O cinema vai mal
Por que filmes históricos, como 'Napoleão', foram grandes decepções. Josias Teófilo para a Crusoé:
O que aconteceu com o cinema? Não se sabe ao certo. Os filmes têm decepcionado público e crítica, as salas têm se esvaziado progressivamente. Nem as fórmulas comerciais (filmes de super-heróis) têm funcionado para atrair o público.
Ao mesmo tempo, não há grande diferença entre o circuito comercial e o alternativo em termos de qualidade – já se foi o tempo em que o circuito alternativo tinha filmes autorais, com qualidade artística.
Filmes muito esperados, com elencos de estrelas e alto orçamento, como Napoleão, de Ridley Scott, e Maestro, de Bradley Cooper, foram verdadeiras decepções.
Curiosamente, esses filmes têm defeitos semelhantes. São cinebiografias excessivamente longas, de pouca efetividade dramática, filmes desinteressantes feitos sobre personagens notáveis. Têm também características em comum: foram filmados em película e financiados por novos players do mercado, e não pelos tradicionais estúdios (Apple no caso de Napoleão e Netflix no caso de Maestro).
Os dois têm ainda outro defeito em comum. Incorporaram à narrativa algo parecido com um verbete de Wikipédia. No caso de Maestro, um resumo biográfico e enciclopédico do protagonista, Leonard Bernstein, é falado por um dos personagens. No caso de Napoleão, há um textinho no final, dizendo quantas pessoas morreram nas guerras iniciadas por ele. Um didatismo banal. Até porque qualquer um pode, ao alcance do celular, pesquisar informações sobre esses personagens históricos – o filme não deveria se prestar a esse papel.
Não existe nada semelhante nas cinebiografias de Milos Forman. Aliás, o diretor tcheco realizou alguns dos grandes filmes do gênero: Amadeus (o mais famoso filme sobre um compositor clássico), Larry Flynt, O Mundo de Andy e Sombras de Goya.
Napoleão e Maestro foram feitos com grande preciosismo no tratamento da imagem. Napoleão foi filmado em 70mm – formato de grande dimensão usado em clássicos como Lawrence da Arábia e A Noviça Rebelde – mas o diretor conseguiu estragar tudo com aquele filtro acinzentado e o uso recorrente de contraluz e de planos simétricos, que dividem a tela ao meio, como num espelho — um clichê reproduzido em tantos filmes e séries.
Maestro foi mais feliz nesse aspecto. O filme tem imagens realmente bonitas, de uma beleza singular, mas a alternância entre o branco e preto e colorido, assim como a alternância entre os formatos de tela, não fez lá muito sentido.
O que mais impressiona positivamente em Maestro é a caracterização de Bradley Cooper no personagem, o maestro Leonard Bernstein. Ele, de fato, ficou igual ao referido, e o tratamento das cores fez o filme ficar muito parecido com as filmagens dos concertos originais.
A caracterização histórica foi um problema no filme Napoleão, e não é para menos. O diretor Ridley Scott afirmou que existem 10 mil livros sobre Napoleão, o que deu muito trabalho ao roteirista. Na verdade, existiam, na época em que Dimitri Merejkovsky escreveu sua biografia de Napoleão (década de 1920), 40 mil volumes sobre o imperador – e não 10 mil. Outro sinal do desprezo do diretor pelo tema: ele disse que não viu o filme de Abel Gance sobre Napoleão, que até hoje é o principal sobre o personagem. Esse projeto estava amaldiçoado.
O mais triste é que Scott fez alguns dos filmes mais importantes das últimas décadas: Alien, Blade Runner, Gladiador – este, aliás, um importante filme histórico, que sabe equilibrar como poucos uma história individual com os fatos coletivos. Eis a grande dificuldade ao fazer um filme histórico ou biográfico: equilibrar essas duas polaridades – equilíbrio semelhante ao que um compositor tem que fazer entre solista e orquestra num concerto para violino. Napoleão e Maestro foram, cada um à sua maneira, mal-sucedidos nesta empreitada.
Texto e imagem reproduzidos do blog: otambosi blogspot com
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