Chico Buarque, "um sujeito magro e tímido, simples e sorridente".
Chico Buarque: “A música brasileira não exclui, assimila”
No Rio de Janeiro, revela a história de sua família e sua
oposição à ditadura
Por Antonio Jiménez Barca
Há apenas uma coisa mais difícil de encontrar do que alguém
que fale mal de Chico Buarque no Brasil: uma mulher que não seja apaixonada por
ele. Olhos fascinantes de uma cor estranha entre verde, azul e cinza são uma
lenda nacional. Suas canções, por si só, já fazem parte da história, da herança
e da identidade diária de um povo. Por isso, é um pouco intimidante se
aproximar do edifício de um bairro nobre do Rio de Janeiro, onde o cantor mora,
e subir no elevador imaginando o que te espera atrás da porta. O que se
encontra é um sujeito magro e tímido, simples e sorridente, que esperava
sentado sozinho em uma cadeira e assim que vê o recém-chegado o convida para um
café que acabou de fazer. A sala de estar de Chico, aberta em três paredes de
vidro com vista para várias praias do Rio, goza de uma paisagem deslumbrante
nesta bela tarde ensolarada e iluminada de fim de verão. Ao fundo, em um canto,
há um violão e um piano, ao lado de uma enorme foto na qual Chico aparece ao
lado de Vinicius de Moraes e Tom Jobim, dois dos lendários criadores da bossa
nova.
Sobre uma mesa repousa o novo romance do artista, O Irmão
Alemão (Companhia das Letras). Nele, Chico (1944) narra seu choque ao saber, já
adulto e de forma inesperada, que seu pai, o famoso historiador Sérgio Buarque
de Hollanda, teve um filho na Alemanha, em 1930, quando era correspondente em
Berlim para um jornal brasileiro. Nem Chico sabia até então que tinha um irmão
na Alemanha, nem esse irmão alemão jamais soube que era parente de um dos
cantores mais famosos do Brasil já que morreu, em 1981, ignorando quase tudo
sobre seu pai biológico. O escritor disfarça um pouco os fatos, mas nas páginas
do romance desfila a São Paulo dos anos sessenta e setenta, menos gigante e
desumana do que a atual, e sua própria juventude um pouco desregrada. Também
emerge a ditadura sinistra, à qual Chico se opôs desde o início e que o levou a
buscar o exílio, em 1969. Mas, acima de tudo, revela a casa da família, repleta
de cima a baixo com livros de seu progenitor. Era um pai amável, mas distante,
carinhoso, mas distraído, e um pouco ausente, sempre imerso em leituras
intermináveis e envolto em uma nuvem de fumaça de um cigarro continuamente
aceso. No romance, o protagonista, um sósia do próprio Chico, enquanto folheia
um dos livros da imensa biblioteca do pai, nota um envelope perdido entre as
páginas que guarda uma velha carta em alemão, que lhe dá pistas sobre aquele
irmão que nunca conheceu. Na verdade, a descoberta não foi tão literária.
Pergunta. Quando soube que tinha um irmão?
Resposta. Soube exatamente em 1967, quando tinha 23 anos.
Lembro-me muito bem, inclusive há uma foto desse dia. Vinicius de Moraes, Tom
Jobim e eu fomos visitar o poeta Manuel Bandeira, que já estava muito velhinho,
em sua casa no Rio. E, então, falando disso e daquilo, Bandeira perguntou por meu
pai, de quem era muito amigo: "Como o Sérgio está? Ah, quanto tempo não o
vejo, vivemos tantas coisas juntos... Foi para a Alemanha, teve aquele
filho...”. E aí soltou isso.
P. O que você fez?
R. Então lhe disse: "Mas que filho?". E aí o
Vinicius respondeu: "Mas você não sabia disso, do filho?". E eu:
"Não". Eu não sabia nada. Era um segredo de família. Depois daquele
dia, falei com meus irmãos e com meu pai. Falei com o meu pai, sim, mas sempre
havia uma barreira na hora de perguntar a ele. Escrevendo este novo livro me
questionei por que não perguntei mais. Mas havia um receio, um impedimento. Não
é que meu pai tenha me proibido de perguntar sobre a questão do filho, mas me
sentia um pouco desconfortável sobre o assunto. Em relação à minha mãe e ao meu
pai.
O cantor e escritor
Chico Buarque
P. E isso se tornou uma obsessão ao longo dos anos? Porque
você continuou investigando, principalmente após a morte de seu pai, em 1982.
Até mesmo a editora que iria publicar o livro, a Companhia das Letras,
contratou dois detetives para ajudá-lo na investigação.
R. Não, não, não eram detetives [risos]. Eram historiadores.
Um deles era um brasileiro que, por acaso, estava na Alemanha quando comecei a
escrever o livro, há três anos. É verdade que foi contratado pela editora. Ele
conhecia um documentalista alemão especializado em imigração alemã no estado de
Santa Catarina. Eles descobriram que meu irmão, na verdade, se chamava Sérgio
Günther e havia sido adotado por uma família quando pequeno. A verdade é que,
quando comecei a escrever o livro, tinha muito pouca informação. Mas nem
precisava. Nem sequer pretendia encontrá-lo. A história não ia por aí. Mas
aconteceu que, enquanto escrevia, um dos meus irmãos, que vive no apartamento
da minha mãe, que morreu há cinco anos, encontrou em uma gaveta alguns
documentos que tinham dados para puxar o fio. Eu tinha 50 páginas do livro, que
deixei como estavam. Mas a realidade se intrometeu na redação para sempre.
P. A história que o senhor narra no romance é boa, mas a
realidade na qual se apoia também.
R. Sim, deveria escrever outro livro, porque, no final, o
romance acaba competindo com a história real, que é muito impressionante.
É verdade. Através desses documentos, Chico tomou
conhecimento de duas coisas: que seu pai havia solicitado às autoridades alemãs
que enviassem seu filho fornecendo a documentação necessária ou, pelo menos,
conseguir que ele recebesse uma pensão que prometia enviar. A segunda é que a
mãe biológica tinha decidido, em meio à convulsão enfrentada pela Alemanha da
época, entregar o menino ao Estado para que fosse adotado. Uma carta enviada a
seu pai, em 1934, pela Secretaria da Infância e Juventude de Berlim (e que
terminava com um rigoroso "Heil Hitler!") pedia a Sérgio Buarque de
Hollanda que, para que seu filho fosse adotado pela família alemã Günther, que
estava interessada na criança, deveria encaminhar o mais rapidamente possível
certificados que comprovassem a religião católica do pai. Chico, ao ler a
carta, imaginou, com assombro e espanto, que as autoridades alemãs exigiam isso
para que ficasse evidente que o pequeno Sérgio não tinha sangue judeu nas
veias. Caso contrário, em vez de uma família qualquer, ele poderia ter sido
transferido para um campo de concentração. Os historiadores finalmente
conseguiram, em 2013, identificar o irmão, Sérgio Günther, que morreu em 1981,
e localizar sua ex-esposa, filha e neta. Poucos meses depois, Chico viajava a
Berlim para conhecer a outra parte de sua família e saber mais sobre seu
meio-irmão.
P. E soube que seu irmão tinha sido um cantor...
R. Sim, ficou bem conhecido na Alemanha Oriental como cantor
e apresentador de televisão. Quando soube que tinha sido cantor, senti uma
emoção forte. E sabe, quando ouvi um de seus álbuns percebi que tinha a voz grave
do meu pai. Porque meu pai gostava muito de cantar. E soava igual.
P. Tinham mais coisas em comum?
R. Ambos morreram de câncer de pulmão. Meu pai fumava muito.
Quando conheci a família do meu irmão, sua viúva (uma de suas viúvas, porque
ele se casou mais de uma vez) me disse que Sérgio Günther arrancava o filtro
dos cigarros que fumava. Exatamente como meu pai. Coisas assim que arrepiam.
Todo mundo lá me disse que minha música A Banda havia sido traduzida ao alemão
e era bem conhecida na Alemanha Oriental, com uma letra muito diferente e um
pouco absurda, na verdade. Portanto, não é estranho que meu irmão tenha
realmente me ouvido cantar. É uma maneira de ter me conhecido um pouco, certo?
P. Alguma vez teve curiosidade de saber quem era seu pai
biológico?
R. Sua viúva me disse que, em um determinado momento, sim,
que perguntou na Embaixada brasileira, mas na época a Alemanha Oriental era um
país muito fechado, com poucas possibilidades de conseguir informação.
P. No livro, o protagonista, parecido com o senhor, rouba
carros para se divertir. O senhor fazia a mesma coisa?
R. Sim. Ia com um grupo de adolescentes do bairro, eram os
tempos de James Dean, rock and roll, de uma juventude um pouco rebelde. Por
isso que nosso esporte era roubar carros, circular com eles pela cidade e
depois deixá-los no fim do mundo. Fui para a cadeia por isso uma vez. A polícia
me deu uma surra. Bom, mas isso já havia contado. Eu mesmo disse antes que descobrissem.
Tive sorte porque no dia que me prenderam meus pais não estavam em casa,
estavam viajando, e foi minha irmã que me buscou. Eu então era bastante...,
enfim, dei muito trabalho para minha família.
P. Ao mesmo tempo, era muito bom leitor, certo?
R. Sim, é verdade. Foi também uma maneira de me aproximar de
meu pai, que passou a vida entre livros. Eu diria que, antes de ser músico,
queria ser escritor. Até que a música apareceu na minha vida e embarquei nela.
Mas não abandonei a ideia de me dedicar à literatura. Nos anos setenta,
publiquei meu primeiro romance, nos oitenta, o segundo. Desde então alterno as
duas coisas. Quando faço uma, não faço a outra, porque me consomem muito.
Quando estou escrevendo nem sequer ouço música.
P. Mas são atividades assim tão diferentes?
R. Para mim, sim. Muito. E ainda assim minha escrita é muito
influenciada por minha música. Talvez algo se perca nas traduções, mas meus
textos tentam carregar algum ritmo musical. Além disso, tenho que alternar as
duas coisas porque, pelo menos no Brasil, é muito difícil para um escritor
viver apenas de literatura. Os escritores trabalham como funcionários públicos,
professores, jornalistas... E tudo isso está tão longe da literatura quanto da
música. O fato de ser jornalista, por exemplo, não lhe dá a habilidade de
escrever literatura, acredito.
P. Comenta-se que cada vez escreve mais e compõe menos.
R. Componho menos do que aos 20. É normal. A música popular
é mais uma arte da juventude, com o tempo você vai perdendo, não sei, não o
interesse, mas ela já não flui com a abundância daqueles primeiros anos. Tenho
que me esforçar mais, procurar mais, é mais difícil. No começo você tem um
milhão de ideias, tudo em torno serve para fazer uma canção. Depois vai ficando
mais insípido, menos inspirador.
P. Ainda acredita que o melhor de um show é quando acaba?
R. [Risos] Eu realmente não gosto muito de fazer shows não,
mas tenho de fazer. Quando lanço um novo disco, me dá vontade de sair por aí e
cantar em público. Além disso, com isso depois posso passar dois anos
escrevendo. Caso contrário, iria à falência.
P. Por que a música popular brasileira é tão conhecida e a
literatura não?
R. Pode ser porque seja pior, mas acho que não. É verdade,
por exemplo, que a Argentina é um povo mais literário do que o brasileiro. E os
escritores brasileiros também jogam com uma desvantagem, porque o português é
mais desconhecido. E a riqueza musical brasileira é facilmente exportável, não
precisa de tradução.
P. Por outro lado, por que a música brasileira é tão aceita,
tão apreciada?
R. Porque, principalmente depois da bossa nova, tem a
influência negra, é filha do samba, mas com um toque de jazz, um toque
harmônico. E também tem influência dos grandes compositores da música clássica.
Veja: Tom Jobim, nosso grande mestre, era um conhecedor profundo de Chopin e
Debussy, dos impressionistas, entre muitos outros. E tudo isso está em nossa
música, misturado, junto com os boleros cubanos e os ritmos mexicanos. O Brasil
não exclui, assimila. O resultado foi complexo, rico e único.
P. Como era esse mundo? Como era conviver com Jobim,
Vinicius?
R. Ah! Eles... eram acima de tudo grandes amigos. Olhe
aquela foto, estou com os dois. Eu realmente comecei a me emocionar de verdade
com a música, a decidir fazer canções a sério depois da canção Chega de
Saudade, composta por Tom Jobim e Vinicius e interpretada por João Gilberto. Eu
os tinha em um altar. Já conhecia Vinicius porque era amigo do meu pai, mas,
para mim, era como falar com um monumento. Por isso, a primeira vez que vim ao
Rio para conversar com Tom Jobim, imagine, era um sonho. Com o tempo se
tornaram meus amigos, meus parceiros, fiz muitas canções com eles, fui aceito
nesse seleto grupo da música popular brasileira.
P. Foi Tom Jobim que disse que o Brasil não era um país para
amadores, correto?
R. Sim, e assino embaixo. É um país único, fruto da
colonização portuguesa, com emigrantes de todo o mundo, italianos, alemães,
árabes, japoneses, com a marca dos escravos trazidos à força... E com origens
indígenas antes disso tudo. Tudo isso está presente agora. Em São Paulo, sem ir
muito longe, você pode procurar nomes indígenas em muitas ruas. Essas
circunstâncias criam um país único.
P. O senhor sempre teve uma posição política clara e
explícita. Se opôs à ditadura e apoiou Lula e Dilma Rousseff, do Partido dos
Trabalhadores.
R. Sempre me perguntam quando há eleições. Eu tomo partido e
não tenho qualquer problema em declarar isso. Sempre apoiei o PT, agora a Dilma
Rousseff e antes o Lula. Apesar de não ser membro do partido, de ter minhas
desavenças e de votar em outros candidatos e outros partidos em eleições
locais. Mas sempre soube que o problema deste país é a miséria, a desigualdade.
O PT não resolveu tudo, mas conseguiu atenuar. Isso é inegável. O PT tem
melhorado as condições de vida da população mais pobre.
P. E como o senhor vê a situação atual?
R. Muito confusa, não há nenhuma maneira de saber o que vai
acontecer nos próximos anos. A crise econômica é forte. É preciso tomar certas
medidas impopulares. Ao mesmo tempo, a oposição é muito dura. E depois há uma
onda de manifestações nas ruas que, na minha opinião, não têm um objetivo
concreto ou claro. Entre aqueles que saem às ruas há de tudo, incluindo loucos
pedindo um golpe militar. Outros querem acabar com o Partido dos Trabalhadores,
querem enfraquecer o Governo para que, em 2018, o PT chegue desgastado nas
eleições. O alvo não é a Dilma, mas o Lula; têm medo que Lula volte a se
candidatar.
P. E, para terminar: como se vive sabendo que é o homem mais
desejado do país?
R. Isso já faz muito tempo.
P. E continuam dizendo.
R. Não sei nada sobre isso. Sou tímido, um cidadão sério, um
homem de família. Inventam histórias, criam lendas que não têm muito a ver com
a realidade. Não sou o sedutor que comentam.
A entrevista termina e o cantor tenta chamar um táxi para o
jornalista através de um aplicativo do celular. Mas não consegue. "Minha
neta sabe, mas eu não aprendo", explica. Observa o bonito entardecer e
diz: "Eu o acompanho." Coloca shorts, um boné que esconde o rosto e
caminha, junto ao jornalista, rua abaixo pelo Rio de Janeiro, falando dos pais,
dos livros, das famílias e da música.
Chico Buarque: “A música brasileira não exclui, assimila”
Fotos: Luiz Maximiano
Rio de Janeiro, 1944. Ele é filho do conhecido historiador
Sérgio Buarque de Hollanda e da pintora e pianista Maria Amélia Cesário Alvim.
Começou a estudar arquitetura, mas abandonou o curso depois de dois anos,
quando sua carreira como compositor e intérprete começou a deslanchar. Em 1966,
conseguiu seu primeiro grande sucesso com a canção A Banda. Desde então, não
parou de compor obras-primas como Apesar de Você, Construção, O Que Será (À
Flor da Pele) e Cálice. É considerado um dos grandes nomes da música popular
brasileira, ao lado de Tom Jobim e João Gilberto, entre outros. Em paralelo,
desenvolveu sua carreira como escritor e dramaturgo. O Irmão Alemão, publicado
pela Companhia das Letras, é seu quinto romance.
Texto e imagens reproduzidos do site: brasil.elpais.com
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