sábado, 12 de agosto de 2023

Obra de Gilberto Freyre sobrevive ao boicote esquerdista

Publicação compartilhada do BLOG DO ORLANDO TAMBOSI, de 11 de agosto de 2023

Obra de Gilberto Freyre sobrevive ao boicote esquerdista

Relegado à solidão por não transigir com a esquerda, o autor de "Casa grande & Senzala" continua assombrando até aqueles que o odeiam. Josias Teófilo para a revista Crusoé:

Na última edição do Premio Jabuti, que aconteceu no Theatro Municipal de São Paulo no ano passado, o grande alvo, citado diversas vezes por aqueles que tiveram a palavra no evento, foi a chamada democracia racial. A ideia que, segundo eles, diz respeito a uma suposta igualdade entre raças e é atribuída a Gilberto Freyre.

No mesmo evento, porém, a oposição retórica entre casa grande e senzala foi usada diversas vezes. De novo, uma referência que no final das contas é a Gilberto Freyre — mas eles não devem ter lembrado desse detalhe.

Primeiro de tudo: o termo democracia racial, usado poucas vezes na obra de Freyre, não é uma negação da existência do racismo no Brasil nem a afirmação de uma igualdade entre as raças no país. O termo democracia racial se refere à contribuição que o branco, o negro e o índio deram à cultura brasileira. Na verdade, Freyre, já em Casa Grande & Senzala, expõe toda a brutalidade da escravidão sem minimizá-la ou relativizá-la.

Como escreveu Bruna Frascolla, Gilberto Freyre se opunha ao racismo quando o racismo era considerado científico e era respeitado.

A ideia da democracia racial, que hoje incomoda tanto a esquerda, já teve tempos melhores. Valéria Costa e Silva, no livro A Modernidade nos Trópicos – Gilberto Freyre e os Debates em Torno do Nacional, aponta referências mais ou menos explícitas à democracia racial tanto no discurso de posse de Gilberto Gil como ministro da Cultura, em 2003, como em textos de Jorge Caldeira, o que ela entende como a insistência do fantasma de Gilberto Freyre em assombrar o Brasil. O evento do Jabuti confirma essa interpretação.

Gilberto de Mello Freyre nasceu no Recife em 1900. O ano redondo facilita memorizar a cronologia de sua vida. Morreu em 1987, também no Recife.

Freyre foi considerado o netinho retardado da avó, por sua dificuldade em aprender a ler e escrever. Foi alfabetizado em inglês. Terminou escrevendo setenta e cinco livros, traduzidos para diversas línguas ao redor do mundo.

O que chama atenção em Gilberto Freyre é a sua presença decisiva em momentos-chave da política. Durante a Revolução de 1930, Freyre teve um companheiro morto ao seu lado por um tiro que era destinado a ele. A casa de sua família foi saqueada e incendiada. Foi uma grande perda material: lá se foram joias, fotografias coloridas (uma raridade na época), pinturas, livros raros. Ele precisou se exilar na Europa, onde chegou até a passar fome, por causa da perseguição política.

Por muito tempo, Lampião ficou sem pisar em Pernambuco. O motivo: uma lei assinada por Freyre, então chefe de gabinete do governador Estácio Coimbra, que perseguia os coiteiros, fornecedores de armas e munições aos cangaceiros.

Antes de Getúlio Vargas suicidar-se, ele tinha se comunicado com Freyre: queria fazer uma ampla reforma agrária no Brasil. Quando a rainha Elizabeth 2ªI esteve no Recife, lá estava Gilberto Freyre para recêbe-la. Anos depois ele receberia o título de cavaleiro do Império Britânico.

Freyre esteve entre os primeiros autores brasileiros a citar Freud, Proust, Joyce. Introduziu no Brasil os livros que são guias de viagens. O primeiro que escreveu foi Guia Histórico e Sentimental do Recife, editado até hoje.

A grande contribuição de Gilberto Freyre ao pensamento brasileiro foram os livros Casa Grande & Senzala, Sobrados & Mucambos e Ordem & Progresso, que formam a História da Sociedade Patriarcal no Brasil, cobrindo desde a colonização até a República. A estes três volumes seria acrescentado um quarto, Jazigos & Covas Rasas, que ele não teve tempo de terminar e publicar. O livro refletiria uma visão social e arquitetônica dos ritos funerais desde a época do império.

Quando Gilberto Freyre fez 70 anos, Nelson Rodrigues escreveu um longo artigo em que dizia que a obra do pernambucano tinha “o movimento, a profundidade, a variedade do romance tolstoiano”, em referência a Guerra e Paz. E reclamava da formidável solidão a que Freyre foi renegado por não transigir com a esquerda. Com efeito, o próprio Gilberto reclamou, na famosa entrevista à Playboy, do boicote da imprensa ao seu nome, especialmente da Veja, na época dirigida por Mino Carta. Já naquela época a esquerda vinha conseguindo cada vez mais calar as vozes divergentes, um processo que não parou até hoje. Mas a obra de Freyre sobrevive a isso, assombrando até os que o odeiam.

Texto e imagem reproduzidos do blog: otambosi blogspot com

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