Uma comissão foi criada para freiras denunciarem abusos sofridos
por membros religiosos (Donald G. Jean/Getty Images)
Publicado originalmente no site da revista EXAME, em 6 de fvereiro de 2019
Freiras “escravas sexuais”: um novo capítulo dos abusos na
Igreja
Papa admitiu a jornalistas que sacerdotes e bispos cometeram
abusos sexuais a freiras e disse que igreja está trabalhando sobre a questão
Por AFP
A admissão pública do papa Francisco de que sacerdotes e
bispos usaram freiras como “escravas sexuais” marca um novo capítulo da crise
pelos abusos sexuais que atinge a Igreja Católica.
“É a primeira vez que o papa e a Igreja como instituição
admitem publicamente que esses abusos foram cometidos. Isso é sumariamente
importante”, reconheceu, satisfeita, à AFP a diretora do suplemento feminino do
jornal “L’Osservatore Romano”, Lucetta Scaraffia.
A historiadora e jornalista italiana dedicou a edição de
fevereiro do suplemento aos casos de abusos sexuais a religiosas, gerando um
novo escândalo dentro da instituição.
A denúncia foi confirmada pelo pontífice argentino, que
admitiu que padres e bispos abusaram sexualmente de freiras por décadas.
A admissão do papa surpreendeu os jornalistas que
participavam da tradicional coletiva de imprensa concedida por Francisco no voo
de retorno à Itália dos Emirados Árabes Unidos.
“Houve padres e bispos que fizeram isso”, indicou o papa,
que nunca havia abordado esse tema publicamente. A Igreja “suspendeu vários
clérigos” e o Vaticano esteve “trabalhando (nesta questão) durante muito
tempo”, confessou.
O escândalo se soma à onda de denúncias contra sacerdotes
pedófilos em muitos países, do Chile à Irlanda, passando por Estados Unidos e
Austrália.
O semanário do Vaticano denunciou, inclusive, o estupro de
freiras, que foram forçadas a abortar ou a criar filhos que não foram
reconhecidos por seus pais sacerdotes.
Um fenômeno que tem sido pouco denunciado e tem vindo à tona
em vários países, como Chile, Itália, Peru e Índia, além da África. “É uma
situação muito difícil que tem suas raízes na dependência das freiras. Não são
reconhecidas como iguais”, explicou Scaraffia.
Em um comunicado à imprensa divulgado nesta quarta, o
porta-voz interino da Santa Sé, Alessandro Gisotti, declarou que quando o Santo
Padre falou na véspera da “escravidão sexual” em algumas congregações, se
referia também à “manipulação e a formas de abuso de poder, que incluem o abuso
sexual”.
Desde novembro, a União Internacional das Superioras Gerais
(UISG), organismo que representa mais de meio milhão de freiras católicas,
assumiu o compromisso de atender todas as religiosas que denunciassem uma
agressão sexual.
Quebrar o silêncio
O papa recordou que a batalha foi aberta por seu antecessor,
Bento XVI (2005-2013), que “teve a coragem de dissolver uma congregação” por
escravizar as mulheres, inclusive sexualmente, por parte de seu fundador.
Quebrem o silêncio, porque o silêncio é que permite que os
estupradores continuem estuprando.
Francisco se referia à congregação francesa das
contemplativas Irmãs de São João, cujos superiores foram retirados depois de
uma investigação do Vaticano sobre seus excessos, entre eles sexuais.
Por conta das revelações sobre o abuso de crianças por parte
de padres e do impacto mundial do movimento #MeToo, as freiras também começaram
a quebrar o silêncio.
Na semana passada, um religioso de alto escalão do Vaticano,
acusado por uma ex-freira alemã de abusos durante a confissão, renunciou depois
de quatro anos e de um julgamento canônico que se limitou a chamar a sua
atenção.
“Chegaram muitas queixas ao Vaticano, mas não deram
prosseguimento”, explicou Scaraffia.
“Espero que formem uma comissão para investigar os casos,
que participem especialistas religiosos nesse tema, que abram julgamentos, mas,
sobretudo, que quebrem o silêncio. Porque o silêncio é que permite que os
estupradores continuem estuprando”, acrescentou.
Para as freiras vítimas de abusos não é fácil falar disso,
pois temem que a denúncia repercuta contra elas ou contra a congregação.
Scaraffia considera que a Igreja deve se questionar sobre o
poder que os sacerdotes exercem sobre as freiras, já que decidem sobre a sua
entrada ou não nas ordens religiosas, organizam suas vidas diárias e,
inclusive, fixam o salário que recebem.
“Esta é uma oportunidade para demonstrar que a mudança está
realmente em curso”, sustenta a historiadora, que espera acabar com o
tradicional poder do sacerdote homem sobre a freira mulher.
Texto e imagem reproduzidos do site: exame.abril.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário