terça-feira, 11 de março de 2025

A pré-história nos ensina a pensar a partir dela e não a partir da modernidade

Artigo compartilhado do BLOG DO ORLANDO TAMBOSI, de 10 de março de 2025

A pré-história nos ensina a pensar a partir dela e não a partir da modernidade

Carregado de significados, nas esferas de consumo, espiritual, religiosa e política, o parto não está livre da histeria ideológica. Luiz Felipe Pondé para a FSP:

O parto é um dos fenômenos mais carregado por modas contemporâneas. Parto em casa, na água, indígena, sem médico, "natural" que dura 30 horas sem anestesia, cesáreas para garantir as agendas da equipe e da mãe, enfim, um tópico significativo nas redes sociais.

Em si, trata-se de um processo fisiológico, que pode atingir efeito letal. Carregado de uma miríade de significados, seja da esfera de consumo, espiritual, religiosa e mesmo política, como no caso do revestimento do parto por pautas feministas ou conservadoras. Nem os bebês estão a salvo da histeria ideológica do século 21.

O parto é uma experiência evidentemente pré-histórica, portanto, atávica. Tópico que recebe muita atenção por parte das estudiosas da pré-história, principalmente daquelas que se dedicam a entender a condição feminina naquele longo período, assim como também, daquelas que se dedicam aos estudos das raízes pré-históricas da religião.

Quando nos aproximamos da pré-história devemos ter em mente os "efeitos colaterais" dessa aproximação. A arqueóloga francesa Sophie A. de Baune se refere a esses efeitos como a personalidade do estudioso da pré-história. Personalidade epistemológica e não psicológica, claro. Alguns desses traços são: ruína da percepção de tempo, isto é, superação da obsessão, principalmente moderna, de que os últimos cem anos são insuperáveis como marco temporal da espécie.

Como é comum nesse ramo, os estudos dos nossos ancestrais de 10 mil ou 300 mil anos nos mostram que, no fundo, tudo é pó e cinzas. O Eclesiastes está certo. De nós, também restará nada. A pré-história nos ensina a pensar a partir dela e não a partir da modernidade, e assim, talvez, enxergar o Sapiens na longa duração do tempo.

Uma reverência para com a pré-história, para além de bem e mal, marca esses profissionais: nossos ancestrais nos legaram a vida, não temos certeza de que seremos capazes de fazê-lo, ou mesmo que desejemos fazê-lo. O século 21 é patologicamente narcísico e, por isso mesmo, estéril.

Nossos ancestrais do paleolítico superior —mais ou menos de 60 mil a 15 mil anos atrás— eram iguais a nós, o que nos autoriza a fazer uso do que De Baune se refere como "nossa humanidade comum". Este argumento é comum entre os estudiosos da pré-história. Esse passo nos ajuda a analisar restos arqueológicos da época.

No que se refere às mulheres, sabe-se que eram objeto de roubo por parte de bandos em que faltavam mulheres. Essa prática existiu até no Velho Oeste. Sendo as mulheres as "reprodutoras", sem elas não havia chance para o bando, assim, como também, pelo prazer sexual que elas davam e dão aos homens que as apreciam.

Claro, que tudo isso era, em muitos casos, envolvido por muita violência, como deixa claro outra arqueóloga francesa, Marylène Patou-Mathis, contra os homens assassinados e as mulheres sequestradas. Roubar mulheres sempre foi uma prática comum. "Casas de menstruação" é outro tópico na área. Provavelmente, a menstruação era marcada por significados de todos os tipos. "Esse ser que todo mês sangra e não morre". "Casas de parto" é outra referência. Locais com muitos restos ósseos de mulheres, bebês e fetos apontam para essa realidade.

O parto sempre foi mortal, aliás, cada um era um risco enorme em si mesmo, para a mulher e para o bebê. Causa de morte recorrente entre mulheres até ontem. Recobrir o parto com modinhas de comportamento é típico da nossa época mimada. O sexo sempre custou caro para a mulher. Por outro lado, a infertilidade feminina sempre foi vista como uma grande maldição, como vemos na Bíblia.

A arqueóloga britânica Chantal Conneller, especialista no final do paleolítico superior e mesolítico, diz que o parto era visto como um rito apotropaico. O que é isso? Apotropaico é um termo que significa um rito que funciona como um enfrentamento do mal, como uma tentativa de proteção contra o mal.

O parto, em sendo um risco de morte muito possível, pode ter sido associado a ritos de passagem. Conneller levanta a hipótese de que o parto dava a mulher outro status social, fazendo dela uma mãe e não mais uma "simples" mulher no grupo social. Para o bebê, obviamente, ele deixava de ser "um nada" para ser uma criança que viria a ser parte do grupo social, principalmente, se chegasse à idade adulta.

No caso de morte da mulher ou do bebê, ou de ambos, muito possivelmente, o recurso apotropaico teria falhado. No caso de falha, perdia-se uma chance de enfrentar as contínuas ameaças da contingência, quase sempre materializada no mal.

Texto e imagem reproduzidos do blog: otambosi blogspot com

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