Publicado originalmente no site Brasil El País, em 26 JAN
2019
“O sexo de neandertais com outras espécies demonstra que
eram muito mais sociáveis do que nós”
O cientista sueco alerta que modificar geneticamente
embriões pode acabar criando uma nova espécie
Por Rafa Burgos
Os neandertais mantiveram relações com os Homo sapiens. Não
só sociais, mas também sexuais. Sabemos disso porque o biólogo sueco Svante
Pääbo (Estocolmo, 1955) sequenciou o genoma dos restos de uma menina encontrados
nos montes Altai, na Sibéria, e demonstrou que era filha de mãe neandertal e
pai sapiens. Segundo Pääbo, essa combinação confirma que nossos ancestrais eram
muito mais sociáveis do que nós. “Dois seres que eram muito mais diferentes
entre si do que nós em relação a qualquer outro humano mantiveram relações
sexuais e tiveram filhos. Isso descreve com perfeição quão diferentes eram dos
humanos atuais”, afirma.
Além disso, para o cientista, que proferiu uma palestra em
um evento em Alicante, convidado pelo Instituto de Neurociências UMH-CSIC,
determinar com exatidão se sapiens e neandertais eram espécies diferentes é
irrelevante. O que conta é que parte de nosso código genético guarda traços de
nossos ancestrais imediatos. “A influência neandertal pode ser vista em todo o
nosso genoma”, afirma Pääbo. Continuamente aparecem estudos científicos que
concordam sobre a herança neandertal dos genes relacionados a “diabetes,
doenças de pele ou do sistema imune ou com abortos espontâneos”. Também deles
vem a “resistência às doenças procedentes da bactéria Helicobacter pylori”, que
afeta o estômago.
No entanto, deixaram menos traços justamente em toda a parte
genética que afeta os testículos. “Isso pode indicar algum aspecto negativo na
reprodução”, afirma Pääbo, o que explicaria a prevalência do sapiens em relação
a seu antecessor, entre outros fatores. “Talvez só as fêmeas tenham
sobrevivido”, arrisca o diretor do Instituto Max Planck de Antropologia
Evolutiva de Leipzig (Alemanha), “e sabemos que morriam muito mais jovens e que
sua vida reprodutiva era mais curta”. Apesar disso, a capacidade tecnológica do
humano moderno parece ser muito mais determinante. “A tecnologia dos
neandertais é homogênea, igual na Espanha e na Sibéria”, explica, “mas os
sapiens souberam evoluir muito rapidamente e é possível saber a procedência de
um resto só por seu grau de avanço tecnológico”.
Pääbo é considerado o pai da paleogenética e recebeu no ano
passado o Prêmio Princesa de Astúrias de Pesquisa Científica e Técnica por suas
descobertas. Entre outros, os realizados com o material que vai aflorando no
sítio de Atapuerca, em Burgos (Espanha). Em suas mãos está a raiz de nossa
árvore genealógica. Nosso antepassado mais antigo, de cerca de 430.000 anos.
Pääbo acredita que este ano consiga decifrar “os 10% do genoma do homem de Sima
de los Huesos”. “Mas não estamos seguros de conseguir”, acrescenta.
O biólogo escandinavo acredita que “estamos apenas no
início” da revolução científica que nasce do genoma. Mas, ao mesmo tempo,
admite que gerou-se certa comoção midiática em torno do DNA – DNA para decifrar
nosso passado, para descobrir criminosos, para compreender até o último canto
do planeta, como panaceia para todos os males. “A genética contém uma parte
importante de nossa história”, destaca, “mas não toda a informação que reunimos
como espécie”. “Se vou à Grécia, me impacta estar no berço da civilização
ocidental, da democracia, da arquitetura”, exemplifica, “mas nem um de meus
genes sequer tem algo a ver com a Grécia”. Pääbo insiste em reduzir a pressão
sobre sua especialidade. “O DNA encontrado na cena de um crime pode indicar
quem é o assassino, mas no estudo genético dessa mesma pessoa nada vai indicar
que possa ser um assassino.”
O biólogo também adverte que convém delimitar os usos do
conhecimento do código genético. E se refere ao caso de He Jiankui, o cientista
chinês que anunciou o nascimento dos primeiros bebês modificados geneticamente.
“O consenso geral na comunidade científica é que não se pode manipular o DNA na
linha germinal”, ou seja, na fase de gestação embrionária. Os perigos são
desconhecidos, mas “a gestação de um filho modificado geneticamente poderia
criar inclusive uma nova espécie”, pois “não sabemos que repercussões a
introdução de uma mudança em um único gene pode causar no genoma”. Em sua
opinião, as novas técnicas genômicas devem ser dedicadas exclusivamente “a usos
terapêuticos, para curar doenças”.
Texto e imagem reproduzidos do site: brasil.elpais.com
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