aos carrinhos?
“Estamos enganados se acreditamos que as barreiras de
pagamento são a salvação”
P. Mas isso ganha relevância? Serve para grandes redações?
R. Sempre ouço que não. Vamos trabalhar com diabéticos em
Madri. Vamos fazer bem feito. Aprendendo a fazê-lo, poderemos repetir para
muitas outras comunidades. Não acho que tenha sido feito em jornais. Quero ver.
P. Pode ser outra invenção fracassada.
R. Claro. Continua sem estar demonstrado. Há uma pequena
empresa, a Spaceship Media, que por enquanto funciona em algumas cidades. Pode
crescer? Talvez.
P. Alguns veículos de comunicação podem pensar que lhes
resta a opção de pedir dinheiro a pessoas poderosas?
R. E que recebam o dinheiro e ouçam: se comportem. Não é o
que aconteceu nos últimos 15 anos em tantos países da Europa? É algo que
prejudica sua reputação. Por desespero vão à fonte do dinheiro. Também acontece
com os jornais locais nos Estados Unidos. É um assunto de relevância.
P. Não parece bom.
R. É complicado. Sempre uso a invenção de Gutemberg. Ele
introduziu a imprensa em 1450. Mas o primeiro jornal é de 1605. Algo que agora
vemos como óbvio levou um século e meio. E os primeiros jornais fracassaram
porque não tinham modelo de negócio. De modo que agora estamos como em 1475.
Nos primeiros dias. O caso do Guardian é fascinante. Tinham um bilhão de
dólares (4 bilhões de reais) no banco, estavam tranquilos até que lhes
disseram: nesse ritmo de gasto irão durar oito anos. Isso lhes motivou. Agora
não perdem dinheiro, mas continuam sofrendo. Ficaram motivados ao ver uma data
de morte certa.
P. Mas continuam sofrendo.
R. Sempre. Mas só precisam sobreviver.
Texto e imagem reproduzidos do site: brasil.elpais.com
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