quarta-feira, 4 de abril de 2018

O que é ser inteligente?


O que é ser inteligente?

Dezenove meses após meu último texto publicado no Pequeno Guru, volto a escrever sobre um assunto que está na minha lista há muito tempo. Nada mais pertinente do que escrever sobre inteligência direto de uma universidade, cercado de livros de estatística, artigos de psicologia e slides de aula de marketing. Será que devo me sentir inteligente?

Resolvi escrever sobre depois de tanto ouvir pessoas falarem “fulano é inteligente”. O que pode parecer despeito da minha parte, na verdade é pura curiosidade e estranheza. Ouvir isso gera uma resposta automática (e muitas vezes silenciosa) na minha cabeça “como você sabe disso?”. Normalmente, quem afirma chega a essa conclusão utilizando pequenos fragmentos de fatos.

O ser humano é rápido no gatilho quando se trata de fazer deduções e como a psicologia mostra, não somos muito bons nisso. Jonah Berger diz em seu livro “Contágio” que, se alguém conta uma piada engraçada em uma festa, você tende a considera-lo espirituoso, divertido. Da mesma forma, se um novo colega de trabalho chega comentando sobre a queda da taxa Selic, logo presumimos que ele é um expert em economia ou, pelo menos, um leitor voraz. Quando, na verdade, ele pode ter visto enquanto rolava seu feed de notícias do Facebook.

Segundo a sabedoria popular, inteligente é alguém que lê bastante ou tem um bom conhecimento acerca das coisas. De fato, conhecimento e inteligência andam juntos, mas saber se alguém é realmente inteligente requer uma exame mais profundo.

Embora consideremos inteligente alguém que tira 10 em matemática e “não tão inteligente” um bailarino do Bolshoi, a famosa teoria das múltiplas inteligências, do psicólogo Howard Gardner, considera tipos diferentes de inteligência tanto a lógico-matemática como a corporal-cinestésica.  A ideia de que não existe um único tipo de inteligência não é nova, Charles Spearman já havia explicado a sua ideia de inteligência geral e especial 100 anos atrás, o problema é que ele considerava ambas interligadas, assim, se você possuía uma alta inteligência geral, também possuiria boas inteligências especiais, diferentemente da teoria de Gardner que diz as inteligências são independentes. Já Robert Sternberg e sua teoria triárquica da inteligência divide a inteligência em três: analítica, criativa e prática, e parece ser a mais útil para responder a pergunta “o que é ser inteligente?”. Através dela, podemos considerar Einstein um gênio, algo passível de discussão segundo a teoria de Howard Gardner.

Mais de 20 anos após importantes teorias de inteligência, surge uma nova teoria advinda da neurociência. A teoria P-FIT de inteligência (nome complicado demais para colocar aqui) sugere que há regiões no cérebro responsáveis pela inteligência. A identificação veio de um estudo que revisou resultados de outros 37 estudos que tinham o objetivo mapear as áreas do cérebro associados ao alto QI. Estudos posteriores reforçaram a teoria, incluindo quais áreas estariam relacionadas aos vários tipos de inteligência.

Conclusão #1: estudos recentes sugerem que inteligência está relacionada à eficiência cerebral que permitem o cérebro se comunicar e trocar informações entre diferentes áreas mais rapidamente.

Sabedoria, um outro tipo de inteligência?

Seria a sabedoria um outro tipo de inteligência? O próprio Howard Gardner questiona o valor da linguagem lógica se você não sabe lidar com outras pessoas ou não conhece a si mesmo. Uma pessoa assim ficará atrás de uma mesa para sempre, pois ela é incapaz de se relacionar de forma saudável com os outros, e esse é o tipo de habilidade que a sociedade moderna tem valorizado. Não é à toa que o termo “inteligência emocional” entrou para o vocabulário após o livro do Daniel Goleman e desde então vem sendo usado e pesquisado para se referir à capacidade das emoções de afetarem o pensamento e as decisões. Nem sobre a definição de IE os pesquisadores concordam. Então, não vou me arriscar.

Apesar disso, inteligência emocional e cognitiva são ambas importantes para uma vida bem-sucedida seja no campo profissional ou pessoal. Associar características como “empatia”, “habilidade social”, “autoconsciência” e “motivação” à inteligência só torna tudo mais confuso e atrapalha a busca por uma resposta do que é ser inteligente.

Recapitulando, até agora vimos que inteligência não é acumular conhecimento, envolve várias habilidades que talvez não tenham relação, e que inteligência no século XXI passa pelo autoconhecimento e domínio das emoções.

A minha mãe costuma me dizer o quanto a minha vó era uma mulher sábia, mesmo não sabendo ler. Em outras palavras, a minha vó era uma mulher dotada de sabedoria, não de inteligência. Contudo, suas valiosas lições sobre como criar filhos, casamento e até sucesso podem ser classificadas como inteligência prática, um dos três tipos segundo a teoria de Robert Sternberg dos anos 80. Nos anos 2000, ele usou o conceito de conhecimento tácito para medir inteligência prática e descreveu três características bastante interessantes sobre:

* É um conhecimento sobre como fazer algo e não sobre algo

* É normalmente aprendido sem ajuda dos outros ou instruções

* É um conhecimento sobre coisas pessoalmente importantes para a pessoa

Sternberg desenvolveu testes baseados em situações reais e concluiu que conhecimento tácito ajuda a predizer sucesso na carreira, especialmente em certas carreiras como vendas, gestão, psicologia acadêmica e liderança militar.

Em outras palavras, conhecimento tácito e inteligência prática estão interligados. Logo, a minha vó mesmo analfabeta parece ter sido mais inteligente do que muitos universitários brasileiros.

Conclusão #2: Sabedoria pode ser considerado um outro tipo de inteligência.

Quando Sócrates disse “eu sei que sou inteligente, pois sei que não sei nada”, ele estava demonstrando uma grande capacidade de auto avaliação, uma característica relacionada à inteligência emocional e à sabedoria.

Talvez você não concorde comigo e não precisa fazer, o objetivo do Pequeno Guru sempre foi provocar reflexão e não apenas oferecer conhecimento. Conhecimento novo nasce, frequentemente, de conflitos na cabeça de um sujeito inquieto e curioso. Na minha opinião, inteligência é saber usar o conhecimento existente (relacionando, combinando, inferindo) para gerar coisas novas (perguntas, soluções).

Da mesma forma que se associa notas 10 a um aluno inteligente, a maioria das pessoas consideram físicos indivíduos muito inteligentes, devido a sua alta habilidade matemática. No entanto, Einstein associou inteligência à capacidade de imaginar (a qual, sem ela, ele jamais teria sido considerado um gênio) e Stephen Hawking à capacidade de se adaptar à mudança.

Diante disso tudo, ser inteligente é: ver semelhanças nas diferenças; associar coisas estranhas em busca de grandes resultados; alimentar uma curiosidade insaciável; buscar respostas para perguntas nunca respondidas; acreditar em si próprio; conhecer seus limites; dominar suas emoções ou ao menos saber que elas impactam quase todas suas ações; ser humilde; valorizar os detalhes; prestar atenção ao mundo a sua volta; reconhecer que nada de valor vem sem esforço; tratar bem todo mundo. Ser inteligente é tudo isso e muito mais.

Se nem cientistas, filósofos e a minha vó conseguiram dar uma resposta completa a essa questão, quem sou eu para achar que consegui? Ao menos tentei.

Texto e imagem reproduzidos do site: consumidormoderno.com.br

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