Publicado originalmente no site da revista TRIP, em 15.10.2018
Vovó também transa
Mulheres com mais de 70 anos abrem o coração (e as pernas)
para falar sobre sexualidade
Por Giulia Garcia
Há sexo depois da menopausa, e ele é, embora obviamente
diferente, tão gostoso como sempre foi. Mas para não se desconectar dessa
certeza é preciso ultrapassar a barreira que entende a menopausa — em todas as
suas mudanças internas e externas no corpo — como sintoma do fim da
sexualidade. “Essa ideia surge, em parte, pela ligação que se faz entre
sexualidade e reprodução, uma noção que tem mantido as mulheres distantes da
possibilidade de terem prazer e se realizarem sexualmente”, diz Halana Faria,
médica ginecologista do Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde.
Para além dos efeitos da menopausa, o envelhecimento em si
soa como um obstáculo insuperável para muitas mulheres. “Não gosto de me olhar
no espelho. Não gosto das rugas”, diz Thereza Pierroti, 85 anos, refletindo um
sentimento que reverbera sensações de muitas mulheres. “Se o corpo jovem for
colocado como protagonista do prazer, quando chegarmos na terceira idade,
viveremos mais limitações do que possibilidades”, afirma a sexóloga Denise
Miranda de Figueiredo.
Para Rozima Nascimento, 70 anos, tudo isso não gera
bloqueios. Diferentemente do que já ouviu de outras pessoas, o tesão para ela
não acabou quando passou da casa dos 50. “Se bate a química, não tem idade”,
afirma. Essa visão encontra respaldo no que defende Halana: “Existe uma questão
fisiológica de diminuição da libido, mas existe também uma construção social de
que o homem se mantém ativo e vigoroso no envelhecer, enquanto as mulheres
decaem”. Tal construção social estimula a formação de tabus ao redor do
assunto, fazendo com que as mulheres principalmente se retraiam. “O envelhecer
não significa tornar-se assexuado, existem mitos e tabus acerca da sexualidade
na velhice”, diz a gerontóloga Tatiane Andrade.
Círculo do fogo
Em 2014, aos 82 anos, a atriz e ex-modelo da Chanel Vera
Barreto Leite reencontrou um dos homens de sua história e sentiu seu corpo
esquentar. Depois de cinquenta e cinco anos separados, ela estava de novo ao
lado do fotógrafo Frank Horvart. Dessa vez, porém, ela tinha 78 e ele, 87 anos.
“Eu era um vulcão, como naquela música da Edith Piaf, ‘On a vu souvent
rejaillir le feu de l'ancien volcan’ (‘Frequentemente vemos renascer o fogo de
um antigo vulcão’, em tradução livre)”, conta.
Thereza também sabe que esse fogo não tem a ver com idade.
Viúva há dez anos, ela conta que seu marido a procurava todas as noites, até a
última (aos 78). Para ela, pouco mudou desde sua primeira vez, com esse mesmo
homem aos dezesseis anos. Já para Rozima as coisas mudaram. Mas ela não
reclama, não: “Sexo é muito melhor com 60. Com 20, você não tem tanta
experiência”. Vera ri e brinca: “Aos 80, é um pau meia bomba, mas não tem
nenhum problema”.
O que diz Rozima reflete a importância que ela atribui ao
sexo em sua vida. “Pra mim, é necessário, faz falta.” “Sexo é vida”, engrossa o
coro Vera. Mas Thereza, embora nunca tenha deixado de transar com o parceiro em
62 anos de relacionamento, admite que o fazia mais por rotina do que desejo.
“Eu dava porque tinha que ser, era parte do casamento. Nunca fui gamada em
sexo, fazia mais por obrigação”, conta.
“Sempre gostei de roupa sexy, calcinha e sutiã de renda.
Minhas roupas não são pra ninguém ver, são para eu
me olhar no espelho e me
sentir bonita”, diz Rozima (70)
Crédito: Mauricio Abbade
Meia bomba?
Entre os tabus, um dos principais é a dificuldade
(especialmente entre homens, de todas as idades) de entender que há sexo para
além da penetração. Mas há, como lembra a ginecologista Halana. E se os old
boys não entendem, dá inclusive para exercitar sozinha a própria sexualidade.
“Uma mulher que quer ser feliz na vivência da sua sexualidade precisa entender
primeiro como ter prazer sozinha”, defende a médica do Coletivo Feminista
Sexualidade e Saúde. Na prática: “Se eu acordo com tesão, mesmo agora,
imediatamente minha mão vai no sexo”, conta Vera.
O tabu da masturbação nasce de uma construção social que
condena a atitude. “Minha mãe colocava na minha cabeça que era errado, feio,
sujo. Isso me bloqueou, porque, quando você tenta fazer, lembra das palavras
dos pais. Eu tinha uns 30 anos quando comecei a me tocar. Hoje, acho normal”,
explica Rozima.
Halana entende o processo de descobrir seu corpo a partir do
auto-toque como fundamental. Mas estar na frente do espelho vai além desta
intimidade, passa bastante pela autoestima. A sexóloga Denise lembra que no
envelhecimento é preciso passar por um processo de redescoberta, entendendo as
possibilidades e limites desse novo corpo. Não se pode deixar que a série de
alterações físicas afetem o psicológico a ponto de interferir na busca pelo
prazer.
Vera é atriz do Teatro Oficina e era uma das modelos
preferidas de Coco Chanel
Crédito: Marcelo Bormac/TRIP Editora
A vaidade, para Rozima, é um ponto essencial para não cair
nesses conflitos. “Sempre gostei de roupa sexy, calcinha e sutiã de renda.
Minhas roupas não são pra ninguém ver, são para eu me olhar no espelho e me
sentir bonita”, conta. Para Thereza, seu corpo — sem arrumações — basta. “Adoro ficar pelada.
Não vejo banha caída, não vejo gordura, nada. Se eu tiver que ir ao banco de
shorts, eu vou. Me sinto bem. Não tô jovem, mas não me sinto velha, acabada,
caquética”, diz.
Barreira interior
Além das mudanças externas, a ginecologista Halana Faria
lembra do desafio trazido pelas mudanças fisiológicas. A diminuição da libido é
comum e a vagina, a vulva e o trato urinário inferior tendem à atrofia pelas
alterações hormonais. Essas questões, porém, podem ser contornadas com visitas
regulares a médicos (ginecologistas ou não) que tratem de incluir a sexualidade
entre os assuntos clínicos. “Acredito que o tema muitas vezes não seja discutido
por ser um tabu e porque muitos profissionais assumem que a sexualidade dessas
mulheres é inexistente”, pensa Halana.
Vera conta que isso realmente aconteceu com ela em sua
última ida ao ginecologista. O médico se recusou a examiná-la por ser idosa,
dizendo que nem um dedo passaria pela sua vagina por sua idade. “Eu levantei,
enfiei minha calcinha e fui embora. Fiquei tão humilhada, com tanta raiva.
Quantas mulheres ele conseguiu humilhar?”, desabafa a atriz.
“Eu tinha zero noção do que era sexualidade. Minha mãe não
conversava sobre nada, nem sobre menstruação, nem sexo...
Isso tudo era pecado,
horrível, sujo”, conta Rozima (70)
Crédito: Mauricio Abbade
Para a gerontóloga Tatiana, a falta de discussão sobre a sexualidade
na terceira idade é um dos principais fatores do aumento no contágio de DSTs
entre idosos. “Por conta dos mitos e tabus relacionados ao envelhecimento,
ignora-se que idosos ainda possuem interesses sexuais. Um exemplo disso é que
campanhas de prevenção de DSTs são precárias para esse público”, diz.
O não-uso de métodos protetivos não é de hoje. “Nós éramos
uma geração que não tinha pílula, nada fora a lua e a tabelinha. Com essa
sexualidade tão liberada, era difícil se proteger, então fiz muitos abortos”,
conta Vera. Thereza, que só teve relações com seu marido, diz que nunca
utilizou nenhum método, enquanto Rozima - a mais nova, aos 70 - sempre uso e
acha essencial falar sobre isso com pessoas de todas as idades.
“Ser velha chata, caquética, rezando terço toda hora,
batendo no peito... não consigo ser assim. Não sei se sou errada,
mas gosto de
como sou”, diz Thereza (84)
Crédito: Mauricio Abbade
Mas falar de sexo não é - e era ainda menos - comum. A vida
sexual de Vera, por exemplo, teve início cedo, muito antes de pensar em
casamento. Com a mãe artista, cresceu nos camarins, tornou-se modelo e atriz e
sua sexualidade sempre foi muito livre: “Eu tinha tesão, eu trepava. Nunca tive
problema com isso”. E completa: “Eu gosto de um caralho, viu? Acho muito
interessante aquela coisa que se transforma, que cresce. Me dá um tesão
fodido”, completa.
Para outras, essa liberdade não existia como possibilidade
sequer remota. “Papai não deixava ninguém entrar dentro de casa, não podia
namorar. Tinha facão enfiado atrás do sofá”, lembra Rozima. O sexo não era
assunto em sua casa, no interior do Rio de Janeiro. “Antigamente, a mulher não
podia sentir prazer, era errado. Só puta podia sentir prazer”, diz. Foi só
depois do casamento, aos 16, que ela conseguiu entender seu corpo e descobrir o
sexo, o tesão...
“Eu gosto de um caralho, viu? Acho muito interessante aquela
coisa que se transforma,
que cresce. Me dá um tesão fodido”, diz a atriz e
modelo Vera Barreto Leite (81)
Crédito: Marcelo Bormac / TRIP Editora
Em seus três casamentos e nos tempos de solteirice, Rozima
sempre se permitiu explorar seu corpo. “Acho que muitas mulheres que só tem um
homem, acabam não sabendo o que é o prazer, porque se prendem na ideia de que
só o homem tem que se satisfazer e você não”, diz.
“A sexualidade é romântica. Mesmo no topo, você entrega a
alma”, diz Vera. Ela fez questão de passar para suas filhas a mesma liberdade
que teve e não entende como a geração de seu bisneto ainda possa ter problemas
com repressão sexual. Rozima acrescenta: “Precisamos entender que nem sempre
sexo e amor estão associados, às vezes é só tesão”.
Fugindo dos estereótipos de vovó, há mulheres que entendem,
falam e vivem sua sexualidade certas de que não faz sentido condenar ou rotular
ninguém. “Eu sou o que eu sou. Sempre fui porra louca e não quero ser
diferente, gosto de ser assim. Acharam ruim? Problema deles, não é meu, porra”,
afirma Thereza. “Se vocês sentem que estão se reprimindo, a primeira coisa a
fazer é procurar as feministas, ser atuante como mulher, porque é a maneira que
você tem de se libertar”, defende Vera, em um chamado para todas as mulheres, de
qualquer idade, entenderem que viver de outra forma não faria nenhum sentido.
Vovó também transa!
Texto e imagens reproduzidos do site: revistatrip.uol.com.br
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