quinta-feira, 15 de agosto de 2019

7 segredos de bastidor de 'Era Uma Vez em Hollywood'...

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Publicado originalmente no site HUFF POST BRASIL, em 14 de agosto de 2019 

7 segredos de bastidor de 'Era Uma Vez em Hollywood', novo filme de Quentin Tarantino

As histórias curiosas de um dos melhores filmes de 2019.

By Matthew Jacobs, HuffPost US

Era Uma Vez em Hollywood é uma homenagem de Quentin Tarantino ao que ele mais ama: o cinema. Nos estúdios de Los Angeles onde vivem os ricos e famosos, egos estão no comando, mas todo mundo compartilha um desejo inabalável de criar algo mágico. Seja competente o bastante e você será para sempre parte da mitologia na consciência americana – ou pelo menos até que apareça outro alguém com uma varinha ainda mais brilhante.

Mais que em seus filmes anteriores, o novo Tarantino tem um recheio doce. Por trás da riqueza e dos escândalos que assombram Hollywood existem pessoas de verdade, dos astros dos cartazes e seus destemidos dublês aos diretores que definem uma era e os deslumbrados, cada um deles tão complicado quanto a gente.

Fazer Era Uma Vez em Hollywood também exigiu muita gente de verdade, trabalhando duro durante meses para contar a história do astro decadente Rick Dalton (Leonardo DiCaprio) e seu fiel dublê e faz-tudo Cliff Booth (Brad Pitt). Em meio ao turbulento ano de 1969, o filme explora o momento em que a fama de Rick – construída em westerns, que estão saindo de moda – está sendo eclipsada pela onda da contracultura.

Roman Polanski (Rafal Zawierucha), vizinho de Rick, simboliza o novo tipo de mágica do cinema, que prioriza nuance psicológicas e complexidade estilística. Rick se aproxima da mulher de Polanski, a estrela ascendente Sharon Tate (Margot Robbie), que naquele ano seria assassinada pelos integrantes do culto de Charles Mason.

Com quase três horas de duração, Era Uma Vez é um banquete para amantes de cultura pop e revisionistas da história. Estamos falando de um filme de Tarantino, então há muitos detalhes e piadas visuais. Especialmente em comparação com seu filme anterior, Os Oito Odiados, que tinha muito diálogo e era cínico. O novo filme é uma declaração de amor que merece ser vista e revista várias vezes.

Ele também implora por histórias de bastidores. Conversei com várias pessoas – o coordenador dos dublês, o diretor de fotografia, alguns atores, o contrarregra  pelos e o diretor de arte – para saber o que eles poderiam me contar sobre o mais recente golpe de mestre de Tarantino. Leia a seguir sete histórias, direto de uma época não tão distante assim em Hollywood.

As leituras secretas de roteiro

Tarantino já se deu mal mais de uma vez e não se arrisca mais: a distribuição de seus roteiros é estritamente controlada. Os roteiros de seus três últimos filmes – Bastardos Inglórios, Django Livre e Os Oito Odiados – vazaram antes do fim das produções.

Desta vez, ele guardou tudo com extremo cuidado. Existia somente uma cópia do roteiro completo, que ficava trancada no escritório do diretor. Quem tinha autorização para lê-lo tinha de ir à casa de Tarantino ― e era obrigatória a assinatura de um termo de confidencialidade. A maioria dos envolvidos no filme tinha acesso apenas a algumas partes, e pouquíssimas pessoas conheciam o clímax final.

Barbara Ling, diretora de arte, leu o texto na casa de Tarantino, em Los Angeles. O roteiro lhe foi entregue por um assistente do diretor, em uma sala privada. “Foi o melhor roteiro que eu imaginaria poder ler”, disse ela. Lorenza Izzo, que faz o papel da atriz com quem Rick Dalton se casa depois de seis meses fazendo westerns italianos de segunda linha, teve de ler o roteiro em um trailer no set de filmagens. Kate Berlant, comediante que faz o papel de funcionária da bilheteria um cinema, só teve permissão para ler sua cena, e não sabia muito mais a respeito da trama.

Para Robert Richardson, diretor de fotografia que há anos trabalha com Tarantino, havia muita coisa em jogo. “Fui jantar na casa dele”, diz Richardson. “Tomamos drinks antes de comer e conversamos sobre o filme. Aí, sentei na cozinha, que é contígua à pequena mesa de jantar, que é contígua à sala. Achei que ele fosse sair. Mas não. Ele ficou andando pela sala enquanto eu lia. Três horas e meia. Estou tomando notas. Ele estava num canto, de vez em quando se aproximava para ver se eu estava sorrindo e para conferir por que eu estava anotando algo. Ele calculava o quanto eu já tinha lido, quantas páginas. Foi difícil. Mas tenho uma relação muito próxima com ele. Não me importei. Não tinha nada a esconder.”

Àquela altura, diz Richardson, Tarantino estava se reunindo com DiCaprio, Pitt e Tom Cruise, para definir qual combinação dos três ele escalaria para os papéis principais. Richardson achava que Cruise poderia ter ficado com qualquer um dos dois papeis. Mas, além do elenco, havia uma outra questão fundamental.

“Quando finalmente fui embora, disse: ‘Ah, só estou sentindo falta do final’”, lembra Richardson. “Ele não nos deu um final.”

Só DiCaprio, Pitt e Robbie conheciam o final antes de iniciadas as filmagens. Dois meses antes de gravar a sequência final, Richardson e outros enfim souberam como terminaria o filme.

E essa não foi a única precaução para evitar vazamentos. “Celulares eram proibidos no set, adorei”, diz Izzo. “Você não faz ideia de quantas vezes você está no set e todo mundo começa a olhar para o telefone. Chegamos a um ponto de termos um valet, que guardava todo os celulares.”

No fim das contas, não houve vazamentos nem spoilers. A mística provavelmente ajudou o sucesso de Era Uma Vez no fim de semana de estreia.

Talvez fosse o roteiro o que estava guardado na hipersecreta maleta de Pulp Fiction.

Quentin Tarantino filmando uma cena de Era Uma Vez em Hollywood, 
com Brad Pitt e Leonardo (SONY PICTURES)

Pitt e o pit bull

Era Uma Vez em Hollywood é uma comédia de parceiros em dois níveis. O relacionamento entre Rick e Cliff sustenta a história, mas, quando Cliff não está cuidando dos problemas do amigo, ele tem outro peso-pesado em sua vida: a pit bull Brandy.

O pôster do filme menciona uma cachorra chamada Sayuri como o atriz canina que interpreta Brandy, mas o papel na realidade exigiu três pit bulls de temperamentos variados: duas fêmeas e um macho mais agressivo, para o final violento. “Não quero estragar nada, mas, se você prestar atenção, pode descobrir que Brandy é Brandon”, diz Richardson.

Brandy é uma boa menina, mas Cliff a treinou para atacar se receber a ordem. Fazer essas cenas sem que ninguém se machucasse foi complicado. “A violência que queríamos para a cena determinava a escolha do cachorro”, diz Robert Alonzo, um dos coordenadores dos dublês. “Tivemos de explicar para todo mundo é que os cachorros tinham de achar que estavam se divertindo. Tinha de parecer uma grande brincadeira. ... Não se trata necessariamente de só treinar o cachorro, mas também os donos.”

Para isso, Pitt tinha de se aproximar dos três cachorros, para que houvesse uma química parecida com a que ele tinha com DiCaprio. Imagine: Pitt – com ou sem camisa, você decide – e um pit bull se agarrando em êxtase. Os cuidadores levavam os cães para o set bem cedo, para que o ator pudesse brincar com eles antes de as câmeras começarem a rodar.

A comida de cachorro foi invenção de Tarantino

Tarantino é conhecido por inventar marcas fictícias, uma estratégia que ajuda a conectar seus filmes. O Big Kahuna Burger aparece em Cães de Aluguel, em Pulp Fiction e no segmento dirigido por Tarantino em Grande Hotel. A companhia aérea japonesa Air O é vista em Kill Bill e À Prova de Morte. Os cigarros Red Apples – apresentados em Pulp Fiction – aparecem em quase todo seu catálogo, incluindo os créditos finais de Era Uma Vez em Hollywood.

Agora podemos acrescentar Wolf’s Tooth à lista. No trailer onde Cliff mora, atrás do histórico cinema drive-in Van Nuys, ele tem um armário cheio da comida de cachorro. O slogan: “Comida Boa para Cachorros Malvados”. Os sabores: guaxinim, passarinho, rato, lagarto.

Mas até mesmo comida de cachorro de mentira precisa de um pouco de ciência. Tarantino queria que o conteúdo das latinhas deslizasse perfeitamente na tigela de Brandy; isso estava no roteiro. Chris Call, responsável pela cenografia, teve de fazer “audições” com vários tipos de comida de cachorro para determinar qual delas correspondia à visão do diretor. Quatro marcas foram testadas, e a escolhida foi a Pedigree.

Brad Pitt e Mike Moh na já famosa cena de luta entre Cliff e Bruce
SONY PICTURES

A cena com Bruce Lee quase teve um final diferente

Uma das cenas mais memoráveis de Era Uma Vez em Hollywood é a luta de Cliff contra Bruce Lee (Mike Moh) no set da série O Besouro Verde, que neste universo tem Rick no elenco. Se ele consegue dar conta do mais famoso astro das artes marciais, do que mais ele será capaz? (Assassinato, talvez).

Quando Lee diz que seria capaz de derrotar Muhammad Ali em uma briga – “Minhas mãos são registradas como armas letais”, diz ele ―, Cliff ri. Lee o desafia diante da equipe. Quem terminar no chão depois de três rounds será o perdedor. Mas, depois de tomar um soco, Cliff joga Lee sobre um carro, e os coordenadores dos dublês (Kurt Russell e Zoë Bell) acabam com a briga e expulsam Cliff do set. Não há um vencedor.

Na primeira versão do roteiro, entretanto, ninguém interrompia a luta. Cliff parecia ter ganhado. Mas isso não parecia certo para Alonzo ou Pitt.

“Sei que Brad expressou preocupação, e todo mundo achava estranho Bruce perder”, lembra Alonzo. “Especialmente para mim, que sempre considerei Bruce Lee um ícone, não só nas artes marciais, mas na maneira como ele abordava a vida e a filosofia. Ver seu ídolo apanhando mexeu com minhas emoções e causou um pouco de raiva e frustração. Existe uma mitologia, um misticismo em torno de Bruce Lee, o que é compreensível. Como descendente de asiáticos, sempre achei que Bruce era o símbolo de como os asiáticos deveriam ser retratados nos filmes, em vez do velho modelo de ‘Bonequinha de Luxo’, que prevalecia na época. Seria difícil coreografar uma luta que ele perdesse. Todos os envolvidos estavam tipo: ‘O que as pessoas vão pensar?’ Brad foi muito contra. Ele disse: ‘É o Bruce Lee, cara!’”

O terceiro round da luta seria uma batalha muito mais longa, e Cliff daria um “golpe baixo”, nas palavras de Alonzo, para derrubar Bruce. Mas a ideia não era fazer de Bruce Lee um azarão, diz Alonzo. O importante era “explicar para o público o nível de Cliff”. Depois de testar algumas versões da cena, Tarantino decidiu que os coordenadores dos dublês de O Besouro Verde iriam separar a briga, de modo que não fosse declarado um vencedor.

Quanto à luta em si, Alonzo passou quase três meses, entre idas e vindas, treinando Pitt e Moh em várias técnicas de combate. Depois eles passaram mais tempo ensaiando a coreografia, para que tudo parecesse natural. Eles não poderiam fazer “cara de concentração” – aquela cara que os atores fazem quando estão no meio de cenas complicadas. “Fiz tantos filmes com Tom Cruise que sei como fazer as pessoas gravarem as cenas sem precisar de dublês”, diz ele. Tudo o que se vê na tela envolve Pitt e Moh, incluindo Lee caindo sobre o carro.

Os locais não gostaram da volta do rancho Spahn

Quando os seguidores de Charles Manson começam a ganhar destaque no filme, cresce a sensação de inquietude. Cliff dá carona para uma mulher (Margaret Qualley), que está indo para o rancho Spahn, uma propriedade que tinha servido de cenário para vários westerns.

Em 1968, a chamada Família Manson se mudou para o rancho, convencendo o dono (interpretado por Bruce Dern) a permitir que eles morem lá, pagando com trabalho. O lugar – que já estava dilapidado na época da chegada de Manson – viria a representar o lado vil da contracultura. Um lugar feliz e produtivo se tornou um santuário para racistas assassinos.

Então faz sentido que alguns locais não tenham gostado de ver o rancho Spahn sendo reconstruído num parque perto das montanhas Santa Susana, onde ficava o original. “Eles achavam que seria um filme sobre a Família Manson”, diz Ling. “Houve resistência junto ao [departamento de parques e recreação de Los Angeles], e a resposta foi: ‘Parem. É somente o set de um filme do Tarantino’.”

Margot Robbie como Sharon Tate em Era Uma Vez em Hollywood.
SONY PICTURES

Incialmente Leo não estava tão certo quanto ao lança-chamas

DiCaprio teve de trabalhar com um dos objetos cênicos mais intimidantes da história do cinema: o lança-chamas, arma que faz exatamente o que diz o nome e foi usada nas duas grandes guerras. Em uma cena, Rick tem de botar fogo em um grupo de nazistas – uma cena que deixaria nervosa qualquer pessoa sensata, mesmo que os alvos das chamas estivessem devidamente protegidos.

Alonzo, que, depois de 26 anos na indústria tem “muita experiência com fogo”, demonstrou a cena permitindo que ele próprio fosse envolvido pelas chamas. “Leo não estava muito empolgado com a história do lança-chamas”, diz Alonzo. “Ele literalmente não queria machucar ninguém. E eu entendo perfeitamente. Normalmente, você usa um dublê para manusear o lança-chamas. Quando fiz Trovão Tropical, Nick Nolte usou um lança-chamas em mim. Desta vez, [Leo] mantém a chama contra eles durante sete ou oito segundos, em cima de uns caras que ele nem conhece. Psicologicamente, é difícil, então parabéns para ele por ficar no personagem e filmar essa cena.”

Zoë Bell, supervisora de dublês, teve de fazer um trabalho de “convencimento” para deixar DiCaprio à vontade. Depois da demonstração de Alonzo, quando ele viu que era de fato seguro, DiCaprio fez todos aplaudirem a equipe de dublês.

Os rumores sobre “contato visual” com DiCaprio são aparentemente falsos

Em uma matéria sobre a carreira de DiCaprio, o The Hollywood Reporter cita uma “fonte do set” anônima segundo a qual integrantes da equipe foram instruídos a evitar contato visual com Leonardo DiCaprio. Richardson e Ling dizem que não é verdade.

“Ele é um doce”, diz Ling, insistindo que essa ordem nunca foi dada.

Richardson diz que a maioria das estrelas de Hollywood não são as divas que imaginamos, uma teoria que Era Uma Vez ecoa quando mostra a carreira descendente de Rick. Evitar contato com a equipe, diz Richardson, é a “energia errada” para um meio que depende da colaboração estreita entre centenas de pessoas.

“Diziam o mesmo de Bem Kingsley, que você não podia olhar para os olhos dele”, diz Richardson, que trabalhou com o ator em A Invenção de Hugo Cabret.

“E Val Kilmer também”, acrescentou Ling. Ambos trabalharam com o ator em The Doors, a cinebiografia sobre a banda lançada em 1991. “Não é verdade.”

*Este texto foi originalmente publicado no HuffPost US e traduzido do inglês.

Texto e imagens reproduzidos do site: huffpostbrasil.com

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