Publicado originalmente no site UNIVERSA UOL, em 6 de julho de 2023
Desculpa Alguma Coisa
Tati Bernardi faz entrevistas malucas e inesperadas com pessoas que você adora
'Tratam minha mãe como a anticristo', diz Sâmia Bonfim sobre cidade natal
Colaboração para Universa, em São Paulo
Convidada do "Desculpa Alguma Coisa", videocast de Universa com Tati Bernardi, a deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL-SP) falou sobre comentários que recebe dentro da família e em sua cidade natal, Presidente Prudente, no interior de São Paulo, por sua atuação política.
Sâmia Bomfim: "Na minha família tem bastante bolsonarista. Saí do grupo durante as eleições porque um tio encaminhou um vídeo que dizia 'olha as barangas do PT'. Aí tinha lá a Jandira, a Manuela e eu. Eu falei: 'Gente, com todo respeito, respeito todo mundo, mas chegou num limite, preciso sair desse grupo'", contou.
A deputada ainda comentou que na cidade em que nasceu recebe vários olhares tortos. "Vou muito para lá. As pessoas olham com uma cara de 'vixe'. Minha mãe arruma várias brigas na igreja", conta.
Ela também falou do início da carreira e como surgiu o desejo de ingressar na política.
Sâmia Bomfim: "Queria ser professora, nasci no interior, me mudei para São Paulo aos 17 anos para estudar, trabalhar, e fiquei. Você é engolida pela capita, é dificil voltar pro interior. Ainda mais na USP, um mundo de descobertas. Fui do centro acadêmico, fiz greve, ocupei reitoria, toda aquela trajetória".
Não tinha grandes pretensões profissionais, sempre fui tímida, tranquila. Meio rebelde, mas sempre acanhada, nem conhecia São Paulo. Gostava muito do que ouvia na sala de aula, mas mais do que tinha nos círculos de discussões politicas, era aquilo que me encantava. Sâmia Bomfim
Chegada ao PSOL. "Entrei na faculdade de letras em 2007, me filiei ao PSOL em 2011. Mas não era com pretensão eleitoral. Hoje ele é partido mais viável, conhecido eleitoralmente, mas na época, em 2011? A gente tinha dois federais, um estadual, não tinha muito espaço. Não tinha nem mulheres do PSOL eleitas, por exemplo".
A deputada contou ainda como começou sua paixão por pautas feministas.
Sâmia Bomfim: "Conheci primeiro a política para depois conhecer o feminismo. Acho que é uma questão geracional. Hoje meninas muito jovens se identificam com o feminismo, eu tinha 20 a 21 anos quando isso aconteceu. Foi por experiências pessoais de entender, e aí não volta, né? Quando você percebe, não volta. É muito impressionante".
Pacto com o marido para driblar política
Sâmia contou como ela e o marido, o também deputado federal Glauber Braga (PSOL-RJ), fazem para tentar fugir do assunto política quando estão juntos.
Sâmia Bomfim: "A gente tem um pacto de tentar falar e fazer outras coisas que transcendam a política. Tem nosso filho, que nos exige muita atenção em coisas em comum", diz a parlamentar, referindo-se a Hugo, de 2 anos.
"A gente também sempre busca ter um dia só para nós: sair, beber, ir numa festa."
A deputada contou sobre o início do relacionamento com Glauber.
"Conheci ele no Congresso Nacional. Começou com paquerinha de WhatsApp, mas conversando coisas sérias", contou.
Foi tudo muito rápido porque logo depois a gente engatou um namoro. Aí veio a pandemia, que acelerou. A gente se juntou, trabalhava ali, hibrido. E, nesse momento, fizemos um filho. Foi intenso.Sâmia Bomfim
A deputada respondeu ainda com o quê não conseguiria lidar em um date. "Alguém defender privatização. Eu levantava e ia embora, não grosseiramente, mas diria que não dá muito certo, acabou o tesão."
A política deslumbra?
Na conversa, Sâmia falou sobre sua relação com o poder.
Sâmia Bomfim: "Tenho muito medo [do poder ser sedutor]. Tem muita gente, que eu gosto de observar ao longo da historia, que se deslumbra rápido e se distancia das suas origens", diz. "Ser político te dá uma ideia de que é superpoderoso. E todo mundo na vida quer isso de ser considerado pelo que faz."
Para a parlamentar, o reconhecimento deslumbra as pessoas, que começam a se ver como "superpoderosas". "Às vezes eu me puxo, penso que estou muito acomodada", afirma.
A deputada completa: "A politica te alimenta o tempo todo disso e, se você acreditar demais, está ferrada".
Mudança de hábitos após morte de Marielle Franco
Sâmia contou que o assassinato da então vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco, em março de 2018, teve impacto em sua rotina de trabalho.
Sâmia Bomfim: "Nunca cheguei a pensar em desistir, mas alguns momentos me abalaram mais, como esse da morte da Marielle", diz. "Eu era vereadora em São Paulo, tinha 28 anos. Foi um recado, ninguém esperava. Eu não era amiga, não era próxima dela. A gente era colega de partido e se encontrava, mas entendi que era pelo papel que ela tinha, deu medo."
A deputada contou que mudou alguns hábitos por segurança. "Não me preocupava com segurança de maneira alguma, andava a pé, de ônibus, de metrô, sem nada e ninguém. A partir daquele momento, comecei a pensar um pouco mais nisso, sabendo que tem diferenças, que não estou no Rio de Janeiro, por que a forma que a milícia se organiza lá é outra. Mas foi um momento que me deu preocupação."
Sâmia ainda ressaltou que a maternidade também alterou sua rotina. "Tive que reorganizar muito a minha vida quando me tornei mãe, porque as ameaças que eu recebo são direcionadas ao meu filho." Ela é mãe de Hugo, de 2 anos.
Me atingem num lugar que não é racional, mas tento racionalizar. A gente fica com o medo, mas o medo é a arma de quem me ameaça, é o instrumento, e tem mulheres que desistem mesmo. É isso que eles querem que a gente faça. Busco tomar todos os cuidados possíveis e necessários e tentar seguir em frente. Sâmia Bomfim
Ela detalha os ataques que recebe. "São e-mails com ofensas horrorosas dizendo que vão me matar e matar minha família com requintes de crueldade. Dá para investigar, mas depende de vontade politica que nunca teve e agora tem", completou.
'Me respeitam mais por ser esposa de outro parlamentar'
Sâmia contou ainda que hoje é mais respeitada do que quando começou sua trajetória política.
"Agora rola menos [assédio]. Estou entrando no terceiro mandato, já tenho uma trajetória. E, agora que eu sou esposa de outro parlamentar, respeitam mais. Escroto, né? Lá tem muitos parlamentares que são esposas de governadores, filhas de ex-senadores. O tatamento é muito mais respeitoso do que quando você só é 'fulana'", disse.
Perrengues no Congresso após virar mãe
Sâmia criticou a forma como a Câmara dos Deputados lida com mulheres que se tornam mães.
Sâmia Bomfim: "Não tem um preparo na Câmara para a mulher que é mãe. Quando uma parlamentar tem um filho, todo mundo fica sabendo porque isso afeta o trabalho dela, sua atividade politica, horários, pautas. Agora, quando o homem se torna pai parlamentar, você quase não fica sabendo, não altera nada", desabafa.
A deputada lembrou um perrengue vivido por ela. "Durante a minha licença maternidade, me colocaram como ausente, fiquei p*ta".
"Eu estava ali, louca no puerpério, num momento muito difícil porque para mim, que sou viciada em trabalho, foi uma luta comigo mesma parar. Aí teve a votação pra decidir se o voto tinha que ser imprenso ou eletrônico. A imprensa divulgou todos os deputados que votaram contra e os que faltaram, porque faltar numa votação como essa significa muito. E nem todo mundo é obrigado a saber que eu estava de licença maternidade", explica.
"Fiquei maluca porque algumas pessoas começaram a procurar minha equipe questionando minha falta. Às vezes, via a turma me xingando, com razão. E aí a gente fez um escândalo, pois não é algo menor, é um prejuízo politico. Ai a Câmara fez uma retratação. Licença-maternidade não é ausência, é licença-maternidade como deve ser", completou.
Sâmia também comentou sobre sua atuação com pautas feministas, principalmente em relação ao aborto. "Agora que sou mãe é como se fosse uma contradição da minha parte defender legalização do aborto. Quando a gente fala sobre isso, estamos pensando no perfil dessa mulher que muitas vezes já é mãe, tem dois ou três filhos, foi estuprada, não teve escolha. Muitas mulheres nem sabem como funciona seu ciclo menstrual. Não é raro caso de jovens que confundem pílula do dia seguinte com contraceptivo ou vai no postinho buscar e não entregam", contou.
Tem que se debater aborto como um tema muito sério, de saúde pública. É a quinta causa de mortalidade materna no país. Nos países em que houve legalização, teve uma redução das taxas porque houve toda uma reformulação de politica pública. Tiraram o tabu. Sâmia Bomfim
Tom de voz calmo para manter a concentração
Sâmia explicou por que costuma usar um tom de voz calmo nos debates.
Sâmia Bomfim: "Teve uma mudança do meu primeiro mandato de vereadora para o de agora, como deputada. No inicio, acho que forma e conteúdo eram mais explosivos e raivosos, mas, com o tempo, fui diminuindo o tom da fala, fui ficando mais calma. Acho que foi uma forma de concentração".
A parlamentar pontua que, apesar de manter o controle, é muito fácil perder a calma. "Você está submersa num mundo de absurdos e é muito fácil querer levantar a mesa, sair correndo. Quando falo mais pausadamente, me concentro mais, me preocupo mais, é uma forma de lidar."
Sâmia explicou como as pessoas reagem à sua postura. "Em vários debates, eles falam: 'Você tem essa voz fininha, essa voz calminha'. Então vejo que isso incomoda. Acho que me ver explodir é o que eles querem. É legítimo estourar, já estourei várias vezes, ainda mais em uma situação de pressão, mas eles pegam isso para criar caricatura sobre você".
A deputada ainda falou sobre debates com bolsonaristas. "Alguns pouquíssimos deles tem alguma densidade, algum conteúdo e até levam algum argumento. Aí você fala: 'Vamos debater'. Mas a maioria é repetição rápida de bobajada, mete Venezuela com arma na mesma fala para te deixar perdido, sem saber o que responder. Ignoro toda a bobajada e vou para o argumento que acho que importa".
Tento não cair na cilada. É útil fazer embates porque faz parte do momento em que a gente vive e não dá para deixar os bolsonaristas falando sozinhos, tem que ter o contraponto. Mas com o cuidado de não cair na lógica que eles querem, que é o rebaixamento. Sâmia Bomfim
A parlamentar ainda faz críticas à esquerda. "É preciso se atualizar nas ferramentas de rede, comunicação. A gente tomou um banho nos últimos anos. Eles são rápidos e ágeis, e a gente às vezes fica: 'Será?' Não é será. É uma linguagem geracional. É uma guerrilha virtual", pontua.
Texto e imagens reproduzidos do site: uol com br/universa
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